BNDES financiou jatinhos a donos de empresas com problemas na Justiça

Levantamento mostra que 22% dos empresários tiveram algum tipo de pendência legal, até corrupção

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São Paulo

Ao divulgar os nomes dos agraciados por empréstimos subsidiados do BNDES para a compra de jatinhos da Embraer, o presidente Jair Bolsonaro deu ênfase a dois possíveis rivais nas eleições de 2022: o governador de São Paulo, João Doria, e o apresentador Luciano Huck.

Todavia, a lista completa tem 134 nomes e é bastante diversa, incluindo desde celebridades e empresários renomados até bilionários desconhecidos da opinião pública.

Uma análise feita pela Folha —que nos últimos dias pesquisou na Receita Federal os sócios das empresas que tomaram os financiamentos— revela ainda um outro grupo: o de enrolados com a Justiça.

Não é um clube pequeno: o levantamento encontrou 29 casos (22%) em que empresários que adquiriram os jatinhos estiveram envolvidos em escândalos. Entre eles há alvos de operações da Polícia Federal e do Ministério Público ou mesmo quem pagou fiança milionária para sair da cadeia. 

Jato Embraer Phenom, semelhante ao utilizado por Luciano Huck
Jato Embraer Phenom, semelhante ao utilizado por Luciano Huck - Divulgação/Embraer

Há também casos de multas por sonegação fiscal, má conduta no mercado de capitais ou uso de trabalho escravo.

Os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos do frigorífico JBS e delatores que admitiram ter pago propina para centenas de políticos, puxam a fila. Em novembro de 2009, pegaram R$ 39,8 milhões emprestados com o BNDES para comprar um avião, com prazo de dez anos e juro de 4,5% ao ano.

José Batista Junior, o primogênito, tomou R$ 5,9 milhões nas mesmas condições, mas em nome de outra empresa —ele não é mais sócio da JBS.

Também está na lista Mário Celso Lopes, que foi sócio dos Batista na Eldorado e chegou a ser preso na Operação Greenfield, mas foi solto logo em seguida. O empresário pegou dois empréstimos: um de R$ 15,8 milhões em 2010 e outro de R$ 9,4 milhões em 2012.

A lista foi divulgada pela nova gestão do banco, agora sob o comando do economista Gustavo Montezano, que prometeu abrir a “caixa-preta”.

Segundo a assessoria de imprensa do BNDES, os financiamentos para a compra de aeronaves foram feitos através de bancos comerciais, que repassam os recursos e têm a responsabilidade de averiguar as garantias e a capacidade de pagamento. Entre os bancos estão Itaú, Bradesco e Santander e também instituições de médio porte.

Em março de 2011, Wilson Quintella Filho, fundador e na época presidente da Estre Ambiental, uma das maiores empresas de gestão de resíduos do país, tomou R$ 14,26 milhões no BNDES para comprar um jatinho da Embraer. Em 2017, ele fundiu sua empresa com um grupo americano.

Em 31 de janeiro deste ano, o empresário foi preso na 59ª fase da Operação Lava Jato, acusado de pagar propina para obter contratos de tratamento de resíduos com a Transpetro. Saiu da cadeia mediante fiança de R$ 6,8 milhões.

Outro alvo da Lava Jato agraciado por um empréstimo do BNDES é o empresário Renato Abreu, presidente do grupo MPE e acusado em julho de 2015 de pagar propina para contratos na Eletrobras. Em abril de 2013, ele havia tomado R$ 18,3 milhões no banco de fomento para comprar um avião particular.

A Operação Lava Jato e suas equivalentes não são as únicas algozes dos clientes do BNDES. Há também outros tipos de pendências com a Justiça. Por exemplo: em 1997, o produtor rural Luís Pereira Martins Pires teve uma de suas fazendas desapropriadas pelo uso de trabalho escravo.

Em 2012, ele conseguiu um empréstimo de R$ 18,2 milhões no BNDES para comprar um jatinho. Em 2016, foi acusado pelo Ministério Público de lavagem de dinheiro e obtenção de contratos suspeitos com o governo do Tocantins.

José Luiz Gandini, presidente da Kia Motors Brasil e Uruguai, tomou crédito de R$ 15 milhões no BNDES, em 2010, para a compra de um avião. Em abril deste ano, foi denunciado pelo Ministério Público por formação de quadrilha e falsificação de imóveis.

Apoiador de Bolsonaro, Flávio Rocha, dono da varejista Riachuelo, tomou um empréstimo de R$ 55 milhões em 2013. No ano passado, foi condenado a indenizar uma procuradora do trabalho após chamá-la de louca.

Dono da Vivara e da Etna, o empresário Nelson Kaufman recebeu em 2012 um empréstimo de R$ 18 milhões para compra de um jato através da empresa Tellerina. Em 2016, foi condenado a pagar multa por não informar às autoridades a venda de joias suspeitas de lavagem de dinheiro.

Também foi cliente do BNDES o empresário Adalberto Salgado, de Juiz de Fora (MG). Em novembro de 2010, teve seu nome ligado ao escândalo do Banco Panamericano, controlado na época por Silvio Santos, dono do SBT. Em 2013, tomou um financiamento de R$ 9,2 milhões.

Os recursos para a compra dos jatinhos da Embraer foram liberados a empresários entre 2009 e 2014 no âmbito do PSI (Programa de Sustentação de Investimento), criado pelo governo federal para evitar que o Brasil fosse arrastado pela crise global de 2008.

Os financiamentos chegaram a R$ 1,9 bilhão, com juros entre 2,5% e 8,7% ao ano, subsidiados pelo Tesouro. Pelos cálculos do BNDES, contribuintes arcaram com R$ 693 milhões a valores corrigidos. 

“O governo Bolsonaro está fazendo uma caça às bruxas, mas sabíamos faz tempo que o PSI foi um desastre em termos de política pública. Favoreceu diversas empresas, não apenas a Embraer”, diz Sérgio Lazzarini, professor do Insper. 

Empresários não veem irregularidade em empréstimos

Dono de duas aeronaves da Embraer, o empresário Francisco Moacir Pinto Filho, principal investigado na CPI dos cemitérios, negou ter recebido financiamento. Ele afirma que foram adquiridas do grupo C. Rolim há cerca de sete anos.

“Eu não fiz financiamento do BNDES, comprei as duas aeronaves do grupo C. Rolim e inclusive estou querendo vender. Não usufruí do financiamento nem conheço ninguém do BNDES”, afirmou. Principal investigado na CPI dos cemitérios, ele se defendeu dizendo que a investigação foi arquivada. 

Já Valdir Agostinho Piran, dono do grupo Piran, com sede em Brasília, confirma ter recebido o financiamento e diz não enxergar irregularidade. Ele foi preso na Operação Sodoma, acusado de envolvimento no esquema de caixa dois do ex-governador de Mato Grosso Silval da Cunha Barbosa, e solto após pagamento de fiança de R$ 12 milhões.

“Sou um simples empresário, nunca vi o Lula na minha frente, não sou amigo do Luciano Huck, não conheço ninguém do BNDES. Apenas fiz o cadastro e comprei o jatinho. Eu acho isso uma bobagem, é mais uma das bobagens que o presidente fala todo dia”, disse.

Também preso na Operação Sodoma, Willians Paulo Mischur, dono da Consignum, afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que “a operação de crédito para a aquisição da aeronave junto ao BNDES foi realizada seguindo todos os trâmites legais e cumprindo as obrigações determinadas pela instituição”.

Flávio Rocha, dono da Riachuelo, se defendeu no Twitter dizendo que um avião importado teria saído mais barato. “Durante 30 anos operamos aviões americanos financiados pelo EXIM Bank. Em 2013 compramos um avião da Embraer. Um equipamento similar americano ou francês com financiamento internacional a taxa de juros seria de menos da metade.”

Presidente da Kia Motors Brasil e Uruguai, José Luiz Gandini confirmou por meio de sua assessoria de imprensa ter recebido financiamento via Banco do Brasil. 

“Em dezembro de 2010, adquirimos uma aeronave Legacy 650, da Embraer, por necessidades empresariais, para facilitar nossa locomoção pelo Brasil e Uruguai. Todas as parcelas foram pagas exatamente na forma e nos prazos previstos, sem nenhum atraso. Optamos pela compra de um modelo da Embraer exatamente para fortalecer a indústria nacional”, disse.

A JBS afirmou em nota que “o financiamento atendeu normas legais e seguiu todos os parâmetros estabelecidos pela linha BNDES Finame, respeitando o critério de fomento para máquinas e equipamentos produzidos no Brasil”.

A Tellerina, de Nelson Kaufman, disse, em nota, que “o financiamento atendeu todas as normas legais e seguiu os parâmetros estabelecidos”.

Procurados pela reportagem, outros beneficiários envolvidos em problemas com a Justiça preferiram não se pronunciar. São eles Wilson Quintella Filho, da Estre Ambiental, Carlos Eduardo Pereira da Costa, da Sanefer, Mário Celso Lopes, da MCL, Guilhermina Bezerra da Silva, da Masterboi, e Luiz Donaduzzi.

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