Ações contra União e BC buscam conter exploração ilegal

Alto preço do ouro e as sinalizações do governo Bolsonaro aceleraram invasões de terras indígenas

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Manaus

Nas imagens de satélite, a exploração do ouro se assemelha a rachaduras abertas na densa floresta da Terra Indígena Mundurucu, no sudoeste do Pará. 

De perto, o estrago muda a cor e o curso dos rios por centenas de quilômetros. E há ainda o dano invisível do mercúrio, que contamina peixes e pessoas.

Desde o início do ano, o alto preço do ouro e as sinalizações do governo Jair Bolsonaro (PSL) aceleraram invasões de terras indígenas e outras áreas protegidas da bacia do Tapajós, epicentro da extração ilegal do metal no país. 

Garimpo de ouro no rio Rato, afluente do Tapajós (PA) - Lalo de Almeida/Folhapress

“A lei foi criada pelo branco. Ali está demarcado, homologado. Depois disso, branco não pode nem pisar lá. Mas é o contrário, estão destruindo a área indígena”, diz o cacique-geral dos mundurucus, Arnaldo Kaba, em entrevista por telefone.

Já não se trata mais de garimpo: a recente popularização das PCs (escavadeiras) na bacia do Tapajós aumentou a escala para o nível de mineração, com alto impacto ambiental espalhado por uma vasta área dos mundurucus.

“Como é que vamos viver depois que acabarem com aquela área?”, diz a principal liderança do povo mundurucu, de cerca de 13 mil pessoas. “A água virou Leite Moça, bem grossona. De peixe, ninguém fala mais, acabou o peixe.”

Num esforço para aprimorar “a lei do branco” contra o garimpo ilegal, o MPF (Ministério Público Federal) em Santarém entrou neste mês com uma ação civil pública contra a União, o Banco Central e a ANM (Agência Nacional de Mineração) para melhorar os mecanismos de controle da cadeia do ouro. O objetivo é asfixiar a exploração ilegal. 

“O comércio do ouro é uma atividade extremamente fácil de fraudar e praticamente impossível de investigar”, resume o procurador Luis de Camões Boaventura.

Atualmente, o ouro do garimpo só pode ser comprado por empresas registradas no Banco Central como Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM).

Para adquirir o metal, as DTVMs deveriam exigir do vendedor a Permissão de Lavra Garimpeira (PLG), expedida pela ANM. A transação é, então, registrada em uma nota fiscal manual, que não é lançada em sistema eletrônico. 

Uma investigação conjunta da PF (Polícia Federal) e do MPF na região de Santarém iniciada em 2016 revelou que o descontrole na emissão das PLGs e a falta de um sistema para cruzar dados abrem caminho para diversas formas para esquentar o ouro extraído ilegalmente, principalmente em áreas protegidas, como terras indígenas.

O fio do novelo começou com dois garimpeiros flagrados explorando ouro em uma área vizinha à Terra Indígena Zoé, etnia de recente contato. Em depoimento, ambos afirmaram que vendiam o mineral para uma agência da empresa Ourominas, em Santarém, sem apresentar nenhum documento comprovando a procedência do ouro.

Para esquentar o ouro dos garimpeiros, a Ourominas teria colocado na nota fiscal duas PLGs diferentes em Itaituba (PA), ambas localizadas a centenas de quilômetro do local extraído. 

Ao todo, a investigação conjunta identificou 4.652 aquisições de ouro de origem supostamente clandestina que teriam sido feitas pela Ourominas apenas em Santarém, entre entre 2015 e 2018. As transações somaram R$ 70,3 milhões, envolvendo 610,8 quilos do metal.

“A grande maioria das PLGs pode ser denominada de PLGs fantasmas”, diz Boaventura. “Não noticiavam sequer extração no relatório anual de lavra.”

Na ação, o MPF exige dos três entes a maior transparência e informatização da cadeia de controle, como a criação de uma nota fiscal eletrônica. Além disso, propõe a delimitação do conceito de garimpo, já que grandes empresários têm usado as PLGs, que têm regras mais simplificadas, incluindo de licença ambiental.

Procurado pela Folha, o Banco Central informou que não comenta processo em andamento. Ninguém foi localizado na ANM para comentar sobre a cadeia de ouro. A Ourominas tem negado as irregularidades e se diz disposta a colaborar com a Justiça.

Colaborou Raquel Landim

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