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Entra e sai em instituições como BNDES e Embrapa freia inovação, diz MIT

Livro organizado pela universidade americana mostra entraves como falta de foco em setores promissores e barreiras à imigração

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São Paulo

Os executivos que lideraram as principais instituições públicas responsáveis por inovação no Brasil permaneceram no cargo, em média, pouco menos de dois anos, entre 1985 e 2016.

Esse tempo cai à metade se forem descontados do cálculo os extremos mais baixos e altos, como Luciano Coutinho, que presidiu o BNDES pelo período recorde de 109 meses.

Um exemplo da alta rotatividade no principal banco de fomento do país foi Joaquim Levy, que ocupou a posição por apenas seis meses, entre janeiro e junho deste ano.

Outro caso recente ocorreu na Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), de cuja presidência Sebastião Barbosa foi destituído na quarta-feira (17), após dez meses no cargo.

“Essas agências vêm sendo comandadas por pessoas que mal têm tempo de descobrir o que elas fazem”, diz trecho do livro “Innovation in Brazil: Advancing Development in the 21st Century”.

Recém-lançada, a obra (que  terá versão em português até o fim do ano, pela Elsever) foi organizada pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na sigla em inglês) e é parte de uma leva de novas pesquisas que investigam as barreiras à inovação no Brasil.

Inovar é levar ao mercado produtos, serviços ou tecnologias que não existiam antes. Isso contribui para que a produção se torne mais rápida, facilitando o crescimento.

Embora a produtividade no Brasil cresça pouco há décadas, o interesse na inovação no país é recente. Um passo nessa direção foi dado em 2013, quando o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) contratou o Instituto Fraunhofer.

A ideia era que a organização alemã, especializada em ciência aplicada, orientasse a criação de institutos voltados à inovação. Mas o instituto e o Senai perceberam que os entraves criados pelo complexo ambiente regulatório e institucional no Brasil e seus efeitos precisavam ser mais bem compreendidos.

Isso levou o Senai a encomendar ao MIT uma pesquisa, que contribuiu para a implantação de 24 institutos de inovação até agora e cujos resultados se converteram em livro.

Na obra, o rápido entra e sai em órgãos como o BNDES, a Embrapa e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) é mensurado pelos pesquisadores Danilo Limoeiro e Ben Ross Schneider.

A elevada fragmentação partidária e a consequente necessidade de amplas coalizões para governar levam tanto à alta rotatividade quanto à indicação de executivos sem domínio adequado das áreas que comandarão.

Limoeiro e Schneider mostram que profissionais com perfil técnico lideraram quatro instituições cruciais para a inovação —BNDES, Embrapa e os ministérios da Indústria e da Ciência e Tecnologia— durante apenas 22% das mais de três décadas pesquisadas.

“Essa turbulência corta algumas políticas antes de elas surtirem um efeito”, disse Schneider, que é professor do MIT e um dos organizadores do livro, à Folha.

Ex-presidente da Finep e autor de um dos capítulos da obra, o sociólogo Glauco Arbix concorda:
“Existe uma imaturidade institucional muito grande e, com isso, as políticas não conseguem fincar raízes além do ciclo dos governos eleitos”, afirma Arbix.

“Cada um que ganha quer reinventar a roda.”

Em sua análise, Arbix discorre sobre a evolução histórica das políticas de inovação e mostra que o Brasil ignorou o tema por muito tempo.

“Quando presidi o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), entre 2004 e 2006, falava sobre inovação e as pessoas reagiam dizendo que era legal, mas coisa para alemães e japoneses”, conta Arbix.

Mesmo depois que acordou para a importância do tema, em meados da década passada, o país caminha erraticamente. Muitas iniciativas deram errado e foram abandonadas. Um exemplo é o Plano Brasil Maior, lançado em 2011.

Segundo Arbix, o programa tinha mais semelhança com políticas anticíclicas, adotadas para animar a economia em períodos de desaceleração rapidamente, do que com projetos de inovação, que requerem foco no longo prazo. O plano contemplava 19 setores, leque considerado amplo demais.

“Um problema é que as políticas têm apoiado um amplo conjunto de indústrias em vez de se especializar nas áreas em que o Brasil tem vantagens comparativas”, afirma Schneider.

Para o pesquisador, o país deveria começar focando setores nos quais já se destaca internacionalmente, como exploração de petróleo em águas profundas, biotecnologia e agricultura.

Arbix ressalta que políticas mais recentes, focadas em menos setores e com melhor coordenação, chegaram a dar bons resultados iniciais, mas têm sido descontinuadas no contexto de cortes de investimentos públicos.

“A pesquisa científica, que pode resultar em inovação, tem um elemento de bem público muito grande. Por isso, deveria ser financiada pelo Estado”, afirma Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria.

No capítulo do livro sobre o tema, Frischtak mostra que o país vinha evoluindo em algumas áreas científicas.

O Brasil saltou de 24º para 14º lugar em um ranking elaborado por ele que indica o desempenho das nações segundo o número de citações que suas pesquisas receberam em revistas internacionais relevantes, entre 1996 e 2016.

Embora reflita maior qualidade da ciência produzida no país, esse avanço não tem se convertido em inovação. A fatia de patentes internacionais concedidas ao Brasil recuou de 0,24% do total, em 1995, para apenas 0,07%, em 2016.

Esse encolhimento foi afetado pelo forte crescimento das patentes conquistadas pela China, mas, segundo Frischtak, também reflete a dificuldade do Brasil em inovar.

Para ele, isso se deve às barreiras que o país coloca tanto à imigração de mão de obra qualificada quanto à importação de equipamentos e insumos:

“Há muitas medidas necessárias para melhorar o ambiente para a inovação no país, mas o mais importante é aumentar a mobilidade de profissionais e de fatores”.

Outros trabalhos têm sido publicados internacionalmente sobre o tema em relação ao Brasil. Em um artigo recente no “International Journal of Innovation”, pesquisadores revisam alguns desses trabalhos e alertam para áreas que precisam de mais investigação, como o possível impacto de aspectos culturais —o baixo nível de confiança entre os brasileiros,por exemplo—, sobre a inovação no país.

Innovation in Brazil: Advancing Development in the 21st Century
Edição de Elisabeth B. Reynolds, Ben Ross Schneider e Ezequiel Zylberberg, ed. Routledge, R$ 186,11 (ebook, na Amazon.com.br), 374 págs.

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