É complexo de vira-lata copiar taxação dos EUA, diz ex-secretário da Receita

Everardo Maciel afirma que reduzir tributo de empresa para cobrar sobre dividendos pode elevar sonegação

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São Paulo

A proposta de reduzir a tributação sobre a empresa e resgatar a taxação de dividendos (lucro distribuído a acionistas) não é consensual.

Segundo disse o presidente Jair Bolsonaro (PSL) em sua conta no Twitter, no sábado (30), a mudança já está sendo analisada pelo governo.

Para alguns economistas, a proposta pode melhorar a eficiência do sistema tributário e torná-lo menos injusto, mitigando a má distribuição de renda no Brasil.

Outros, porém, avaliam que a mudança elevaria a sonegação e estrangularia regimes especiais como o Simples.

No Brasil, o lucro é tributado apenas quando é gerado. As empresas pagam uma alíquota total de 34% sobre ele, e o restante, se for distribuído na forma de dividendos, é isento.

Em outros países, a tributação é dividida: as empresas recolhem parte do imposto e a outra parte quem recolhe é o indivíduo ao receber o lucro na forma de dividendos.

Nos últimos anos, alguns governos baixaram a alíquota recolhida por empresas para criar mais competitividade.

Em seu comentário, Bolsonaro destacou que a mudança buscaria seguir passos como os de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos.

Para Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, os Estados Unidos têm uma das piores legislações de imposto de renda do mundo.

“O governo está querendo trazer algo atrasado, ruim. Complexo de vira-lata é algo que não tem cura”, diz.

Para Maciel, tributar apenas a empresa é mais simples e previne sonegação, pois o imposto é recolhido na fonte.

Um dos fenômenos de sonegação mais conhecidos do mundo, diz ele, se chama distribuição disfarçada de lucros  —quando, por exemplo, se compra um carro em nome da empresa para, nos países em que a tributação sobre a empresa é menor, pagar menos impostos.

“Vai precisar ter um fiscal dentro da empresa para saber se o carro é para a empresa ou para o uso pessoal?”, diz Maciel.

Outro ponto, argumenta Gustavo Brigagão do escritório Brigagão, Duque Estrada Advogados, é que ao se passar a tributar dividendos, o acionista será induzido a deixar o dinheiro na empresa, mesmo que o negócio seja ruim, o que pode não ser a melhor solução do ponto de vista econômico.

“Com a manutenção da isenção na distribuição, os acionistas passam a ter maior discricionariedade e disponibilidade de recursos para fazer reinvestimentos ou investimentos em novos negócios. Há maior circulação de riquezas na econômica, com todas as vantagens daí decorrentes”, diz ele.

Para Bernard Appy, diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), a medida em estudo, de forma geral, aproxima o Brasil do padrão internacional e pode ter um efeito distributivo importante.

“Em princípio, sou a favor. Mas, se vai ser bom ou ruim, depende muito de como vai ser feito”, diz Appy.

Para o economista, a medida busca elevar a atratividade do Brasil em relação a investimentos, mas pode melhorar o ambiente para algumas empresas e piorar para outras.

Como no país há muitas possibilidades (legais) de reduzir o imposto de renda pago, diz Appy, empresas que conseguem usar melhor as deduções sairiam perdendo, pois recolhem menos do que 34%. Empresas que distribuem muito dividendo também seriam afetadas.

Appy diz ainda, que, quando se tributa dividendos, é preciso evitar tributar o mesmo lucro duas vezes —o efeito “cascata—, algo o que poderia ocorrer com empresas que têm holdings, por exemplo. “Mas acho que o desenho do governo não faria isso.”

Por outro lado, diz Appy, se a medida alcançar a distribuição de dividendos dos regimes simplificados, terá um efeito distributivo importante e isso é bom.

Ela afetaria especialmente profissionais liberais, em especial a PJ (pessoa jurídica) de alta renda, que é o profissional liberal que vira sócio de empresa, muitos deles no regime do Simples ou no regime do lucro presumido.

“Vai fazer com que muita gente que recebe alta renda na pessoa física sem pagar imposto por causa do Simples passe a pagar alguma coisa, o que, para mim, não está errado. Tem advogado que recebe R$ 200 mil por mês e está no Simples”, diz Appy.

Brigagão vê injustiça na tributação de dividendos de sociedades profissionais compostas por médicos, dentistas, advogados e engenheiros.

“Tributar primeiro o resultado da sociedade profissional e depois tributar os valores distribuídos aos sócios significa, na prática, tributar duplamente a mesma renda, promovendo-se, aí sim, profunda injustiça fiscal.”

Para Maciel, tributar dividendos seria decretar o fim do Simples, que reúne cerca de 4.000 empresas. “No regime, a tributação já é baixa. Vai baixar mais? E tributar dividendos tiraria as vantagens do programa, que tem previsão constitucional”. 

Todos concordam, no entanto, que há outras agendas tributárias de maior efeito se a preocupação do governo é aumentar o crescimento e a produtividade – embora voltem a discordar sobre os caminhos mais adequados para chegar lá.

Maciel diz que uma reforma mais ampla maximiza conflitos e não anda. O melhor é manter o sistema como está, corrigindo aspectos específicos.

Se for para gastar capital político, diz Appy, tem outras agendas tributárias mais efetivas. “Nesse caso, reforma da tributação de bens e serviços é bem mais importante do que a da renda”, diz Appy.

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