Rumo, da Cosan, vence leilão da Ferrovia Norte-Sul com lance agressivo de R$ 2,7 bi

Empresa derrotou proposta da VLI, da Vale, e vai operar trecho central da ferrovia por 30 anos

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São Paulo

A Rumo, empresa do grupo Cosan, venceu o leilão do trecho central da Ferrovia Norte-Sul, realizado nesta quinta-feira (28), com um lance agressivo de R$ 2,719 bilhões. 

O valor do pagamento, que será feito ao governo federal, ficou 100,9% acima do mínimo exigido pelo edital. 

A Ferrovia Norte-Sul estava nas mãos da estatal Valec, que há 33 anos não consegue concluir a construção do empreendimento —ainda restam por fazer 15% das obras do trecho central. 

Com a assinatura do novo contrato, a previsão é que a ferrovia esteja pronta em, no máximo, dois anos. Serão investidos R$ 2,7 bilhões na via, ao longo dos 30 anos da concessão.

 

Como já era esperado, a disputa teve apenas dois participantes: além da Rumo, a VLI (formada por Vale, Mitsui, FI-FGTS e Brookfield) apresentou uma proposta, de R$ 2,1 bilhões (ágio de 52,6%).

O alto valor pago pela Rumo se justifica pela forte expectativa de retorno no projeto, segundo o presidente da companhia, Julio Fontana Neto.

“Achamos que esse é um bom negócio para nossa empresa. Tem muita sinergia com nossa operação hoje. A gente acredita que o Brasil vai mudar o ritmo de crescimento. Temos toda a esperança de que as cargas desse trecho vão alimentar o portfólio dos nossos clientes”, afirmou.

O ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, afirmou que o resultado superou as expectativas. “É um dia histórico de retomada do setor ferroviário no Brasil.”

O leilão desta quinta quebrou um jejum de mais de dez anos sem novas concessões ferroviárias no país. O certame anterior foi realizado em 2007, quando outro trecho da Norte-Sul —que liga Porto Nacional (TO) a Açailândia (MA)— foi concedido à Vale.

A intenção é que ao menos outras duas concessões sejam levadas a leilão nos próximos quatro anos: a Fiol (Ferrovia de Integração Oeste Leste) e a Ferrogrão (ligando Sinop, em MT, a Miritituba, no PA).

“Ambas estão em estágio avançado. Passaram por consulta pública, tiveram os planos de outorga aprovados. Muito em breve o governo vai enviar para o TCU [Tribunal de Contas da União]”, afirmou. 

Outro plano do governo que o ministro quer destravar é a renovação antecipada de concessões ferroviárias, em troca de investimentos adicionais.

Um dos projetos mais avançados nesse sentido é justamente a renovação da Malha Paulista, operada pela Rumo. 

A aprovação da medida se tornou ainda mais essencial para a empresa com a vitória no leilão, já que a Malha Paulista fará ligação com o trecho central da Norte-Sul e permitirá o escoamento dos produtos pelo porto de Santos. 

A medida, no entanto, é polêmica e deverá passar por um debate intenso para conseguir o aval do TCU.
O ministro também afirmou que pretende defender mudanças regulatórias para alterar a forma de contratação de novas ferrovias: em vez de concessões, autorizações. 

Na prática, o formato permitiria que o setor privado propusesse projetos e bancasse as obras. A concorrência só seria necessária no caso de mais de um interessado. 

No entanto, a discussão teria que passar pelo Congresso e, como o tema é controverso, analistas do setor veem pouca chance de a pauta caminhar no curto prazo. 

JUDICIALIZAÇÃO

A concorrência desta quinta ocorreu sob forte ameaça de judicialização. Até o último momento, a Ferrofrente (Frente Nacional pela Volta das Ferrovias) fazia ao STF (Supremo Tribunal Federal) um pedido de reconsideração de uma decisão da corte, que já havia negado uma liminar para suspender o certame.

A entidade já havia tentado parar o leilão por meio de uma ação popular, que não teve resultados. Nas últimas semanas, a concorrência também foi alvo de questionamentos do MPF (Ministério Público Federal) e do Ministério Público ligado do TCU (Tribunal de Contas da União) --todos contornados pelo Ministério de Infraestrutura. 

A principal crítica era a de que o leilão estava direcionado à Rumo e à VLI. As duas companhias controlam as ferrovias que fazem conexão com o trecho a ser leiloado, ao sul e ao norte, respectivamente. Como o trecho leiloado nesta sexta não tem acesso direto a nenhum terminal portuário, o vencedor necessariamente depende do direito de passagem pelos trilhos das duas companhias. 

Segundo críticos ao edital, o modelo de leilão não garante esse acesso às ferrovias da VLI e da Rumo, o que daria vantagem competitiva às duas empresas. 

Mesmo com a realização da concorrência, há promessas de judicialização: o autor da ação popular, José Manoel Gonçalves, presidente da Ferrofrente, promete entrar com nova ação pedindo a anulação do resultado do leilão. No entanto, ele mesmo admite que a dificuldade é maior uma vez que o certame aconteça. 

A associação, formada por diversos profissionais ligados ao setor, tem entre seus membros Bernardo Figueiredo, ex-diretor da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e ex-presidente da EPL (Empresa de Planejamento e Logística). Hoje, ele é consultor da empresa russa RZD, que teria desistido de participar da licitação devido à questão do direito de passagem.

Para o ministro de Infraestrutura —que fez um agradecimento especial à Advocacia Geral da União após o leilão—, não há qualquer risco de o resultado ser questionado pela Justiça. "Eles podem entrar [com ações] dez vezes e vão perder dez vezes."

Em relação à ausência da russa RZD no certame, Gomes disse ainda que o grupo nunca demonstrou interesse de fato no projeto.

Nas últimas semanas, ele trabalhou com os  órgãos de controle para defender a modelagem e mostrar que o direito de passagem estava garantido. 
 

Malha Paulista na mira do Cade

Também nesta quinta, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) abriu processo administrativo para investigar a Rumo por suposta prática anticompetitiva na Malha Paulista. 

Segundo parecer da superintendência, haveria “fortes indícios” de que a companhia teriam deixado de cumprir, sem motivo razoável, um contrato com uma concorrente —uma empresa logística do setor de exportação de açúcar— que dependia da passagem pela ferrovia. 

A apuração do caso começou em dezembro de 2016, a partir de uma denúncia da companhia, chamada  Agrovia. A empresa afirmou que dependia da utilização da Malha Paulista para sua operação e que teve que fechar as portas devido ao suposto comportamento anticoncorrencial da Rumo.

A Rumo ainda apresentará sua defesa, e o caso será julgado pelo tribunal do Cade. 

Procurada, a Rumo afirmou que tem "plena confiança na licitude de suas ações e refuta todas as acusações feitas pela Agrovia, as quais já foram rejeitadas pelo Cade em procedimento anterior".

"[A empresa] apresentará e comprovará seus argumentos junto ao Cade no momento devido e confia que este processo, que está apenas no início, reconhecerá mais uma vez a plena licitude de suas práticas comerciais", diz a nota enviada pela empresa. 

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