A Odebrecht, que pediu recuperação judicial de sua holding na segunda-feira (17) com dívida de R$ 98,5 bilhões, era a maior integrante do "clube" das empreiteiras.
Esse foi o apelido dado pelos investigadores da Operação Lava Jato para empresas que atuavam como um cartel, fraudando licitações e superfaturando obras da Petrobras.
O grupo baiano está longe de ser o único em má situação financeira após o escândalo.
Das 16 integrantes do "clube", 9 já pediram proteção à Justiça contra os credores em pelo menos parte dos seus negócios, para reduzir o valor de suas dívidas e ganhar mais prazo de pagamento.
Segundo levantamento feito pela Folha, estão nessa lista: Odebrecht, UTC, Mendes Junior, OAS, Iesa, GDK e Galvão Engenharia, além da Engevix, que solicitou recuperação judicial do seu estaleiro, e da Queiroz Galvão, que recorreu ao expediente para sua empresa de petróleo e gás.
No caso da Queiroz Galvão, o grupo está envolvido em renegociação direta com os bancos de uma dívida de R$ 10 bilhões. A discussão se arrasta há meses e, se não for resolvida, pode também acabar na Justiça.
A Andrade Gutierrez é outra grande empreiteira em situação delicada. A empresa deixou de pagar um bônus de US$ 345 milhões, que acabou renegociado com juros mais altos e oferecendo em garantia ações da concessionária CCR.
Com dificuldade para conseguir novas obras, a Andrade Gutierrez possuía R$ 268,1 milhões em caixa no fim do ano passado, valor insuficiente para pagar os R$ 324 milhões de dívidas de curto prazo.
Desde que a Lava Jato estourou, em março de 2014, o PIB da construção civil encolheu 32%. O número de empregos no setor caiu de 3,4 milhões de vagas com carteira assinada para 2 milhões.
Todavia, não foi só o escândalo que afetou as empreiteiras, mas também a recessão da economia brasileira e a expressiva queda do investimento público, provocada pelas restrições fiscais de União, estados e municípios. Além disso, muitas empresas estavam altamente endividadas.
Uma análise da situação das construtoras investigadas na Lava Jato mostra que enfrentaram melhor a tormenta as que agiram rápido, admitindo seus crimes à Justiça, e também as empresas de médio porte, como Setal, Promon e Techint Engenharia.
O principal exemplo é a Camargo Corrêa. Única das grandes com situação financeira equilibrada, a companhia foi a segunda a confessar seus crimes, atrás apenas da Setal.
Escaldado pela Operação Castelo de Areia, deflagrada em 2009, o grupo Camargo Corrêa optou por assinar acordos de delação premiada e de leniência com o Ministério Público ainda em julho de 2015. Na época, o movimento foi considerado muito arriscado pelas concorrentes.
A decisão foi tomada pela terceira geração da família Camargo, que assumiu as rédeas do negócio. Logo em seguida, foram vendidas participações na Alpargatas e na CPFL para acalmar os bancos credores. A reestruturação continuou, e hoje a parte operacional da construtora está separada em uma companhia independente chamada Camargo Corrêa Infra.
Já a Odebrecht é considerada pelos especialistas em reestruturação ouvidos pela reportagem, que pediram anonimato, como o modelo do que não se deve fazer.
Para esses advogados, os erros na gestão da crise começaram quando a empresa demorou em admitir seus crimes e desafiou as autoridades.
Marcelo Odebrecht, presidente-executivo e herdeiro da companhia, foi preso em julho de 2015 e só passou a negociar delação premiada após ser condenado a 19 anos de prisão, em março de 2016. Depois, a empresa ainda levou mais oito meses para selar os acordos de colaboração e leniência.
Por cerca de um ano e meio, a Odebrecht ficou exposta à crise de reputação, sofrendo com a restrição de crédito e sem conseguir novas obras.
A partir daí, a empresa tentou estabelecer uma nova cultura de governança, mas a situação já era muito delicada.
O grupo também teve dificuldade para vender ativos e ficou meses negociando leniências em países onde atuava.
Para os especialistas, outro equívoco foi continuar se endividando, em vez de acelerar um pedido de recuperação judicial, principalmente do braço de açúcar e álcool, cuja dívida já era impagável anos atrás.
Para José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasilei- ra da Indústria da Construção, engana-se quem responsabiliza só as investigações de corrupção pela situação enfrentada pela Odebrecht ou pelo setor da construção civil.
"Se houvesse demanda por obras, outras empresas teriam ocupado esse espaço, mesmo que fossem estrangeiras", diz. Ele teme que a situação volte a se repetir, apesar de todo o trau- ma provocado pela Lava Jato.
Na sua opinião, as licitações ainda são voltadas para grandes empresas, com exigências de investimento muito elevadas, que dificultam a participação das pequenas e médias.
"O modelo atual continua estimulando o cartel", afirma.
O que aconteceu com o 'clube' das 16 empreiteiras acusadas pela Lava Jato de cartel para obras da Petrobras
Odebrecht
A holding pediu recuperação judicial em 17 de junho, com dívida de R$ 98,5 milhões. Seu braço de construção civil renegocia dívida com credores internacionais
UTC
Pediu recuperação judicial em julho de 2017. Tem uma dívida de R$ 3,4 bilhões
Setal Engenharia e Construção
Primeira empresa a fechar o acordo de leniência e denunciar o cartel. Opera normalmente
Camargo Corrêa
Foi a segunda empresa a admitir seus crimes e a fechar acordo de leniência. Reestruturou os negócios e opera normalmente
Technint
Recentemente declarada inidônea pelo TCU por obras de Angra 3, está impedida de fechar obras com o setor público. Segue operando
Andrade Gutierrez
Enfrenta situação financeira bastante delicada. No fim de 2018, o caixa não cobria as dívidas de curto prazo
Mendes Junior
Pediu recuperação judicial em março de 2016, mas o acordo com credores só foi fechado dois anos depois. Tem uma situação financeira muito ruim
Promon
Foi absolvida pela Justiça em ação de improbidade. Opera normalmente
OAS
Pediu recuperação judicial em março de 2015. Tem dívidas de R$ 9,2 bilhões. Transferiu para os credores as ações da Invepar
Iesa
Faz parte do grupo Inepar, que entrou em recuperação judicial em setembro de 2014 com uma dívida de R$ 2 bilhões
Queiroz Galvão
Tenta renegociar R$ 10 bilhões em dívidas diretamente com os bancos sem recorrer à Justiça. Seu braço de petróleo e gás está em recuperação judicial. A subsidiária de energia busca o mesmo caminho
Engevix
Encolheu significativamente de tamanho, vendeu ativos, mudou de nome para Nova Engevix e pediu recuperação judicial do seu estaleiro, o Ecovix
GDK
Pediu recuperação judicial em janeiro de 2013 e chegou a ter a falência decretada em 2017 por não cumprir as obrigações assumidas. A decisão foi revertida, e a empresa ainda tenta vender ativos para pagar os credores
Galvão Engenharia
Pediu recuperação judicial em março de 2015
MPE
Não foi possível encontrar informações sobre a empresa
Skanska
Não foi possível obter informações sobre o funcionamento da empresa no Brasil
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