Descrição de chapéu Financial Times

Tradição europeia no FMI desafia sucessão de Lagarde

Continente sempre comandou o Fundo, mas emergentes podem pleitear posto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Chris Giles Kiran Stacey
Londres e Washington | Financial Times

A indicação de Christine Lagarde para suceder Mario Draghi como presidente do BCE (Banco Central Europeu) deixa um rombo grave no FMI (Fundo Monetário Internacional). Posto visto como equivalente ao de um chefe de Estado, a diretoria-executiva do Fundo é um dos empregos mais cobiçados das finanças internacionais.

O candidato vitorioso enfrentará o desafio de comandar uma instituição internacional dedicada à cooperação econômica em um momento no qual fervilham conflitos.

A primeira questão que os potenciais candidatos enfrentarão, da parte dos 189 países-membros do FMI, é se eles são suficientemente europeus.

Christine Lagarde - AFP

Oficialmente, a nacionalidade é irrelevante, e o processo será “aberto, meritocrático e transparente”, mas todas as 11 pessoas que comandaram o FMI em seus 73 anos de história foram europeias, nos termos de um acordo de cavalheiros que, em sua outra ponta, atribui aos americanos a presidência do Banco Mundial.

David Malpass manteve a tradição ao conquistar a presidência do Banco Mundial sem oposição, em abril, e por isso a Europa tem boa chance de manter o controle do FMI.

Mark Sobel, que trabalhou no Departamento do Tesouro dos EUA e é membro do conselho do FMI, disse ser improvável que o governo Trump crie muitos obstáculos a um candidato europeu.

“Com a indicação tão fácil de Malpass para o Banco Mundial, a perspectiva é que o duopólio continue intacto. Isso significa que os europeus podem ter o cargo, se o desejarem.”
 

Mas nem todos os europeus são iguais. Por 44 dos seus 73 anos o Fundo foi presidido por um francês; os dois mais recentes diretores-gerentes da instituição foram da França, o que deve reduzir as chances de candidatos do país qualificados, como Benoît Coeuré, do BCE, ou Bruno Le Maire, ministro das Finanças.

Os europeus orientais não ocuparam postos importantes na União Europeia até o momento, e por isso Kristalina Georgieva, presidente-executiva do Banco Mundial, pode estar em posição favorável. Dirigente muito respeitada, ela vem ocupando posições de liderança em organizações internacionais já há uma década.

Enquanto isso, Mark Carney, que tem cidadania irlandesa, britânica e canadense, é respeitado pelos ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais e deve encerrar seu mandato à frente do Banco da Inglaterra em janeiro. Carney foi visto como um candidato crível nas capitais europeias nesta quinta (4), tão logo suas credenciais irlandesas receberam atenção.

Um funcionário importante do governo francês disse em Paris que “nada poderá detê-lo se ele tiver apoio europeu”.

Outro possível candidato europeu seria Mario Draghi, que deixará em breve a presidência do BCE, mas ele tem 71 anos e está acima do limite de idade para o posto; pessoas próximas a Draghi duvidam que esteja interessado.

Isso contrasta com o grande interesse de George Osborne, ex-ministro das Finanças do Reino Unido, que disse a amigos estar pensando no cargo.

Se o FMI respeitar seus limites de idade, Klaus Regling, diretor do Mecanismo de Estabilidade Europeu, e Erkii Liikanen, ex-representante da Finlândia no FMI, seriam velhos demais. Jens Weidmann, presidente do Bundesbank, o banco central alemão, foi descrito como “muito feliz” com seu atual posto.

Jacob Kirkegaard, pesquisador sênior do Instituto Peterson de Economia, concorda em que é improvável que os EUA bloqueiem uma indicação europeia e diz que poderiam preferir um candidato europeu a alguém de uma economia em desenvolvimento, que provavelmente necessitaria de apoio chinês.

“É difícil ver algum interesse material e estratégico dos EUA, aqui, a não ser evitar qualquer coisa que ajude a China a ganhar importância.” As regras da disputa —que será iniciada assim que Lagarde for confirmada para o BCE— requerem que países indiquem candidatos.

O conselho-executivo então prepara um short list com três nomes, que serão entrevistados antes que o órgão faça sua escolha.

Em 2011, Agustín Carstens, o mexicano que agora comanda o Banco de Compensações Internacionais, foi nomeado, mas não conseguiu obter apoio suficiente das economias em desenvolvimento, sub-representadas no FMI.

Ele poderia voltar a ser candidato, e com oportunidade de vitória. O mesmo pode ser dito sobre Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do FMI e ex-presidente do banco central indiano, embora seu relacionamento com o governo da Índia tenha se deteriorado.

Se os emergentes desejarem emprestar seu peso coletivo a um candidato, uma presença notável nas reuniões do FMI nos últimos anos é a de Tharman Shanmugaratnam, ministro sênior de Cingapura, que serviu no conselho consultivo do Fundo, formado por ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais.

Para Peter Doyle, que trabalhou para o FMI e é crítico do órgão, a escolha é simples: “Nada de europeus, nada de políticos, nada de amadores”, disse, argumentando que o próximo presidente deveria ser escolhido para “resolver as encrencas” deixadas pela atual direção e direções precedentes. 

“Elas começam pela Argentina e envolvem também a Ucrânia e todos os problemas do euro.”

O FMI tem a séria responsabilidade de buscar estabilizar a economia mundial. O Fundo representa a comunidade internacional ao fazer empréstimos a países que enfrentem problemas de caixa temporários, impondo limites severos determinados por seu conselho.

A instituição alerta as autoridades sobre riscos econômicos e oferece assistência técnica aos países para a gestão de suas economias.

O FMI teme que seus fundos venham a se esgotar, já que os EUA devem rejeitar qualquer esforço para obter capital adicional dos países-membros —processo que ampliaria a influência chinesa. 

O Fundo tem outras maneiras de levantar verbas temporárias, mas, tendo em vista seu recente empréstimo de US$ 56 bilhões à Argentina, uma desaceleração econômica mundial que leve muitos países a buscar ajuda simultaneamente poderia comprometer sua posição financeira.

O candidato vitorioso precisará, portanto, de competência técnica para compreender algumas das partes mais complicadas das finanças e economia mundiais e de capacidade diplomática para criar consensos entre as grandes feras da economia do planeta. Será uma tarefa difícil.

Raio-X do FMI

Criação: 1945
Países-membros: 189

Função:  concede empréstimos a países que enfrentem problemas de caixa, sob condições de austeridade fiscal; alerta as autoridades sobre riscos econômicos e oferece assistência técnica para a gestão da economia.
US$ 1 tri
é quanto o FMI tem disponível para emprestar.

Quem são alguns dos cotados para substituir Christine Lagarde no comando do FMI

Kristalina Georgieva, presidente-executiva do Banco Mundial.
Búlgara, tem histórico em organizações multilaterais e serviu em papéis-chave na Comissão Europeia e na ONU. Presidente-executiva do Banco Mundial desde o início de 2017, foi presidente interina quando Jim Yong Kim renunciou, em janeiro. Na disputa pela presidência, foi preterida pelo americano David Malpass.

Agustín Carstens, diretor-geral do Banco de Compensações Internacionais, o BIS.
Presidiu o banco central do México entre 2010 e 2017 antes de se transferir para o atual posto no BIS, o banco central dos banco centrais. Tem experiência no FMI —foi presidente do comitê monetário e financeiro internacional por dois anos e diretor-executivo-assistente por mais três.

Mark Carney presidente do Banco da Inglaterra.
Indicado para o comando do banco central do Reino Unido em 2013, nasceu no Canadá e tem passaporte irlandês. Seu mandato à frente do Banco da Inglaterra se encerra em janeiro. Começou a carreira no Goldman Sachs, foi para o Departamento de Finanças do governo canadense e mais tarde se tornou presidente do Banco do Canadá

Tharman Shanmugaratnam, ministro sênior e presidente da Autoridade Monetária de Cingapura.
Economista cingapurense, dedicou a carreira ao serviço público. Começou no banco central, que hoje comanda, mas renunciou para disputar cargo político. Foi eleito para o Legislativo em 2001. Foi ministro das Finanças e da Educação e esteve no conselho consultivo do FMI.



Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.