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Brooke Masters

Alusão de presidente da Volks a lema nazista mostra que empresa precisa se adaptar

Herbert Diess usou expressão que remete à frase das entradas de Auschwitz

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Londres | Financial Times

Herbert Diess ou é um sujeito completamente sem noção ou lhe falta qualquer sutileza para captar sinais. De todo modo, sua capacidade para liderar o renascimento da Volkswagen, a maior montadora mundial de automóveis, agora está em dúvida.

Na semana passada, ele usou repetidas vezes a expressão "Ebit macht frei" [os lucros antes dos juros e impostos libertam], em uma reunião de executivos. A expressão ecoava de modo infeliz, para dizer o mínimo, o lema nazista "arbeit macht frei" [o trabalho liberta], que adornava as entradas de Auschwitz e outros campos de concentração.

Seria um erro terrível para qualquer pessoa. Mas o impacto é amplificado quando o responsável pelo mau passo comanda uma empresa fundada a mando de Adolf Hitler e que em seus dias iniciais dependia de mão de obra escrava fornecida pelos campos de concentração.

Duas pessoas que estavam presentes à reunião disseram ao Financial Times que não fizeram a conexão imediatamente quando Diess usou repetidamente a expressão, como parte de uma conversa contenciosa sobre os motivos para que a marca de luxo Porsche tenha mais liberdades que outras marcas do grupo.

Mas outros dos presentes revelaram o que tinham ouvido e, pela manhã seguinte, Diess estava em uma grave enrascada. A Volkswagen se apressou a agir, enviando emails a todos os empregados da empresa e postando uma mensagem no LinkedIn nos quais Diess se "desculpava sem reservas" sobre sua "escolha infeliz de palavras". Ele insistiu em que estava tentando enfatizar a importância das altas margens de lucros, o foco natural para um executivo conhecido como "kostenkiller" [mata-custos].

Alguns investidores e empregados da companhia não aceitaram as desculpas. Eles acreditam que o episódio coloque em dúvida o bom senso de Diess e solape sua capacidade para tirar a empresa de um longo escândalo. Desde 2015, a Volkswagen gastou mais de 28 bilhões de euros em multas, indenizações e recompras de carros, depois de trapacear durante uma década nos testes de emissão de poluentes.

Mas o passado continua a arrastá-la para trás. No ano passado, um documentário revelou que a montadora esteve envolvida em um experimento em 2014 no qual macacos foram trancafiados em câmaras de gás, para o teste de emissões de poluentes por motores diesel.

E na semana passada, a Securities and Exchange Commission (SEC), agência federal que regulamenta os mercados de valores mobiliários dos Estados Unidos, abriu processo contra a Volkswagen acusando-a de iludir os investidores ao vender títulos de dívida em 2014 e 2015 sem revelar que estava sendo investigada por irregularidades nos testes de emissões. A companhia nega qualquer delito.

Muitos investidores apreciam os esforços de Diess para cortar custos e promover os veículos elétricos. Mas outros sentem que ele é inacessível e que não mudou a cultura hierárquica à qual muita gente atribui a culpa pelos escândalos passados da empresa. Para esses críticos, é revelador que nenhum dos participantes da reunião o tenha procurado depois para expressar preocupação. O conselho supervisor da Volkswagen está em cima do muro; "distanciou-se firmemente" do uso do lema, mas mencionou o pedido de desculpas de Diess.

O executivo disse que estava repetindo a frase de um de seus professores e que "simplesmente não pensou" no contexto nazista. Isso não me convence. Ele visitou Auschwitz em novembro. Tenho baixa tolerância quanto a linguagem ofensiva. Há linhas que não devem ser cruzadas.

Em minha opinião, a cadeia de pizzarias Papa John estava certa ao romper os elos com seu fundador depois que ele foi acusado de usar epítetos raciais, ainda que o fundador agora conteste a acusação. Posso entender, no entanto, que a Volkswagen veja o assunto de maneira diferente: a companhia precisa se adaptar rapidamente. Diess conseguiu progressos, e criar mais tumulto não ajudará.

O presidente-executivo da Volkswagen, Herbert Diess, em Wolfsburg
O presidente-executivo da Volkswagen, Herbert Diess, em Wolfsburg - AFP

Não importa o que aconteça, é improvável que vejamos um debate genuíno. Todo o poder repousa com os três grandes acionistas da Volkswagen. A família Porsche-Piëch, o estado da Baixa Saxônia e o Qatar controlam 90% das ações com direito a voto. O fundo estatal de investimento da Noruega, por muito tempo o maior investidor independente na Volkswagen, parece ter desistido de esperar por reformas em sua governança, e reduziu sua participação na companhia em quase 50% nos últimos 12 meses.

Isso deveria servir como alerta aos investidores americanos que continuam a fluir para empresas de tecnologia apesar de estruturas acionárias que dão aos fundadores destas controle desproporcional ou majoritário. Já é ruim o bastante ter de pensar em remover um presidente-executivo; muito pior não ter escolha a não ser mantê-lo.
 
Tradução de Paulo Migliacci

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