Acordo entre Mercosul e UE prevê aumento de tarifas para proteger produtores locais

Cláusula vale por até 18 anos contados a partir da vigência do tratado

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São Paulo

O acordo de livre comércio assinado entre Mercosul e a União Europeia na última sexta-feira (28) prevê mecanismos de proteção e aumento de tarifas por parte dos países signatários do tratado em caso de “práticas desleais, como dumping e subsídios, ou por um aumento repentino nas importações”.

O bloco europeu publicou nesta segunda-feira (1º) detalhes dos principais pontos do acordo. As cláusulas de salvaguarda, segundo o documento, podem ser aplicadas em até 18 anos contados a partir da vigência do tratado.

O documento fala que as salvaguardas não podem ser usadas para eliminar as preferências previstas no acordo “sem a devida justificativa”. 

O tratado prevê permite a suspensão das preferências por um período de até dois anos, com a possibilidade de extensão por mais dois anos.

Para Juliana Inhasz, professora do Insper, cláusulas de salvaguardas são comuns em tratativas e funcionam como um desincentivo a práticas consideradas desleais ou irregulares no comércio internacional.

“O tempo de 18 anos é bem amplo, de maneira proposital, porque a lógica é que as mudanças sejam implementadas de maneira suave para não prejudicar a dinâmica de comércio já existente entre os dois blocos”, afirma ela.

“Esse aumento temporário de tarifas serve como uma punição a uma prática anticompetitiva, e se restringe ao segmento que está com problemas. O resto do acordo, nesse período, não sofre alterações.”

A previsão de recorrer à proteção em caso de aumentos abruptos na importação, contudo, não é usual.

“Não me lembro desse tipo de mecanismo em outro acordo, mas faz sentido, para não comprometer todo um acordo por um determinado produto que tem grande importação, aumentar a tarifa apenas nesse caso por certo tempo. A ideia é manter um equilíbrio.”

“Se tiver um surto de importação em determinado país, que afeta a empregabilidade ou produção local, o acordo prevê a possibilidade de congelar a queda da tarifa ou eventualmente aumentá-la para lidar com esses problemas estruturais”, afirma Fabrízio Panzini, gerente de negociações internacionais da CNI (Confederação Nacional da Indústria).

Para ele, o tratado é positivo para a economia brasileira, mesmo que a indústria local precise repensar o modelo de negócio nos setores em que tem menor competitividade.

“O desenvolvimento de um país depende de vários fatores e um deles é o nível de integração. Uma agenda de acordos comerciais é a melhor maneira do Brasil progredir nesse campo, principalmente porque dá reciprocidade nas vantagens. Reduzimos tarifas e os parceiros também.”

Segundo estudo da CNI, há cerca de 1.000 produtos brasileiros que seriam beneficiados com o acordo.

O estabelecimento de cotas e de períodos de transição para a liberação dos mercados trazem previsibilidade ao setor privado dos países do Mercosul, segundo Panzini.

“Ainda precisa detalhar como serão implementadas essas cotas, mas são intervalos de tempo razoáveis, permitem tanto ao governo quanto às empresas se prepararem. A indústria melhora seu modelo de negócio e o país implementa o conjunto de reformas, como a previdenciária e a tributária, que ajudem a dar competitividade à economia.”

Mesmo em caso de bens de capital em que os produtos europeus tenham preços competitivos, Panzini enxerga oportunidades para os setores nacionais, com a possibilidade de importar insumos sem imposto, por exemplo.

Cotas 

O tratado entre os dois blocos prevê que o Mercosul terá dez anos para zerar as tarifas de 72% dos produtos industrializados e mais cinco anos para atingir o patamar de 90,8%.

O bloco sul-americano vai eliminar impostos de importações em setores como automotivo e de autopeças, maquinário, químico e farmacêutico.

Em um prazo de dez anos após a entrada em vigor, a União Europeia se compromete a zerar as tarifas de importação de 92% dos produtos importados do Mercosul. 

No setor industrial, a União Europeia vai acabar com as tarifas de importação para 100% dos manufaturados em até dez anos. 

Na área agrícola, terão dez anos para acabar com tarifas de 81,8% das mercadorias, enquanto o Mercosul deverá cumprir um percentual de 67,4%.

Para o setor automotivo, a tarifa de 35% cobrada sobre a importação dos carros europeus cairá para 17,5% em até dez anos, com uma cota de 50 mil carros para o Mercosul nos primeiros sete anos, sendo 32 mil para o Brasil. Em 15 anos, a taxa cairá a zero.

Para fechar o acordo, o Mercosul ainda negociou a liberação de cotas de exportação em áreas específicas. Membros do governo avaliam que o Brasil será o maior beneficiado, já que é o maior produtor da região em grande parte das categorias.

Para carne bovina, por exemplo, haverá uma cota de 99 mil toneladas —45% delas congeladas— vindas de países do Mercosul, que terão uma alíquota reduzida de 7,5% em até seis anos.

Haverá uma cota adicional de 180 mil toneladas de frango exportado para a Europa por ano com tarifa zero. No ano passado, por exemplo, toda a exportação de frango do Brasil para a Europa somou 200 mil toneladas.

No caso do açúcar, produto que o Brasil exportou 22 mil toneladas para a Europa em 2018, a cota extra para o Mercosul será de 180 mil toneladas ao ano com tarifa zero. Há também cota para exportação anual de 450 mil toneladas de etanol industrial sem tarifa. 

Outras 200 mil toneladas do produto destinadas a qualquer uso, inclusive combustível, terão imposto reduzido a um terço da tarifa por seis anos.

O arroz terá 60 mil toneladas ao ano livres de tarifa, em seis anos. O mel, 45 mil toneladas. 

Ambos os blocos definiram ainda cotas recíprocas para queijos (30 mil toneladas livres de imposto por 10 anos) e leite em pó (10 mil toneladas).

Essas cotas crescerão gradualmente até atingirem os valores totais cerca de cinco anos após a entrada em vigor do tratado.

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