A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (5) a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que engessa ainda mais o poder do Executivo sobre o Orçamento da União.
O texto agora será promulgado. A mudança na Constituição, porém, será fatiada e parte voltará para uma nova análise do Senado.
O trecho que passará a vigorar torna impositivas as emendas de bancadas estaduais apresentadas no Congresso Nacional.
Hoje são de execução obrigatória apenas as emendas individuais de congressistas. Com a nova regra, essas despesas, que antes podiam ser adiadas, terão de ser cumpridas.
O texto aprovado tem um aumento escalonado do percentual obrigatório do Orçamento para as emendas coletivas: 0,8% da RCL (Receita Corrente Líquida) em 2020 e 1% no ano seguinte.
A partir de 2022, o valor alocado em emendas será corrigido pela inflação. Atualmente, o percentual está fixado em 0,6%.
A matéria aprovada vai na contramão do discurso da equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro, que busca a retirada de travas do Orçamento.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende uma ampla desvinculação e desobrigação das despesas orçamentárias.
Na prática, a medida reduz ainda mais a liberdade do governo de decidir onde gastar os recursos públicos.
As chamadas despesas obrigatórias, que incluem gastos com pessoal e Previdência, ocupam cerca de 90% do Orçamento deste ano.
De acordo com o Tesouro Nacional, o espaço para as despesas não obrigatórias, como custeio da máquina pública e investimento, segue em redução constante e atingiu o menor patamar da série histórica.
Desde 2010, o país registrou queda real de 3,9% dos gastos discricionários, enquanto os obrigatórios cresceram 36,9% em termos reais.
Estudo da IFI (Instituição Fiscal Independente), do Senado, aponta que a aprovação da PEC pelo Congresso ainda comprime o teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas públicas à variação da inflação.
De acordo com nota técnica do órgão, o caráter impositivo colocado às emendas de bancadas pode representar um gasto obrigatório adicional de até R$ 9,5 bilhões em 2020.
Com um espaço cada vez menor para o cumprimento da regra, a IFI avalia que a medida aprovada amplia o risco de estouro do teto já em 2020.
Outro artigo que foi incluído pelo Senado e ratificado pela Câmara é a determinação de que emendas que sejam empenhadas para investimentos de longo prazo terão de ser apresentadas também no ano seguinte, até que a obra seja concluída.
Como a Câmara incluiu novas mudanças na sua segunda análise, trechos do texto terão de voltar para o Senado.
Um exemplo é a mudança para 30% do valor do pré-sal que deve ser repassado aos estados e municípios e a exclusão desse valor do teto de gastos, a pedido do governo.
Trechos como esse, e também o artigo que regula o chamado "restos a pagar", ou seja, que a lei orçamentária pode conter previsões de despesas do exercício seguinte que são investimentos em andamento, terão de passar por nova análise de senadores.
O plenário da Câmara também mexeu em um artigo, tirando a exclusividade do presidente da República de apresentar projeto de lei para regulamentar a repartição do excedente da cessão onerosa do pré-sal.
Por ser uma emenda ao texto constitucional, a proposta tem de estar totalmente de comum acordo das duas Casas.
Por isso, para fazer passar a valer logo o cerne da proposta, o Congresso acordou o fatiamento, que foi anunciado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), antes do início da votação.
A tramitação da proposta foi um recado da Câmara ao Planalto em meio à crise de articulação entre o Executivo e o Legislativo. A PEC do Orçamento impositivo estava parada na Câmara desde 2015.
O texto não estava nem previsto para a pauta do plenário da Casa até o fim de março, quando, em votação relâmpago, a Câmara aprovou em dois turnos a proposta que retira do governo poder sobre o Orçamento.
Resposta ao governo
Todos os partidos orientaram pela aprovação da PEC.
Apesar de o texto restringir o poder do Executivo, para evitar que a votação fosse caracterizada como uma derrota acachapante e após perceber que perderia por ampla maioria, o PSL optou por orientar os seus deputados a votarem a favor da proposta.
Depois do susto de março, o governo conseguiu fazer um acordo para votar um texto suavizado no Senado.
De acordo com a primeira versão aprovada na Câmara, o valor da RCL que seria obrigatória para as emendas pularia para 1% já em 2020, o que representaria um gasto de R$ 4 bilhões.
Como houve mudanças, o texto teve de voltar para a Câmara, onde foi aprovado em comissão especial nesta terça-feira (4).
É pouco comum que propostas de mudança constitucionais sejam votadas com essa celeridade —os dois turnos no mesmo dia, usando um requerimento para quebrar o tempo regimental necessário entre as duas votações.
A PEC vai na contramão das bandeiras de austeridade e desvinculação de despesas defendidas pelo Ministério da Economia. Ela teve, no entanto, grande apoio no Legislativo.
Nesta quarta, o texto obteve 364 votos favoráveis no primeiro turno e apenas dois contrários, dos deputados Tiago Mitraud (Novo-MG) e Pedro Uczai (PT-SC).
Partidos da oposição, como o PSOL, se posicionaram pela aprovação do projeto. "É, no mínimo, uma contradição que as bancadas dos estados não possam, também, ter o critério da impositividade naquelas emendas que são, digamos, estruturantes para o desenvolvimento do estado", afirmou Edmilson Rodrigues (PA).
Governistas também não fizeram oposição à matéria. O relator da proposta na Câmara, Carlos Gaguim (DEM-TO), é vice-líder do governo. Ele orientou favoravelmente à aprovação do texto.
"Quem ganha são os municípios, é o povo do Brasil", afirmou o deputado.
A avaliação entre os deputados do núcleo do governo é que o caso é matéria vencida: foi aprovada com larga margem na primeira votação, combinada entre os presidentes das Casas e não seria possível reverter. Eles dizem que o texto suavizado do Senado contempla a equipe econômica.
"É uma sinalização boa do plano do governo, de menos Brasília e mais Brasil", afirmou à Folha o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO).
PEC Orçamento impositivo
O que será promulgado
- Emendas de bancada: se tornarão impositivas. Hoje, só as individuais são de execução obrigatória; segundo o texto, em 2020 será obrigatório um equivalente a 0,8% do Orçamento, aumentado para 1% em 2021
- Reapresentação: as emendas para obras que durem mais de um ano terão de ser reapresentadas no ano seguinte, até que a obra seja concluída
O que irá para o Senado
- Cessão onerosa: o texto da Câmara estabelece que 30% dos recursos de pré-sal deverão ser repassados a estados e municípios
- Teto de gastos: o valor referente à cessão onerosa passa a não ser limitado pelo teto de gastos
- Restos a pagar: a lei orçamentária pode conter previsões de despesas para o exercício seguinte, que sejam investimentos em andamento
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.