Disputa entre Apple e Facebook reflete ambições sobrepostas

Empresas se desentenderam com relação à privacidade e estão em rota de colisão diante da próxima geração de inovações

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Tim Bradshaw Hannah Murphy
Financial Times

Quando a Apple lançou o iPhone, 12 anos atrás, apps do Google tinham posição central no projeto, com o Maps e o YouTube presentes como âncoras em toda home screen.

O relacionamento estreito entre as duas empresas logo se amargou, quando o Google lançou um software rival, o Android, em 2008, e Steve Jobs, então presidente-executivo da Apple, ameaçou uma "guerra termonuclear" contra a companhia.

Uma história semelhante está começando entre a Apple e outra empresa um dia vista como amiga, o Facebook.

Durante muitos anos, os apps do Facebook estiveram entre os mais populares do iPhone, e em 2012 a Apple chegou a incluir diretamente no sistema operacional de seu produto, e em sua loja de apps, a capacidade de fazer login, postar e curtir conteúdo no Facebook.

Cliente da Apple usa smartphone; empresa travou batalha sobre privacidade com Facebook
Cliente da Apple usa smartphone; empresa travou breve batalha sobre privacidade com Facebook - Nicolas Asfouri/AFP

Mas as duas empresas se desentenderam com relação à privacidade e agora estão em rota de colisão diante da próxima geração de inovações, de apps de mensagens a realidade aumentada e "smart glasses" [óculos inteligentes].

 

"É um tópico fascinante — quem tem mais medo de quem?", disse Ben Wood, analista de tecnologia na CCS Insight.

Na semana passada, depois de descobrir que o Facebook violou suas regras para a distribuição de apps fora da App Store, com um software que recolhia dados sobre quase tudo que um usuário fizesse no iPhone, a Apple bloqueou todos os apps internos do Facebook em seu iOS, causando dois dias de problemas para o pessoal das duas empresas e gerando tensão entre elas.

"As coisas certamente esquentaram", disse Gene Munster, investidor em tecnologia na Loup Ventures. "A privacidade claramente importa para a Apple. Eles flexionaram seus músculos ao máximo".

Até que a Apple o barrasse, o app "Research", do Facebook, era usado por crianças a partir dos 13 anos, que recebiam pagamentos de US$ 20 ao mês para permitir que a empresa recolhesse dados sobre seu uso do iPhone.

Embora o Facebook tenha negado que estivesse "espionando", porque todos os usuários do app deram seu consentimento, a Apple afirmou que a postura da empresa representava uma "clara violação" de suas normas para desenvolvedores.

Tim Cook, presidente-executivo da Apple, fez da proteção da privacidade uma das pedras fundamentais de sua liderança na Apple, e a destaca como um diferenciador claro em favor do iPhone.

Mas embora seja concebível imaginar que a posição dura assumida por Cook é uma pose direcionada à imprensa e aos políticos, que estão dedicando cada vez mais atenção ao assunto, ela também reflete a concorrência cada vez mais intensa entre os produtos do Facebook e os da Apple.

O primeiro campo de batalha são os serviços de mensagens. O iMessage, exclusivo do iPhone, é um forte recurso para manter a lealdade dos clientes da Apple, mas as conveniências e recursos que oferece vêm sendo reproduzidos cada vez mais pelo Facebook Messenger e pelo WhatsApp, que também pertence à companhia rival.

A Apple revelou esta semana que seu iPhone tem 900 milhões de usuários ativos — centenas de milhões dos quais empregam o iMessage regularmente —, mas essa audiência continua inferior aos dois bilhões de usuários diários do Facebook.

"As mensagens são uma área que vem crescendo muito rápido", disse Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, em uma conversa telefônica com analistas esta semana. A empresa começou a trabalhar em uma fusão da infraestrutura de seus apps de mensagens.

A próxima fase da competição entre Apple e Facebook irá além dos serviços online e acontecerá em uma plataforma de hardware inteiramente nova. Tanto a Apple quanto o Facebook estão trabalhando em "smart glasses" que usarão tecnologia de realidade aumentada para sobrepor imagens digitais ao mundo real.

Ainda que desafios quanto a componentes essenciais como os displays ópticos, e quanto à administração do consumo de energia, signifiquem que esses óculos de realidade aumentada devam demorar um pouco para chegar ao mercado, o Facebook espera que a adoção da nova plataforma permita que ele retome o controle que a disputa desta semana revelou que não lhe pertence na telefonia móvel.

O Facebook está estudando maneiras de vincular a realidade aumentada à sua missão básica de conectar amigos, e quer transformar a nova tecnologia em algo de uso cotidiano, por exemplo nas compras, no trabalho ou em novas formas de videoconferência holográfica.

O Facebook contratou centenas de trabalhadores para sua equipe de desenvolvimento de hardware de realidade aumentada, em novembro do ano passado, confirmou a companhia. O site Business Insider foi o primeiro a noticiar a expansão dos recursos de realidade aumentada.

"Em prazo mais longo, meu foco continua a estar em criar tecnologia que una as pessoas de novas maneiras, o que inclui realidade aumentada e realidade virtual", disse Zuckerberg na quarta-feira (30).

O medo dos investidores quanto à saturação dos mercados existentes da Apple e do Facebook torna mais urgente sua busca de um avanço que acelere o ingresso na era pós-smartphone.

Mesmo assim, as ações da Apple e do Facebook se recuperaram esta semana depois que as duas empresas anunciaram resultados trimestrais superiores aos que muita gente em Wall Street temia.

A despeito de ter enfrentado as consequências do escândalo de privacidade de dados da Cambridge Analytica, uma imensa violação de segurança, e reportagens muito negativas sobre a maneira pela qual a empresa está enfrentando suas crises, o Facebook registrou alta de 30% em suas vendas no quarto trimestre de 2018.

Ainda que Cook possa estar indignado diante da atitude negligente do Facebook com relação a informações pessoais, a resiliência da rede social sugere que muitos anunciantes e a maioria dos usuários ainda não compartilham de suas preocupações.

Tradução de Paulo Migliacci

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