Entenda a crise dos juros baixos nos países ricos e por que ela pode indicar uma recessão

Juros negativos refletem temor de uma nova crise global agravada pela guerra comercial

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São Paulo

Nesta semana, pela primeira vez desde o período que antecedeu a crise de 2008, os juros de títulos da dívida americana de longo prazo foram negociados a um patamar menor que os de curto prazo. Além disso, os papéis de países europeus, como a Alemanha, foram vendidos com taxas negativas —investidores compararam um título com o qual devem ter perdas, e não ganhos. 

Os juros negativos refletem o temor de uma nova crise global, agravada pela guerra comercial travada há mais de um ano entre Estados Unidos e China. Agora, começam a aparecer os primeiros números que mostram os danos causados pela disputa e os impactos nos demais países.

Com o medo de recessão, investidores decidiram comprar títulos públicos de longo prazo da dívida americana. Esse movimento fez com que os títulos se valorizassem, reduzindo o retorno do investimento (os juros). Como a demanda por papéis de curto prazo não cresceu na mesma velocidade, esses títulos ficaram mais baratos, ou seja, ainda oferecem ganhos mais elevados. Essa é a chamada inversão da curva de juros.

Entenda como e por que os juros estão caindo.

Com o medo de recessão, investidores decidiram comprar títulos públicos de longo prazo da dívida americana - Johannes Eisele/AFP

O que são os títulos públicos?

São dívidas emitidas por países para que eles se financiem. Como, no limite, eles podem emitir dinheiro para pagar a dívida, esses papéis são considerados o investimento mais seguro que existe. 

A taxa de juros é decidida a partir do interesse do mercado financeiro, que decide a qual nível de remuneração está disposto a emprestar dinheiro para um governo.

Países mais seguros, como os Estados Unidos, têm taxas mais baixas porque, na percepção de investidores, oferecem menor risco de calote. Outros mais arriscados, como é o caso do Brasil, precisam pagar mais para atrair investidores.

Como funciona a taxa de juros dos bancos centrais?

Banco centrais podem colocar ou tirar dinheiro da economia usando títulos de dívida pública já emitidos pelo governo. Os BCs, em geral, têm como função principal manter a inflação sob controle. Muitas vezes há uma meta predeterminada —como no Brasil.

Como a inflação está ligada à atividade econômica, quando a economia está mais fraca, o BC pode estimulá-la baixando os juros para que as pessoas voltem a consumir. Ele faz isso comprando dívida pública que está no mercado e colocando dinheiro em circulação. Com maior oferta de dinheiro no mercado, o juro cai.

Quando há pressão inflacionária e o juro precisa subir para controlar a alta de preços, os BCs revendem os títulos e enxugam o dinheiro do mercado, tornando-o mais caro.

 

Quais são as taxas de juros nos países ricos atualmente?

Nos Estados Unidos, a taxa está entre 2% e 2,25%, após o Fed promover a primeira redução desde a crise de 2008. Na zona do euro, a taxa de juros é negativa. No Brasil, os juros caíram para 6% pela primeira vez na história, em meio à dificuldade de recuperação da economia.

Como funciona o juro negativo?

O investidor é punido por deixar dinheiro aplicado em vez de gastá-lo. Em vez de o dinheiro render, ele diminui ao longo do tempo, o que visa a estimular o consumo, antes que ele perca valor. É, portanto, uma medida extrema para estimular a economia. Foi adotada no Japão há anos e em alguns países da Europa.

Quando os juros são positivos, bancos recebem para deixar parte de seus recursos parados no BC. Já quando os juros são negativos, eles pagam e, por isso, têm um estímulo ainda maior para emprestar dinheiro a seus clientes.

Quando o juro do BC é negativo, o investidor sempre perde dinheiro?

Não necessariamente. O juro fixado pelos bancos centrais é de curto prazo. Ele pode ser negativo, mas, como normalmente a expectativa do mercado é que a economia melhore, então ele negocia uma taxa de juros positiva para comprar títulos públicos de prazos mais longos. Há ainda o fator risco: investidores pedem um ganho mais elevado como compensação do risco de que uma mudança de cenário econômico gere perdas.

Mas os juros de longo prazo na Europa agora também são negativos. Por quê?

Quando investidores acreditam que a economia vá atravessar um período de recessão severa e prolongada, preferem comprar títulos públicos mesmo que percam dinheiro. Na prática, eles estão protegendo o patrimônio de prejuízos ainda maiores.

Os juros de longo prazo de títulos públicos ficam negativos seguindo a regra da oferta e da demanda: quanto mais gente quiser comprar aquele investimento, mais o valor do papel subirá e, por consequência, a remuneração cairá. Essa é sempre uma relação inversamente proporcional.

E o que é a inversão da curva de juros que ocorreu nos Estados Unidos?

Ela ocorre quando atipicamente os juros de longo prazo ficam abaixo das taxas de curto prazo. Para investidores aceitarem ganhar menos no futuro do que no presente, eles precisam esperar que
as condições econômicas estarão piores no futuro que os outros investimentos, mais arriscados, não vão trazer ganhos.

É por isso que a inversão da curva de juros é considerada uma previsão de uma recessão econômica. O investidor acredita que a economia vai piorar e que as empresas vão lucrar menos. Portanto, não faz sentido comprar ações de empresas, porque elas não vão se valorizar nesse cenário.

A medida mais segura, portanto, é comprar títulos públicos em períodos de crise, mesmo que o ganho seja menor.

Essa inversão da curva teoricamente também pode ocorrer no terreno negativo, mas nos Estados Unidos os juros ainda são positivos, ainda que a taxa de 30 anos tenha ficado pela primeira vez abaixo de 2% nesta semana.

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