Especialistas em comércio exterior e representantes do agronegócio estão preocupados com a retórica adotada por uma ala do governo Jair Bolsonaro (PSL) que acredita que Brasil e Estados Unidos devem se unir para evitar a “codependência” em relação à China.
“No mercado chinês, Brasil e Estados Unidos são competidores, e não aliados. No mercado americano, é a vez de Brasil e China competirem. Precisamos de equidistância em relação a essas duas potências, e não alinhamento”, diz Sandra Rios, diretora do Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento).
Brasil e Estados Unidos são produtores de commodities agrícolas e competem pelos consumidores chineses praticamente de igual para igual.
Já no mercado americano, os manufaturados brasileiros brigam por mercado com os chineses, mas, neste caso, a diferença de competitividade é grande.
Na recente guerra comercial travada entre Pequim e Washington, os produtos agrícolas brasileiros acabaram ganhando espaço no mercado chinês.
Graças ao conflito entre as duas potências, as exportações do Brasil para a China tiveram um salto de 35,2% no ano passado, para US$ 64,21 bilhões.
O montante foi impulsionado pelos embarques de soja brasileira, que aumentaram significativamente depois que a China aplicou uma taxa contra o grão americano a fim de compensar barreiras adotadas pelos Estados Unidos contra o aço chinês.
No ano passado, as exportações brasileiras totais de soja, estimadas inicialmente em cerca de 73 milhões de toneladas, chegaram a 85 milhões de toneladas.
A maior demanda chinesa também teve um efeito nos preços pagos aos produtores no Brasil, que subiram.
Segundo André Nassar, diretor-executivo da Abiove (Associação Brasileira de Óleos Vegetais), a situação hoje é mais preocupante.
Com EUA e China perto de concluir um acordo para colocar fim à guerra comercial, o setor agrícola brasileiro teme que produtos americanos como grãos e carnes possam ser beneficiados pelos chineses.
“Nós temos medo que a China conceda aos EUA condições mais favoráveis do que ao Brasil. Daí a importância de cuidar da relação entre China e Brasil”, disse Nassar.
A China é hoje o principal destino das exportações brasileiras, respondendo por 26,8% de tudo que o Brasil vende ao exterior.
Os chineses, que no início dos anos 2000 compravam menos de US$ 2 bilhões do Brasil, passaram a ser o maior cliente do país no fim da década passada.
Em 2009, a China ultrapassou os Estados Unidos, até então o principal destino das exportações brasileiras.
O Brasil vendeu US$ 20,99 bilhões para os chineses naquele ano, comparado com US$ 15,60 bilhões para os americanos.
Para especialistas, essa inversão de papéis foi provocada mais por fatores econômicos —como o “boom” de preço das commodities e a perda de competitividade dos manufaturados brasileiros— do que por uma opção política feita pelos governos da época.
Enquanto as exportações para a China cresciam exponencialmente, as vendas para os EUA se recuperaram em ritmo bem mais lento.
Em 2015, o Brasil vendeu US$ 35,55 bilhões para os chineses e US$ 24,06 bilhões para os americanos. Em 2018, foram US$ 64,21 bilhões para a China e US$ 28,77 bilhões para os EUA.
No ano passado, o Brasil registrou um superávit de US$ 29,48 bilhões com a China e um déficit de US$ 193,7 milhões com os americanos.
“O crescimento no comércio com os EUA é bem vindo, mas é ilusório imaginar que o país vai ocupar no curto prazo o lugar da China na nossa balança comercial”, diz Rios.
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