Acabou a era do estilista estrela; 'fast fashion' degradou a moda, diz fundador da Ellus

Alvarenga Filho diz não voltar para a SPFW enquanto desfile for para blogueiras pagas para falar bem

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São Paulo

Um dos executivos mais longevos na paisagem da moda brasileira, Nelson Alvarenga Filho, 68, foi responsável por mudar a cara dos negócios de moda quando, em janeiro de 2008, fundou o grupo Inbrands ao lado de ex-sócios do banco de investimentos BTG Pactual.

Celebrada como uma reviravolta na forma de gerir moda no país, a holding de marcas passou a reunir nos anos seguintes num único guarda-chuva gigantes como Ellus —fundada por Alvarenga em 1972—, Richard's, VR, Bobstore e a grife homônima do estilista Alexandre Herchcovitch.

Mais de uma década depois, sem os investidores da antiga formação e com a missão de tirar a empresa de um poço de dívidas que, até 2018, beirava os R$ 600 milhões, ele saiu do castelo do grupo na av. Faria Lima, em São Paulo, para voltar ao chão de fábrica.

Demissões, corte no número de lojas próprias e freio nos investimentos de marcas sem retorno financeiro, como Mandi e Alexandre Herchcovitch, fizeram a empresa diminuir 20% em tamanho de operação e, em 2019, ter expectativa de lucros após três anos fiscais consecutivos de prejuízos.

Nada está garantido, porém. Segundo disse em entrevista à Folha, na sede da empresa, o processo de "desentulhar" só começou e uma recuperação só deve acontecer se o país andar quando os empresários conseguirem "deixar de pilotar esperando a turbulência chegar" e o Brasil deixar de pensar apenas em exportar commodities, que define como "troco", e investir em competitividade.

Ele decreta o fim dos "estilistas superestrelas", aponta as redes de "fast fashion" (moda de produção rápida, alimentada pelas últimas tendências) como culpadas pela queda no consumo de moda e diz que não fará desfiles enquanto isso significar apenas "pagar para blogueiras falarem bem".

Empresário está em pé, tem cabelo e barba brancos. Usa óculos. Veste camiseta preta com desenho do personagem Heisenberg, da série Breaking Bad. Usa calça de sarja verde com bolsos. Ao seu lado, há uma tela com o contorno do mapa do Brasil.
Nelson Alvarenga Filho, 68, mineiro radicado em SP, o empresário fundou a Ellus em 1972; em 2007, uniu-se a ex-sócios do Pactual e fundou a Inbrands, conglomerado de moda que é dono, entre outras marcas, da Richards, Bobstore, Salinas, VR e Mandi - Eduardo Knapp/Folhapress,

Como a Inbrands chegou a esse nível de endividamento?

Tudo começou quando a Ellus havia chegado a um tamanho de mercado que, se quisesse crescer, precisaria internacionalizar. Abrimos showroom na Europa, nos Estados Unidos"¦ só perdemos dinheiro.

Temos estações invertidas, e o custo Brasil é impraticável para a exportação de moda. Nem para a Argentina exportamos produto manufaturado. 

Tirando o Chile, onde estamos há 35 anos, nenhum mercado latino-americano funciona, porque nos outros países também é uma putaria. Nos acostumamos a exportar apenas commodities, minério, soja, boi. É um troco. Então abrimos uma holding, a exemplo da Kering [dono da Gucci, Balenciaga e Saint Laurent], para atuar no segmento premium com marcas que antedessem a momentos de uso diferentes.

Onde estava o erro?

Houve má gestão, incompetência operacional, muito gasto desnecessário. Herdei um baita prejuízo acumulado. Voltei para a empresa para salvar, porque senão ela ia quebrar. O erro aconteceu quando entramos nessa modinha de comprar todo o mundo. A ideia de comprar marca boa para estufar a empresa, mostrar Ebitda [indicador que mede a geração de caixa] e não investir em pesquisa e desenvolvimento. 

Esse troço [moda] é diferente, mexe com coisas intangíveis, de comportamento. Quando cheguei de volta, limpei tudo. A primeira coisa foi proibir venda em site de desconto, porque isso é queimar marca. Não estamos aqui para vender assim. 

Quem estava no comando veio do mercado financeiro, tinha um pensamento de commodity. Nesse negócio você não pode perder o valor da marca.

A Richards parecia se manter com liquidação toda semana.

Não só a Richards, todas as marcas da Inbrands. Um dos últimos movimentos que fiz, que tem um custo fabuloso e sem sentido, foi tirar a Richards e a Salinas do Rio e trazer a operação para cá [São Paulo]. Isso tudo era entulho. Chegava ao Rio e tinha um momento de gente, departamentos enormes. 

Uma das vantagens de uma holding é exatamente poder juntar departamentos administrativos, dividir o "back office" entre as marcas. Modéstia à parte, os shoppings nos consideram o grupo com o principal portfólio de marcas, porque podemos levar sete nomes quando abre um shopping. Temos que aproveitar isso.

Mas, depois desses anos, vê desvantagem nesse modelo? 

A desvantagem é ser um negócio complexo e ter de ter cuidado com canibalismo [...]. A verdade é que virou um mau negócio investir no país. Tudo aqui é contra o capital, é cheio de burocracia e carimbo. Nivelamos tudo por baixo, qualquer trocado parece que está bom. 

Como vou estar feliz? Botamos grana há 11 anos na empresa e nunca tivemos um tostão daqui. Os problemas, a maioria, foram externos.

Se antes dizíamos que agosto era o mês do desgosto, agora o ditado é que maio é o mês do raio. Maio de 2016, impeachment [da ex-presidente Dilma Rousseff]; 2017, o problema com Joesley [Batista, da JBS]; e 2018, greve dos caminhoneiros, quando todo o mundo encostou na parede, cancelou pedidos e ferrou o segundo semestre. Felizmente, nós somos capitalizados e temos bolso para aguentar.

Então o problema da moda é todo externo?

Não. O "fast fashion" está acabando com o negócio da moda, degradando com esse papo de democratizar. Não é uma desruptura benéfica, porque há perda de qualidade, e o consumidor não entende isso. O que fazem é aumentar muito a produção de porcaria, estão gerando entulho. Os grandes grupos hoje, no mundo, estão vivendo de acessórios, não de roupas.

Muita gente acha que os grupos de moda no Brasil descaracterizam as marcas. Ricardo [Ferreira, sócio da Inbrands e fundador da Richards] creditou a crise da Richards a uma suposta perda de identidade.

Se disse isso, falou errado, foi um mal-entendido. É a mesma coisa de misturar Dior com Louis Vuitton. Vou te falar, ninguém hoje aqui está muito a fim de papo autoral, porque isso não vende. Por exemplo, adoro o Alexandre [Herchcovitch], mas não estávamos com tempo nem dinheiro para perder.
A Mandi foi a mesma coisa, veio com a parceria com [a grife holandesa] G-Star, e não tava vendendo, então, põe na prateleira. Outra coisa, acabou essa era de estilista superestrela, não existe mais isso. Estamos em uma outra época para a moda.

Que época?

Estou nesse negócio há 50 anos, vivi todos os ciclos. Houve fases em que novos designers era o grande tema. Agora, quem bomba são as grifes tradicionais. Vuitton, Gucci... Agora o negócio é marca. Antes era "designer name". Esse cara aí, que está na Louis Vuitton [Virgil Abloh], não tem um décimo do sucesso que foi Marc Jacobs.

Você vendeu mais da metade da São Paulo Fashion Week para a IMM Participações, mas continua sócio na Luminosidade [que detém a SPFW]. Por que a Ellus, por exemplo, não está desfilando?

Olha. Deixa eu pensar para não falar besteira. Lá fora, os caras [as grandes grifes] fazem desfile porque o faturamento já é tão grande que o custo é ínfimo. 

Para uma grife pequena, o custo é alto. O negócio ficou destrutivo, não poderia falar isso, mas é verdade.

Eu vou fazer desfile para quem? Para uma blogueira que todo o mundo sabe ser paga para falar bem? Para a imprensa chegar e fazer uma crítica negativa?

Outra coisa, a semana de Londres está falida, Nova York, também. Só sobrou Paris de relevante no circuito de desfiles. Quando sentir que algo mudou, volto.

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