Abelhas voam livres de ameaças em Cuba, e seu mel adoça a Europa

Cerca de 95% do mel cubano é exportado para países como Alemanha, França, Grã-Bretanha e Suíça

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AFP

Nos montes da província de Matanzas, no oeste de Cuba, as abelham voam longe dos riscos presentes em outras partes do mundo, têm uma dieta rica em flores silvestres e produzem mel de alta qualidade --com grande demanda na Europa.

Os alarmes já estão acesos: a população de abelhas no planeta está diminuindo devido à mudança climática, à agricultura intensiva, às pragas e aos agroquímicos. Mas, na ilha, essas polinizadoras encontram um paraíso.

Entre a vegetação rasteira --porque "a abelha não é da área urbana, nem da agrícola, é dos montes"--, o engenheiro mecânico Rogelio Marcelo Fundora, 51, e seu irmão, o professor Santiago Esteban, 54, têm 600 colmeias repletas de pequenas e esforçadas operárias.

Os irmãos abraçaram a apicultura durante a crise econômica dos anos 90, após o colapso da União Soviética, país de onde chegavam anualmente à ilha milhares de toneladas de pesticidas, fertilizantes e herbicidas químicos para a agricultura.

Sem esses recursos, em parte devido ao embargo aplicado pelos Estados Unidos, Cuba começou a desenvolver biofertilizantes e biopesticidas, reduzindo a níveis muito baixos o uso de agroquímicos --que estão dizimando colônias de abelhas mundo afora e contaminando o mel.

"No ano passado obtivemos 80 toneladas de mel", conta Santiago por trás de um véu preto que lhe protege das picadas do enxame, agora revoltado com a presença de um intruso em sua colmeia.

Os Fundora são, desde 2006, "reis" da apicultura na ilha, com rendimentos de até 160 quilos de mel por colmeia, mais que o triplo na média nacional, que é de 51 kg.

 
 

"Não existem milagres, existe muito trabalho" e "um trabalho incansável em termos de troca de rainha, seleção da abelha, rotação dos favos", acrescenta o professor, com a pele curtida pelo sol e pelo trabalho.

Dos seus 21 apiários, localizados a dezenas de quilômetros de sua casa, no povoado de Navajas, 140 km a leste de Havana, eles extraem mel, como dizem, "limpo" --livre de agrotóxicos.

Em 2018, Cuba produziu 8.834 toneladas de mel, 1.300 toneladas acima do previsto pela estatal Empresa Apícola Cubana (Apicuba). Uma quantidade pequena quando comparada com a Argentina, maior produtor da região, que superou as 76 mil toneladas em 2017, segundo a FAO.

Do total cubano, cerca de 1.900 toneladas foram certificadas como mel orgânico, um recorde nacional, afirmou o diretor do setor de Técnica e Desenvolvimento da Apicuba, Dayron Álvarez.

De acordo com Álvarez, a meta imediata da empresa é alcançar o recorde histórico de 10,2 mil toneladas de mel, que data de 1983.

Cerca de 95% do mel cubano é exportado, e os principais destinos são Alemanha, França, Espanha, Grã-Bretanha e Suíça. "E estamos trabalhando para entrar no mercado chinês e no mercado da Arábia Saudita", explicou Álvarez.

Cuba exportou 6.779 toneladas de mel em 2017, com receita de US$ 18 milhões, segundo dados oficiais, o equivalente a US$ 2.655 a tonelada.

A Apicuba, que tem o monopólio sobre a comercialização do mel cubano, paga aos produtores no máximo US$ 1.000 por tonelada de mel orgânico.

Cuba tem 1.660 apicultores, dos quais cerca de cem, entre eles os Fundora, estão em processo para certificar seu mel como orgânico. "Pela tendência que houve de baixa aplicação de produtos químicos, pode-se dizer que o mel de Cuba é quase todo orgânico", disse o biólogo Adolfo Pérez, diretor do estatal Centro de Pesquisas Apícolas da ilha.

No campo cubano, sem grandes riscos nem ameaças, as abelhas gozam de uma saúde muito boa, afirma Santiago."Não usamos nenhum tipo de químicos na hora de fumegar os apiários" ou de tirar as ervas daninhas e "não usamos nenhum tipo de antibióticos", detalha.

Ele garante que com a técnica da armadilha do favo de mel --que atrai as pragas e protege o resto da colmeia-- conseguiram controlar a varroa destructor, um ácaro que se tornou a principal ameaça à apicultura no mundo.

No dia da extração, os Fundora chegam ao monte a bordo do Frankenstein, um caminhão que Rogelio, que também é mecânico e motorista, mantém em circulação com muita destreza, num país onde faltam peças de reposição.

Ele vai acompanhado de oito jovens, a quem paga US$ 80 por mês --US$ 50 a mais que o salário estatal médio no país. Quase todos vestem uniforme verde militar, de um tecido muito resistente e de uma cor que não incomoda as abelhas.

No caminhão há uma pequena indústria de aço inoxidável para processar o mel. O processo é totalmente artesanal --e exaustivo. O sol está forte durante o dia.

Primeiramente, é retirada a cera que cobre as células dos favos de mel e em seguida eles são introduzidos em uma centrífuga, na qual, sob golpes de manivela, o mel escorre para os tanques.

Por decreto, todos os apicultores cubanos com mais de cinco colmeias são obrigados a vender seu mel para a Apicuba, que, em troca disso, lhes oferece combustível, equipamentos e insumos a preços subsidiados.

Rogelio considera que seus equipamentos estão um pouco defasados. "Faz falta uma máquina [centrífuga] que seja mais eficiente na hora de tirar o mel, e o caminhão, que tem muitos anos de uso", queixa-se.

Seu trabalho é tão artesanal quanto o de suas abelhas. Mas não basta apenas de trabalhar duro, explica Rogelio, é necessário um pouco mais de recursos.

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