A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) apontou supostos indícios de que a ex-presidente da Petrobras Graça Foster interferiu indevidamente nos trabalhos da Comissão Interna de Investigação (CIA) da estatal, criada para apurar irregularidades nos investimentos na construção da Refinaria Abreu e Lima.
A partir de 2009, quando o projeto da refinaria passou para a fase de execução, a previsão de custo da mesma mais que triplicou em dois anos, de US$ 4,1 bilhões para US$ 13,3 bilhões.
A comissão foi instaurada em abril de 2014, após denúncias tornadas públicas pela operação Lava Jato. O objetivo era averiguar indícios ou ocorrências contra a força de trabalho ou patrimônio da empresa.
De acordo com o relatório da autarquia ao qual a Folha teve acesso, a suspeita de interferência nos trabalhos da comissão surgiu a partir do relatório final apresentado, onde diversas irregularidades que seriam inicialmente apontadas pela CIA foram omitidas.
A minuta que precedeu o relatório obtida pela CVM possuía 63 páginas. Já o relatório final apresentado tinha apenas 28.
A CVM relata que seções inteiras foram suprimidas da minuta. Uma delas menciona a autorização da diretoria executiva para dar seguimento à próxima fase de construção da refinaria apesar de avisos das áreas técnicas sobre a viabilidade financeira do projeto. Outra detalha contratos analisados, apontando não conformidades em aditivos.
Membros do conselho relataram ao órgão a intervenção da ex-presidente da companhia nas reuniões por meio de seus assessores, que teriam sugerido alterações no relatório final. A justificativa era que os trechos fugiam do escopo da comissão.
No depoimento à CVM, funcionários relatam que uma versão da minuta com anotações em caligrafia identificada como a de Foster chegou às reuniões do conselho pelas mãos de assessores da então presidente da companhia. Ela não deveria, entretanto, ter acesso ao documento.
De acordo com a CVM, Foster impediu que fosse dada transparência a questões consideradas relevantes pela comissão, atuando contra os interesses da Petrobrás.
Em depoimento contido no relatório, a ex-presidente confirmou que teve acesso à minuta cujos trechos foram suprimidos e que apenas alertou aos membros da comissão sobre questões fora do escopo, mas que entregou o relatório e “não soube mais nada”.
A reportagem tentou contato com Graça Foster, mas não obteve resposta.
RESPONSABILIDADE
O relatório ainda responsabiliza a Diretoria Executiva e o Conselho de Administração pelo prejuízos na construção da Refinaria Abreu e Lima.
Dois momentos considerados cruciais foram investigados pela autarquia: o Projeto de Aceleração da Refinaria (PAR) em 2007 e a aprovação dar seguimento à execução da obra.
O PAR, que visava adiantar em um ano a inauguração da refinaria, foi aprovado pela Diretoria Executiva em março de 2007, apesar de pareceres técnicos afirmarem que o processo fragilizava a operação. Para a CVM, não havia justificativa técnica ou empresarial para a elaboração da PAR.
Estavam presentes na reunião os diretores Sérgio Gabrielli, Almir Barbassa, Guilherme Estrella, Ildo Luís Saur, Nestor Cerveró, Paulo Roberto Costa e Renato Duque. Todos foram acusados de faltar dever de diligência para com a companhia.
Em depoimento, o diretor Pedro Barusco chegou a classificar o projeto como “uma burrice”, o chamando de “programa de aumento de custo”.
Outra irregularidade apontada foi a aprovação para dar início à fase de execução do projeto, chamada na empresa de “fase IV”. De acordo com as normas internas, para que um projeto chegue a essa fase, é necessário que o valor presente líquido —indicador que serve para apontar a geração de riqueza do investimento— seja positivo.
A CVM aponta que em 2008 já era possível identificar indicadores negativos, o que poderia interromper o projeto, mas Diretoria Executiva ainda decidiu por dar seguimento à construção contrariando os pareceres técnicos.
Por essa irregularidade, a CVM responsabilizou Sérgio Gabrielli, Almir BArbassa, Guilhermer Estrella, Jorge Luiz Zelada e a própria Graça Foster.
Os membros do Conselho de Administração também foram acusados pelo prejuízo. Entre os conselheiros à época estavam a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-ministro Guido Mantega, o empresário Jorge Gerdau e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho.
De acordo com a CVM, apesar do conselho não ter participação direta nas decisões tomadas pela diretoria, falhou em promover controles internos uma vez apresentados indícios de ingerência o que, segundo o órgão, criava um “terreno fértil para irregularidades”.
A reportagem entrou em contato com a Petrobras, que não quis se pronunciar.
A assessoria da ex-presidente Dilma Rousseff foi procurada, mas ainda não havia se manifestado no horário de publicação da reportagem.
Em nota enviada por sua assessoria, Luciano Coutinho afirmou ver com tranquilidade o relatório da CVM e, consideradas as obrigações estatutárias, reitera que não houve omissão ou falta de diligência por parte dos conselheiros da Petrobras. Disse ainda estar confiante de que o colegiado da CVM saberá ponderar e decidir adequadamente em relação à matéria.
A assessoria de imprensa de Jorge Gerdau não respondeu.
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