Descrição de chapéu Previdência

SP e RS devem liderar já reforma da Previdência nos estados, diz especialista

Para Fabio Giambiagi, eleições em 2020 dificultam aprovação de PEC paralela e ficar à espera é arriscado

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São Paulo

São Paulo e Rio Grande do Sul precisam liderar a reforma previdenciária nos estados assim que a nova lei federal for aprovada pelo Congresso, defende o economista Fabio Giambiagi, que há 26 anos estuda contas públicas e Previdência Social.
 

Os governadores paulista e gaúcho, afirma, mostram “grau de controle importante” da agenda legislativa estadual.

“Se esses dois estados-chave derem o tom, outros seguirão atrás, até mesmo copiando os termos das propostas.”

O economista Fabio Giambiagi, no BNDES - Ricardo Borges/Folhapress

Outra solução terá que ser dada para os regimes municipais. “Definitivamente não há a menor condição de os municípios fazerem suas próprias reformas”, afirma.

Para ele, é um risco fiar-se na aprovação da emenda paralela que, sob coordenação do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), incluiria estados e municípios nas novas regras. 

“Por que deputados que eram contra incluir os estados agora, por razões eleitorais locais, mudariam de ideia em 2020, mais perto das eleições municipais?”, questiona.

Mesmo com a aprovação do atual texto em tramitação, porém, ele estima que o tema deve voltar ao Congresso em 2027: a despesa continuará crescendo, e o gatilho que aumentava automaticamente a idade mínima foi retirado da reforma.

O economista também sugere que no futuro se criem políticas para amparar a faixa dos 60 aos 65 anos e diz que as novas gerações precisam se preparar para ter o próprio plano de saúde e previdência. “É um desafio mundial.”

Os cálculos de economia de despesas da reforma variam de menos de R$ 744 bilhões a R$ 900 bilhões em dez anos. Na sua conta, qual é o número? Já é suficiente? 

Não tenho cálculo próprio, mas precisamos migrar da pergunta “qual o impacto da reforma em dez anos” para “como ficará a trajetória da despesa do INSS nos próximos cinco anos”. Essa é a pergunta relevante, para mostrar os limites dentro dos quais vai operar a equipe econômica.

E para onde vai a despesa? 

Mesmo com o atual texto, continuará aumentando, ainda que a um ritmo bem menor. Se o PIB crescer mais, espera-se que a relação gasto do INSS/PIB diminua levemente.

Se vai continuar aumentando, quando será preciso nova reforma? 

Acredito que há uma considerável fadiga com o tema. Costumo brincar que nem eu mesmo aguento falar do assunto. Houve muito investimento de capital político e muito desgaste. 

Por outro lado, com a retirada do gatilho de correção automática das idades mínimas, os parâmetros vão envelhecer. O cronograma mais viável parece ser novo debate entre 2023 a 2026, para o tema ser retomado pelo presidente eleito em 2026. 

Esse cálculo considera estados e municípios dentro ou fora da reforma? 

Falo das regras federais e do regime geral.

Qual o impacto de deixar fora estados e municípios?

Fala-se em cerca de R$ 350 bilhões em 10 anos. Mas é muito ruim por três razões.

A situação fiscal desses entes é delicada e tende a se agravar. 

A grande maioria dos municípios não têm condições práticas de implementar uma agenda como essa. 

E a terceira é que o tema não sairá das manchetes. Serão mais 12 ou 18 meses de discussões, passeatas e conflito.

A chamada “emenda Tasso”, uma PEC paralela, é uma saída? 

Aqui cabe pensar com muito, muito cuidado. Qual é o problema dessa estratégia? É que tudo está bem quando acaba bem. E se no final a Câmara não aprovar? O país precisa ter novas regras para os estados até meados de 2020. 

Por quê? 

Depois teremos eleições municipais, e não haverá Cristo que consiga aprovar reforma. 

Minha recomendação aos governadores seria: comecem a trabalhar desde já para enviar projetos às Assembleias no dia seguinte à aprovação da PEC e ter condição de aprová-los até no máximo junho de 2020. 

O pior que pode acontecer seria os estados ficarem à espera da “emenda Tasso” e ela parar na Câmara.

Acha que a emenda não passa? 

Entendo de números; sou leigo em questões políticas.

Mas me pergunto por que deputados que eram contra incluir os estados agora, por razões eleitorais locais, mudariam de ideia em 2020, mais perto das eleições municipais?

Confiar nisso é risco alto demais? 

Se for esse o caminho, tem que ser muito, mas muito bem pensado pelo conjunto de lideranças, Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, Paulo Guedes, para que o país não fique até junho ‘esperando Godot’ [alusão a peça do dramaturgo irlandês Samuel Beckett].

Vale a velha expressão: “Seguro morreu de velho”. 

Digo mais: penso que São Paulo e Rio Grande do Sul deveriam liderar o processo de encaminhar e aprovar reformas.

Os atuais governadores João Dória (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS) em reunião em Brasília, quando ainda eram candidatos - Pedro Ladeira - 9.out.2018/Folhapress

Por que São Paulo e Rio Grande do Sul? 

São Paulo por ter uma máquina pública exemplar e uma reflexão muito avançada sobre o tema. E Rio Grande do Sul porque o governador tem implementado uma agenda reformista com muito ímpeto e demonstrado condições de vencer e convencer na Assembleia. 

Se esses dois estados-chave derem o tom, outros seguirão atrás, até mesmo copiando os termos das propostas. 

[Na última quinta (18), os governadores do Pará, Helder Barbalho, e do RS, Eduardo Leite, afirmaram que preparam medidas locais]

O que explica a resistência de alguns governadores? 

Uma combinação de esperteza política, para conseguir o bônus sem o ônus político, e resistência ideológica, o que pode ser superado: o próprio Bolsonaro já votou contra reformas e no fim encaminhou a maior delas desde 1988. 

Também me preocupa que alguns governadores exijam mais recursos federais para apoiar a reforma. Sem ela ficarão em situação muito difícil. A ideia de que precisam ser premiados para apoiar uma proposta que os favorece não faz sentido.

Seria viável ter um sistema diferente em cada estado? 

Seria situação parecida com o federalismo dos EUA, um país também continental, com diversidade entre legislações estaduais bem maior que a nossa.

Se não for possível aprovar a PEC paralela, teremos quatro grupos de estados: 1) os que querem reforma e podem, 2) os que não querem e não podem, 3) os que não querem e podem e 4) os que querem e não podem, que estarão na situação mais delicada.

Vamos dar nome aos bois? 

Prefiro olhar para os do primeiro grupo, que já citei [SP e RS]. Eles exibem grau de controle importante da agenda legislativa local. 

O desafio das forças políticas que convergiram em quase 380 votos será trabalhar junto às forças locais para que ao final do processo haja 27 reformas.

E os municípios? 

Definitivamente não há a menor condição de termos reformas em cada um desses entes. Não vão acontecer milhares de reformas municipais. 

É algo sobre o que precisaremos pensar, inclusive os especialistas, porque não estava no nosso radar.

A reforma ficou muito focada nas contas públicas? Deveria haver uma preocupação redistributiva? 

Essa preocupação esteve presente quando o governo retirou mudanças previstas no meio rural e no BPC. Não vejo a questão fiscal desvinculada da redistributiva.

Alguma parcela da população continua vulnerável? O que se pode aperfeiçoar? 

Para o futuro, se e quando a crise fiscal for superada, o que ainda está longe, resta o desafio de pensar uma política para quem está perto da aposentadoria e ficar sem trabalho. 

Era o grupo que se procurava alcançar com a proposta original do BPC [que previa um benefício de R$ 400 aos 60 anos e o salário mínimo aos 70 anos de idade]. 

Esse grupo entre 60 e 65 anos é de fato mais vulnerável que o dos jovens de 30 e 35. É um ponto de atenção para a próxima década.

E as novas gerações? Precisam se preparar para um futuro sem carteira assinada, sem direitos trabalhistas e sem Previdência social? 

No futuro, haverá menor proporção de empregos com carteira de trabalho como a conhecemos e, sim, mais gente terá que se preparar para ter plano de saúde e de previdência. 

Sem isso, se arriscam a ter problemas se ficarem doentes e perderem capacidade de trabalho. É um desafio universal.

Com informalidade, trabalho intermitente, pejotização, como deve ser financiada a Previdência de agora em diante? O que acha de desoneração da folha e transferência da despesa para a conta de outras fontes de arrecadação, como pretende o governo? 

Será um desafio manter o crescimento da receita, pelos motivos que você mencionou. Como financiar a Previdência é um debate universal, com saídas que não são claras. Não tenho simpatia por mudanças revolucionárias, migração radical de um sistema para outro. 

Mas fazer uma reforma apenas paramétrica num cenário de mudança estrutural do mercado de trabalho não é um desperdício? Será necessário em algum momento uma reforma estrutural, com pilar de capitalização? 

Essa questão está colocada. Mas, pensando no mundo real, em 2020 teremos reforma tributária e eleições para prefeito. 

E restam desafios como nova regra para o salário mínimo e reformulação de carreiras do funcionalismo. Não sei se há espaço para essa agenda. A vida é dura para os idealistas. Já fui um deles. Com o tempo, me tornei mais pragmático.

A reforma combate privilégios? Quais sobraram? 

Os funcionários públicos de mais altos salários vão pagar alíquota que pode chegar a 22%. É um sinal poderoso. 

Já policiais vão continuar a se aposentar em idades inacreditavelmente baixas, o que deixa um sabor amargo. Mas não se pode ganhar todas.

O que explica a mudança da opinião pública em relação à reforma, mostrada pelo Datafolha [a oposição à reforma passou de 71%, no governo Temer, para 44% neste mês]? 

A primeira razão é que a popularidade do ex-presidente Temer era muito baixa e a do presidente Bolsonaro é mais alta. A segunda é que o time dos reformistas ganhou um belo reforço da turma “do ataque”: a do marketing. 

O lado técnico sempre foi muito bom, desde a época do Fernando Henrique, mas a turma do marketing era sempre muito melhor no campo dos antirreforma. 

Agora o jogo ficou mais equilibrado. Entrou uma galera digital que trabalhou muito bem pró-reforma.  

raio-x

Fabio Giambiagi, 57

Economista com mestrado na UFRJ, escreveu e coordenou 4 livros sobre Previdência, área que estuda há 26 anos; atuou no BID (Banco Interamericano de Desenvol-vimento) e no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e integra o Departamento Econômico do BNDES desde 1996

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