MBL quer percorrer 700 km de estrada na Amazônia para pressionar por pavimentação

Obras estão suspensas por risco de desmatamento; protesto tem apoio do ministro da Infraestrutura

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São Paulo

Membros do MBL (Movimento Brasil Livre) do Amazonas se preparam para uma caminhada de 700 km ao longo da BR-319, no trecho entre Humaitá (AM) e Manaus.

A rodovia, com 885 km, liga a Manaus, no Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia. Os trechos iniciais, nas proximidades das capitais, estão pavimentados. No entanto, 478 km, o equivalente a 54% da estrada, não têm asfalto, e algumas áreas do trecho chegam a ser tomadas pela mata.

Para chamar a atenção para as más condições da rodovia, um grupo do MBL, com cerca de 20 pessoas, iniciará a jornada em 10 de agosto e pretende chegar ao destino final em 2 ou 3 de setembro.

A BR-319 foi entregue em 1976, pelo então presidente Ernesto Geisel, durante o regime militar, e sempre teve manutenção precária. A discussão ficou mais complexa ainda depois de 2009, quando um parecer técnico do Ibama (Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) considerou o asfaltamento inviável, com base no argumento de que o tráfego seria um risco à preservação da floresta.

Vista de drone da BR-319 no trecho entre Igapó-Acú e Realidade. A rodovia, que não é asfaltada, é o único acesso por terra que liga Manaus ao resto do país - Lalo de Almeida/Folhapress

Os riscos ambientais, a natureza do licenciamento e o asfalto permanecem como temas polêmicos na região.

O MBL pleiteia justamente a repavimentação da rodovia, uma antiga demanda dos moradores da região.

A BR-319 é a única ligação terrestre entre Manaus e o restante do país. Uma vez em Porto Velho, é possível viajar por rodovias aos demais estados, como Acre e Mato Grosso. Hoje a capital do Amazonas depende do transporte fluvial.

A empreitada do MBL conta com o apoio do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, com quem os integrantes do movimento conversaram na semana passada. Segundo eles, o ministro está disposto a retomar as obras na rodovia e disse que poderia recepcioná-los na chegada à Manaus.

“Ele nos disse que, se conseguirmos apoio popular, facilitaria para ele”, conta o empresário Marcelo Cavalcante, 40, coordenador do MBL em Humaitá. O grupo quer recolher assinaturas de usuários da rodovia e de moradores do entorno para endossar o pedido.

Em nota o Ministério da Infraestrutura confirmou que o ministro está acertando sua agenda para ver se consegue recepcioná-los. "O ministro manifestou apoio aos jovens locais. Acredita que essa é uma estratégia que pode ajudar a chamar a atenção para o problema da BR-319. Qualquer iniciativa que chame a atenção para o problema dessa rodovia terá o apoio do governo."

O ministro já prometeu usar R$ 100 milhões do Orçamento de 2019 para obras na BR-319.

Cavalcante tem uma ligação emocional com a mobilização. Em 1998, aos 19 anos, ele perdeu a mãe, médica, num acidente nessa estrada. O carro capotou quando o motorista desviou de um buraco.

A BR-319 parou de ser utilizada em 1988, quando a empresa de ônibus que circulava entre Manaus e Porto Velho suspendeu a linha por falta de condições da estrada. O governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) a incluiu no plano Brasil em Ação, em 1996, e no Programa Avança Brasil, em 2000. Nesse período, parte dos extremos da rodovia foi pavimentada.

Com Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT), a rodovia tornou-se parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) 1 e 2. O petista chegou a destinar quase R$ 700 milhões para obras, mas a repavimentação do trecho central depende de licenciamento ambiental que se arrasta desde 2005.  

A rodovia possui outros três trechos licenciados, mas que também apresentam problemas de trafegabilidade. A manutenção fica a cargo do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).

O estudo de impacto ambiental do trecho do meio, não licenciado, também é responsabilidade do Dnit. A primeira versão, apresentada em 2008, foi considerada insuficiente pelo Ibama. Desde então o órgão não conseguiu oferecer uma versão completa que atendesse às exigências do Ibama.

O grupo do MBL percorrerá a rodovia com o apoio de um caminhão, que levará material para acampamento, gerador de luz e estoque de comida. A jornada será registrada em fotos e vídeos.

“Vamos passar pelo meio do mato, vai ter cobra, vai ter bicho. Com certeza alguém vai pegar malária no meio do caminho”, diz o representante do MBL.

“A cada quatro anos, nas eleições, há a promessa de reintegrar o Amazonas ao Brasil. Os candidatos usam como discurso político, mas no final não fazem. Manaus é isolada do país há três décadas”, reclama Cavalcante.

Caminhoneiros que se arriscam pela estrada costumam ficar atolados pelo caminho. A principal conexão entre Manaus e Porto Velho é pelo rio Madeira.

“[A rodovia] Era uma opção para o transporte de produtos alimentícios, mercadorias para comércios, e variedades de matérias-primas, mesmo que nossos rios sempre tenham sido importantes neste segmento”, diz o MBL em um manifesto pela repavimentação.

Para o grupo, existe uma “máfia da navegação” que age para monopolizar a entrada e saída de mercadorias do Amazonas. “Por três décadas houve conchavos políticos e empresariais para que todas as chances de revitalização [da rodovia] fossem absolutamente sepultas.”

Embora os defensores da pavimentação apontem vantagens econômicas, como maior agilidade no transporte e abertura de mercados, a obra causaria sérias consequências socioambientais.

Reportagem da Folha mostrou que o asfaltamento da BR-319 pode levar ao desmatamento de uma área equivalente a Alemanha. A trafegabilidade aumenta a exploração descontrolada de madeira, que abre espaço para grilagem, desmatamento ilegal e pecuária extensiva.

“As estradas na Amazônia são grandes vetores de desmatamento. Elas propiciam a ocupação desordenada. E a BR-319 pode ser uma nova fronteira de desmatamento na Amazônia. É uma área sem a presença do estado”, diz a pesquisadora Fernanda Meirelles, do Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia).

Ao redor da rodovia, existem unidades de conservação e terras indígenas, mas, sem fiscalização efetiva dos órgãos públicos, há o risco de invasão dessas áreas protegidas.

“Já verificamos um aumento gigante de desmatamento na região. Não estamos preparados para receber a estrada, embora a pressão pela repavimentação seja grande. É uma questão de tempo e dinheiro, porque hoje a estrada já é trafegável boa parte do ano”, diz.

O estudo do Idesam sobre os impactos socioambientais da BR-319 mostra que, nos últimos oito anos, 305 km de ramais (estradas vicinais) foram abertos, principalmente por madeireiros.

A Nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, relatada pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), do MBL, pode acabar com a necessidade de licenciamento ambiental de estradas.

“O licenciamento é o principal instrumento que temos para que sejam feitas medidas mitigatórias e compensatórias. Então o cenário ainda pode piorar”, completa Meirelles.

Moderador de um fórum sobre a BR-319, com a participação de órgãos governamentais e da sociedade civil, o procurador da República Rafael Rocha diz que há ainda a preocupação com conflitos por terras e aponta soluções.

“Hoje as pessoas se deslocam pela estrada em condições precárias e correm riscos. A rodovia, se pavimentada de forma sustentável, pode ser um vetor de desenvolvimento social e econômico, mas os governos vão precisar oferecer políticas públicas como saúde, educação, moradia e emprego, para que as pessoas não trabalhem com desmatamento e em condições análogas a escravidão”, diz.

Para o MBL, no entanto, a questão ambiental é uma discussão superada e não haverá degradação, pois as terras na região não têm valor econômico.

“Estamos falando de centenas de quilômetros de terras inóspitas, impossibilitadas de receber plantações ou criação de animais. Sem contar que ao longo da rodovia existem mais de uma dezena de áreas de preservação ambiental em plena manutenção”, diz o manifesto.

Cavalcante diz ainda que a questão do licenciamento “está infestada com viés ideológico”.

O MBL espera que a visita do presidente Jair Bolsonaro (PSL) a Manaus, na próxima quinta (25), traga algum anúncio referente à rodovia.  

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