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Recuperação interrompida

O que tem ocorrido é a explicitação da ausência de bases sólidas que suportem a recuperação da indústria

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Rafael Cagnin
São Paulo

Já era um relativo consenso que a superação da crise industrial do triênio 2014-2016 seria um processo lento, diferente de outras recuperações anteriores. O que tem ficado muito claro, recentemente, é que além de vagaroso trata-se também de um processo descontínuo.

Em 2018, a indústria foi progressivamente perdendo dinamismo desde o início do ano até voltar a um quadro recessivo no último trimestre, com variação de -1,1% frente ao mesmo período do ano anterior. Em janeiro de 2019, esta trajetória não só se manteve, como se aprofundou com recuo de -2,6%, disseminado pela maioria dos ramos industriais.

Fatores específicos contribuíram para esta interrupção do crescimento industrial, como a greve dos caminhoneiros e a crise da Argentina, mas o encolhimento dos resultados já vinha antes mesmo de estarem em operação. O que tem ocorrido é a explicitação da ausência de bases sólidas que suportem a recuperação da indústria, a despeito da melhora recente da confiança de empresários e consumidores.

Linha de produção de motores em fabrica da Ford em Taubaté, no interior paulista
Linha de produção de motores em fabrica da Ford em Taubaté, no interior paulista - Diego Padgurschi/Folhapress

Do lado das famílias, o desemprego em níveis muito elevados e um aumento modesto de seus rendimentos reais funcionaram como travas. Tanto é que o crescimento do consumo em 2018, segundo os dados do PIB, manteve-se praticamente no mesmo patamar de 2017. O crédito, importante para ampliar o mercado de bens de consumo duráveis, continua fluindo, mas a um custo ainda muito alto. Os juros médios dos empréstimos às famílias praticamente pararam de cair desde meados do ano passado.

Do lado corporativo, há pouco espaço para uma retomada substancial do investimento, dados os atuais níveis de ociosidade da capacidade instalada, o baixo crescimento da demanda e as condições adversas de financiamento. Os empréstimos do BNDES, tradicional fonte de recursos de longo prazo, permanecem em franca contração. A produção de bens de capital para a própria indústria, por exemplo, registrou queda no final de 2018 e agora em janeiro de 2019.

Quem poderia estar contribuindo mais para a reativação da indústria é o setor externo. As exportações brasileiras de manufaturados, porém, também têm crescido menos diante da crise argentina, com efeitos negativos sobre nossa indústria automobilística, e diante de um ambiente de comércio internacional cada vez mais complicado, sobretudo em função das tensões entre Estados Unidos e China

Este quadro poderia ser outro se não tivéssemos descuidado tanto de nossa competitividade externa. A reforma tributária é uma necessidade de primeira ordem para colocar o produto nacional em pé de igualdade com o estrangeiro. Alavancar os investimentos em infraestrutura é outro elemento fundamental, não apenas porque melhoram as condições de oferta, como também geram demanda, contribuindo para acelerar a recuperação da indústria e da economia como um todo.

Rafael Cagnin, economista do IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial)

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