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Cifras & Letras

Autores apontam inchaço da Constituição por políticas públicas

Livro mostra que Carta cresceu 45% desde promulgação, em 1988

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São Paulo

A Carta - Para Entender a Constituição Brasileira

  • Preço R$ 64,90, 288 págs.
  • Autor Naercio Menezes Filho e André Portela Souza (org.)
  • Editora ed. Todavia

A Constituição do Brasil cresceu 45% desde que foi promulgada, em 1988. Essa expansão se deu, sobretudo, pelo aumento de políticas públicas constitucionalizadas, aspecto que já fazia da Carta brasileira uma exceção no mundo há 30 anos e ajuda a explicar a atual crise fiscal.

A conclusão é de uma pesquisa dos cientistas políticos Rogério Arantes (USP) e Cláudio Gonçalves Couto (FGV) que consta do livro “A Carta – Para Entender a Constituição Brasileira”, cujo lançamento será no próximo dia 25. 

Dividida em análises de diferentes aspectos da Constituição, a obra foi organizada pelos economistas Naercio Menezes Filho (Insper) e André Portela Souza (FGV).

A partir de uma metodologia que divide as Constituições em dispositivos —as menores unidades da Carta dotadas de sentido—, Arantes e Couto mostram que 70% do texto principal se destinava a questões realmente constitucionais, como o conceito de Estado, os direitos civis e as regras do jogo institucional.

 

Os 30% restantes, segundo eles, eram pura política pública, se referindo a pormenores mais típicos de planos governamentais que precisam ser revisados com o tempo para refletir mudanças de preferência do eleitorado, assim como transformações estruturais e até alterações drásticas da conjuntura dos países.

Entre as Constituições analisadas pelos autores, a que mais se aproximava da situação brasileira em sua concepção original era a mexicana de 1917, com 17% de políticas públicas, pouco mais da metade do percentual brasileiro.

Desde 1988, a necessidade normal de atualização da legislação agravou a situação original. As 105 emendas aprovadas até 2017 levaram a um acréscimo de mais de 800 dispositivos aos 1.855 da Constituição inicial, incluindo o texto principal e as disposições transitórias. Isso resultou numa Carta 45% maior.

O deputado federal Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, apresenta o livro da Constituição de 1988 ao plenário da Câmara dos Deputados - Lula Marques -3.dez.1988/Folhapress

Embora o ritmo de emendamento tenha ganhado fôlego no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), após a revisão de 1994, foi na gestão de Michel Temer (MDB) que atingiu seu ápice até agora.

A instituição de novas políticas públicas foi responsável por 80% do aumento verificado pelos autores. “O problema é que, quando você constitucionaliza uma política pública, torna sua mudança muito mais custosa para o país”, diz Couto.

Para serem aprovadas, as emendas constitucionais necessitam da anuência de 3/5 dos parlamentares. Como apontam Couto e Arantes, isso implica a formação de maiorias “mais amplas do que as democraticamente eleitas”, o que tem se mostrado complicado no cenário brasileiro de fragmentação partidária.

A palavra custo aparece no livro muitas vezes também em seu sentido financeiro. Um dos casos analisados é a Previdência, hoje no centro do debate devido à insustentabilidade dos sistemas em vigor.

No capítulo do livro sobre o tema, o economista Paulo Tafner (Fipe) aponta que, desde 1994, o número de pessoas atendidas pelo regime geral da Previdência mais do que dobrou. No mesmo período, a despesa mensal associada a esses benefícios mais do que triplicou, passando de R$ 8,68 bilhões para R$ 32,5 bilhões (descontada a inflação).

O crescimento vertiginoso, nas palavras do autor, se deveu, ao menos em parte, a regras que facilitaram o acesso a benefícios —como no caso de aposentadorias rurais— estabelecidos pela Constituição.

A ampliação de direitos constitucionais foi, segundo os autores, importante para incluir parcelas da população antes marginalizadas.

Analisando as mudanças constitucionais na área de saúde, o economista Rudi Rocha (FGV) ressalta que a criação do SUS (Sistema Único de Saúde) incorporou imediatamente “dezenas de milhões de brasileiros, antes renegados à condição de indigentes sanitários e dependentes de filantropia ou de uma rede pública de serviços precários”.

Segundo ele, há evidências empíricas de que a ampliação ao acesso a saúde no Brasil contribuiu para avanços, como a queda de 70% na mortalidade infantil desde 1988.

No capítulo sobre educação, Menezes Filho e Reynaldo Fernandes (USP) afirmam que as emendas constitucionais posteriores a 1988 que instituíram fundos —o Fundef e, depois, o Fundeb— contribuíram para o significativo aumento das matrículas na educação básica.

Apesar do reconhecimento da contribuição da Constituição para a maior inclusão social, o livro indica que os custos associados à Carta e suas subsequentes emendas se tornaram insustentáveis.

“É uma Constituição que não cabe no PIB [Produto Interno Bruto]”, diz Menezes Filho.

Segundo o pesquisador, isso se deveu, em alguma medida, à resistência de muitos grupos a abrir mão de direitos e privilégios.

Para tornar a situação mais complexa, a combinação entre a ampla concessão do direito de questionamento à constitucionalidade e o fortalecimento do Judiciário aumentou a interferência deste poder sobre os demais.

Segundo Rafael Bellem de Lima e Natália Pires de Vasconcelos, acadêmicos do Insper especializados na área jurídica e autores do capítulo sobre o tema, a Justiça brasileira chegou a pessoas antes excluídas, mas se tornou uma das mais caras do mundo.

Os autores ressaltam que a interferência constante do Judiciário nas demais esferas chega a redistribuir recursos, “nem sempre de forma justa”. Citam o BPC (Benefício de Prestação Continuada).

Criado pela Constituição para amparar idosos vulneráveis, o BPC teve forte expansão, chegando a mais de 4 milhões de brasileiros, em parte devido a decisões judiciais que estabeleceram regras menos rígidas para sua concessão.

“No Brasil, há uma cultura de valorização do princípio, mais do que da norma concreta, e a ideia da Constituição como uma coisa viva tem alimentado essa característica”, diz Lima.

O maior intervencionismo do Judiciário contribui para a alta frequência de emendas constitucionais que expressariam tentativas de maiorias políticas tentando reduzir o espaço para interferências jurídicas futuras.

Apesar dos conflitos e amarras expostos pelo livro, os autores não parecem antever um alto risco de substituição da Carta atual. Suas análises indicam, no entanto, que a espiral de atualizações constantes do texto constitucional está longe do fim.

A intenção do governo atual de reformar a Previdência e desvincular receitas do Orçamento em busca de recuperar o equilíbrio fiscal parece comprovar isso.


 

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