Trump mira setor estatal cubano, mas atinge empreendedores privados

Presidente americano ativou recentemente leis que complicam os investimentos estrangeiros na ilha

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Moises Avila
Havana | AFP

O Chevrolet Impala 1959, no qual foi fotografado há três anos o então secretário de Estado John Kerry após a reabertura da embaixada americana em Cuba, está parado em uma oficina. O endurecimento do embargo no governo Trump atrasa a chegada das peças de reposição de Miami.

Além de ativar recentemente leis que complicam os investimentos estrangeiros em Cuba, Washington intensificou as sanções contra quem tiver relações comerciais com a ilha, limitou o envio de remessas, complicou a entrega de vistos e antecipou que restringirá as viagens de americanos.

"Essas medidas vão prejudicar gravemente o setor autônomo (privado) da economia cubana", admitiu o chanceler Bruno Rodríguez, referindo-se a um grupo que representa 13% do mercado de trabalho.

John Kerry em visita a Cuba, em agosto de 2015
John Kerry em visita a Cuba, em agosto de 2015 - Yamil Lage/AFP

"Nosso negócio depende 100% dos fornecimentos dos Estados Unidos. Nos últimos cinco meses, temos tido uma logística difícil", relata Nidalys Acosta, proprietária, junto com o marido, da oficina mecânica Nostalgicar.

A microempresa nasceu em 2011, quando Cuba –uma economia essencialmente estatal– abriu-se ainda mais para os negócios privados. O casal restaura carros clássicos para o turismo. E, apesar do bloqueio de Washington a Cuba desde 1962 e que, entre outras coisas, impede a importação, eles conseguem trazer peças de fora na bagagem.

Já materiais inflamáveis, como tinta, são enviados por navio. "Antes podíamos mandá-las diretamente e, em 30 dias, estavam aqui. Agora ficamos esperando oito meses por um envio que fizemos de Miami", conta Nidalys.

Para evitar sanções, algumas transportadoras preferem fazer escala primeiro em outro porto antes de ir diretamente para Cuba.

 

"A última coisa que nos disseram é que os produtos estavam na República Dominicana", acrescenta.

Recordações de Obama

O governo de Barack Obama teve uma aproximação histórica com Cuba. Foram reabertas embaixadas, as viagens dos americanos foram flexibilizadas, voos comerciais e cruzeiros, liberados. Obama apostou nos "empreendedores" como agentes da mudança na ilha.

Donald Trump aumentou o bloqueio, questionando o sistema socialista de Cuba, acusando a ilha de violar os direitos humanos e de apoiar militarmente o governo Nicolás Maduro na Venezuela.

Não está claro como restringirá as viagens dos americanos a Cuba. Atualmente, elas podem acontecer apenas se estiverem enquadradas em uma das 12 categorias estabelecidas, e que estão ligadas à cultura, educação, ou ajuda social.

"Se os turistas não vêm pelas limitações impostas no país deles, isso nos afeta, porque não ganhamos dinheiro", lamenta a empresária.

Impulso interno

Outro negócio com 90% de clientes americanos é o restaurante La Moneda Cubana, que fica muito perto do terminal de cruzeiro, principal via de ingresso de Miami.

Na semana passada, a companhia de cruzeiros Carnival se tornou a primeira empresa a ser processada na Justiça americana pelo uso de propriedades nacionalizadas em Cuba após a Revolução de 1959. A medida encontra amparo em uma lei congelada por mais de duas décadas, mas que foi reativada por Trump.

"As medidas de Trump limitam o desenvolvimento de grande parte da indústria turística. Vai ser um impacto no setor autônomo. Muitos dependem do turismo americano", explica Miguel Ángel Morales, dono do restaurante La Moneda Cubana.

 

Muitos cubanos aproveitam o visto americano por cinco anos facilitado pelo governo Obama –e a proximidade– para abastecer seus negócios. Agora, porém, Washington concede vistos de apenas três meses com uma única entrada. "Quem vai tendo os vistos vencendo, vai ter que buscar outras alternativas", afirma.

Morales acredita, porém, que a saída não é apenas uma abertura de Washington, mas um maior apoio local ao empreendedor.

"O governo, ao centralizar, faz que tudo dependa dele e tem mais risco de fracassar (...) Tem que abrir, liberar as forças produtivas (...) Para enfrentar o bloqueio, o desenvolvimento de qualquer país é a pequena e média empresa", completa.

Pode piorar, diz agente de viagens

A americana Rita McNiff dirige a agência de viagens Like a Cuban, que oferece passeios pelo país em parceria com a estatal Havanatur. A agência tem escritórios em Nova York e Havana.

Seus compatriotas são proibidos de fazer negócio com as instituições turísticas cubanas sob administração militar. Muitos viajam na categoria "apoio ao povo cubano", dormem em casas particulares, ou a bordo do cruzeiro em que chegam.

McNiff lembra que, em 2017, quando Trump começou a adotar medidas contra Cuba, houve cancelamentos em massa. Agora, ela não vê essa reação, mas desinformação.

Ela conta que, em janeiro, um grupo de operadores que trabalha o destino "Cuba" participou do New York Times Travel Show. "Em um dos painéis, tínhamos 200 agências que não sabiam que ainda se podia viajar para Cuba", acrescenta.

"Pode ficar pior, mais confuso do que está (...) e, por isso, muitas agências nem se preocupam com mandar seus clientes" para a ilha, completa Rita.

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