Descrição de chapéu Tragédia em Brumadinho

Documento que pede afastamentos na Vale cita executivo que responde por tragédia de Mariana

Procuradoria e PF pediram saída de 14 funcionários da mineradora

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Belo Horizonte

A convocação de Peter Poppinga por Fábio Schvartsman para negociar com o governo federal após a tragédia de Brumadinho (MG) está na lista de motivos para o pedido de afastamento imediato do presidente da Vale, oito executivos e cinco pessoas ligadas à gestão de risco. 

A Folha teve acesso ao documento que é assinado pelo Ministério Público Federal, Ministério Público de Minas Gerais, Polícia Federal e Polícia Civil do estado, entregue nesta sexta-feira (1º) à mineradora. Schvartsman se afastou temporariamente no sábado (2), assim como Poppinga.

Poppinga, que era diretor executivo de ferrosos e carvão, responde a uma ação penal como um dos responsáveis pelas decisões que levaram ao rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, em 2015, deixando 19 mortos. Em 25 de janeiro deste ano, o rompimento da barragem de Brumadinho deixou 186 mortos e 122 pessoas ainda desaparecidas.

Segundo o documento, as decisões da Samarco foram para aumentar produção e baixar custos com segurança. A Vale é uma das donas da Samarco ao lado da anglo-australiana BHP Billiton.

Citando a mudança de notas de risco em outras barragens durante o mês de fevereiro, após o rompimento em Brumadinho, a força-tarefa afirma que há inércia por parte da empresa para tomar providências que garantissem segurança. As estruturas motivaram evacuações de quase mil pessoas no estado.

“Tal inércia demonstra que gestores da Vale continuam atuando de forma lesiva impondo riscos imensuráveis à sociedade”, diz o documento entregue ao Conselho Administrativo da Vale. Em outro trecho, o texto diz que a gestão da Vale é “diametralmente oposta” à política de responsabilidade que ela diz ter.

Em um dos pontos, o documento cita que a área de geotécnica corporativa da Vale, criada após a tragédia em Mariana para “aperfeiçoar a gestão de risco na área de barragens, atuou de forma sistemática para alcançar declarações que não atendiam parâmetros legais e estipulados pela própria empresa”. O setor substituiu, segundo o texto, auditores externos que se negaram a fornecer declarações falsas de estabilidade.

O documento lista várias vezes em que a Vale ignorou alertas sobre os riscos na barragem em Brumadinho, incluindo a fala de um gerente executivo que teria classificado a situação da estrutura como “mais tenebrosa do que imagino”.

RISCO BRUMADINHO

Segundo o documento, em janeiro de 2019, semanas antes do rompimento que deixou ao menos 186 mortos e 122 desaparecidos, as leituras de diversos piezômetros instalados na barragem B1 mostravam variações importantes na pressão da água. Mesmo assim, não foram tomadas providências pela Vale.

Sete meses antes da tragédia, em junho, durante a implantação dos DHPs (drenos horizontais profundos), que serviriam para melhorar a estabilidade da estrutura, vazou água em um dos furos “causando situação de risco” e exigindo intervenção das equipes de campo. O incidente fez com os trabalhos fossem suspensos, para que fossem analisadas as soluções.

Até janeiro, no entanto, quando ocorreu o rompimento, não havia qualquer plano apresentado sobre o que seria feito, apesar do descontinuamento da barragem ser considerado como “prioritário”, segundo afirmação de Makoto Namba, consultor da Tüv Süd.

Em vários estudos realizados, segundo aponta o documento, o fator de segurança da barragem B1 era calculado em 1,09 —muito abaixo do mínimo recomendado, que deve ser igual ou maior que 1,3.

Isso foi ressaltado à Vale pela Tractebel Engineering, empresa que fazia inspeção de segurança regular, em setembro de 2018, após ter acesso a um estudo da Tüv Süd, explicando que não seria possível declarar a estabilidade da estrutura com aqueles números.

A Vale teria informado então que, por “divergência de critérios utilizados para avaliação de segurança geotécnica, para o modo de falha de liquefação”, a empresa não seria mais a responsável pelas inspeções.

O próprio documento que recomenda as demissões aponta para a existência de conflito de interesses nas empresas contratadas que atestavam como auditores externos, ao mesmo tempo que celebravam contratos que tinham como premissa a existência de declaração de estabilidade das estruturas.

Apesar de ter tido sua metodologia de avaliação da estabilidade das barragens rejeitada como “não confiável” por um painel internacional de especialistas, criado depois o rompimento de Mariana, a Vale também seguiu usando os mesmos estudos e contrariando alertas, de acordo com o texto.

Em março de 2018, a mineradora permitiu uma nova declaração de estabilidade na barragem B1, que rompeu em Brumadinho, assinada pela Tractebel, que tinha por base os estudos já condenados pelo painel.

Poucos meses antes, no final de 2017, a Potamos Engenharia e Hidrologia Ltda, contratada para apontar o risco monetizado da estrutura, reiterou a recomendação do painel e informou à Vale que o cálculo de estabilidade para a condição de resistência não-drenada de pico para os rejeitos saturados resultava num fator 1,06 - ou seja, de risco.

Apesar da recomendação dar dez dias para que o Conselho se manifestasse, Schvartsman anunciou afastamento temporário neste sábado, em carta.

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