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Regulação de fundo patrimonial pode elevar doações de fortunas

Endowments são esperança de atração de recursos por organizações

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São Paulo

A medida provisória que criou as regras para o funcionamento dos fundos patrimoniais no Brasil, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) em janeiro, tem o potencial de aumentar as doações feitas por donos de grandes fortunas.

Conhecidos também como endowments, esses fundos buscam manter a sustentabilidade financeira no longo prazo de organizações de interesse público em setores variados, como ensino, saúde e direitos humanos.

Eles dão essa segurança porque os recursos que administram não são gastos nas atividades das organizações. Em vez disso, são aplicados no mercado financeiro e apenas seus rendimentos são destinados ao pagamento das contas dessas entidades.

O Museu Judaico, que terá suas obras finalizadas em maio para ser inaugurado em até oito meses em São Paulo, vai começar a funcionar ao mesmo tempo em que seu fundo começa a sair do papel.

Duda Groisman, um dos diretores da organização, diz que já foram doados R$ 40 milhões para a obra, iniciada em 2008. O fundo precisará de um valor próximo para cobrir os gastos do espaço com seus rendimentos.

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Museu Judaico será na sinagoga Beth-El, na região central de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

Ele diz acreditar que o fundo vai ajudar a atrair doações para o museu, por mostrar a interessados que a organização fará um trabalho perene.

"Minha preocupação sempre foi, além de conseguir o dinheiro para a obra, permitir que o museu sobreviva ao longo dos anos. Nenhum museu que eu conheço vive só de bilheteria, loja e café."

Outros pontos da lei que podem atrair doações são a exigência de que os fundos sigam padrões de transparência e governança, mantendo conselhos para sua administração, por exemplo.

Ela também blinda o dinheiro dos endowments de eventuais passivos trabalhistas e tributários que a organização que o criou venha a ter no futuro.

Ricardo Levisky, advogado sócio do escritório Levisky Legado, organizador de evento internacional sobre o tema dos endowments, diz acreditar que dispositivos como esses podem atrair inclusive recursos de fora do Brasil.

"Muitas doações não chegam porque os doadores não sentem segurança de que seus recursos estarão protegidos."

No curto prazo, o desafio é que as ONGs consigam parar para pensar no futuro, enquanto têm seus recursos para pagar as contas do dia a dia limitados pela crise econômica, diz o advogado.

Um obstáculo deixado pela lei, na opinião de quem atua no segmento de captação de recursos, é a falta de incentivos fiscais para a doação.

Vetos da Presidência tiraram da lei artigos que previam que até 6% do Imposto de Renda de pessoas físicas pudesse ser direcionado aos fundos patrimoniais com isenção fiscal.

O único incentivo mantido foi a possibilidade de endowments ligados à cultura se enquadrarem na Lei Rouanet. Por isso, entidades ligadas à cultura devem se destacar entre as beneficiadas.

O BNDES também vem apoiando a contratação de serviços necessários para a criação dos fundos para organizações do setor.

Além de apoiar o Museu Judaico, o banco trabalha com outras cinco instituições, incluindo o Museu da Pessoa, em São Paulo, e o Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

A regulação do setor veio justamente como resposta ao incêndio do Museu Nacional, em setembro do ano passado, e que deixou evidente a falta de recursos da instituição, ligada à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Aline Viotto, coordenadora de advocacy do Gife (associação de investidores sociais), afirma que ela era necessária porque não havia mecanismos que permitissem uma doação para entidade pública (como o Museu Nacional) tendo a garantia de que o dinheiro não seria contingenciado pelo governo e teria sua finalidade desviada.

A maior parte dos recursos dos fundos patrimoniais, em geral, vem de grandes doações. Mesmo assim, ter muitos doadores que colocam valores menores é importante para dar legitimidade ao fundo, diz Lucas Sancassani, diretor-presidente do fundo Amigos da Poli, formado por ex-alunos da escola de engenharia da USP em 2012 e um dos precursores do modelo na educação brasileira.

"Como o fundo tem muitos doadores de nossa comunidade, ele é da comunidade da Poli, não de alguns que doaram milhões", diz.

Com R$ 24 milhões acumulados e 3.100 doadores, o fundo lança editais para apoiar projetos de alunos, professores e funcionários da escola.

Foram apoiadas ideias como produção de conteúdo para aulas, compra de kits de robótica para a faculdade e desenvolvimento de mecanismo para criar próteses de baixo custo com impressão 3D.

7 em cada 10

 Estudo feito pela CAF (Charities Aid Foundation) aponta que 7 em cada 10 brasileiros (70%) fizeram doação entre julho de 2017 e agosto de 2018. O percentual era de 68% no mesmo período de 2016 e 2017.

Se considerado também o trabalho voluntário, o percentual de engajados chega a 78%.

Por outro lado, o valor médio doado por pessoa caiu, de R$ 594 para R$ 536.

Segundo Paula Fabiani, diretora-presidente do Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), representante da CAF no Brasil, a redução é consequência, de um lado, da crise financeira e do aumento do número de jovens doando valores menores.

"A crise tem efeito porque, além de reduzir a disponibilidade de recursos, abala a confiança no futuro."

Segundo ela, um dos desafios para o aumento das doações é que elas tendem a ser esporádicas e influenciadas por envolvimento emocional fugaz, em vez de resultado de um comprometimento de longo prazo.

Dos pesquisados pela CAF, 46% afirmaram ter feito doações nas quatro semanas anteriores à entrevista.

Avaliando que um dos desafios do brasileiro é escolher as causas que quer apoiar e as organizações nas quais confia, o Idis lançou o site descubrasua causa.net.br em que, a partir de um jogo, os interessados em doar descobrem organizações que foram avaliadas e que combinam com o tipo de iniciativa que se quer apoiar.

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