Expressar-se de forma vaga é um jeito de dizer coisas falsas, diz Nobel de Economia

Antes de ganhar o Nobel, Paul Romer renunciou ao cargo de economista-chefe do Banco Mundial após série de atritos com a instituição

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Rio de Janeiro

Paul Romer, 63, teve um ano e tanto em 2018. Em janeiro, renunciou ao cargo de economista-chefe do Banco Mundial após uma série de atritos com a instituição.

Ele saiu dias depois de dar uma entrevista incendiária ao The Wall Street Journal, na qual sugeriu que o banco teve motivações políticas ao rebaixar o Chile, à época sob guarda da socialista Michelle Bachelet, no ranking de competitividade de nações para negócios.  

Mas as fricções entre os dois lados começaram antes, quando Romer teve problemas com o tipo de escrita usado pela instituição que empresta dinheiro para países em desenvolvimento.

"A razão pela qual fui tão crítico sobre a escrita vaga é por ver ali um jeito de pessoas dizerem coisas que não eram verdade", disse à Folha nesta quarta (21), após dar uma palestra no 1º Prêmio CBMM de Ciência e Tecnologia, no Rio. 

Paul Romer, Nobel de Economia de 2018, durante entrevista para a Folha no Rio de Janeiro. - Ricardo Borges/Folhapress

Fato é que, no mesmo ano em que deixou o Banco Mundial após apenas 15 meses, o professor da Universidade de Nova York e autoproclamado nerd descobriu que ganhou a maior láurea em seu campo. Naquela manhã, acordou a então namorada, uma professora de literatura francesa na Universidade Columbia, e sussurrou: "Querida, então, acabei de ganhar o Nobel de Economia".

Dois dias depois, 10 de outubro, casou e aceitou o prêmio. 

Após sua passagem no Banco Mundial, o sr. deu a entender que a instituição poderia ser ideológica em algum grau e também criticou a linguagem dela.

Não diria que é ideológico. O Banco Mundial tem uma função diplomática, e quando se engaja na diplomacia, às vezes gosta-se de ser vago, às vezes gosta-se de convergir numa ficção conveniente. É assim que a diplomacia funciona, mas não a ciência. A fricção que tive com o banco foi esta: quando você dá uma declaração sobre um fato, tem que fazê-lo de forma clara e tem que ser verdade. A razão pela qual fui tão crítico sobre a escrita vaga é por ver ali um jeito de pessoas dizerem coisas que não eram verdade. 

Algum exemplo?

Olha a linguagem que advogados usam o tempo todo. Pode sugerir algo, mas se for vago o bastante, se alguém o desafia, pode escapar disso. Insistia que algumas questões tinham como resposta sim ou não, falso ou verdadeiro. Não dá para usar um monte de palavras para esconder algo. É apenas fraude.

O sr. ganhou o Nobel junto com Willian Nordhaus, que estuda as consequências econômicas da crise climática. A ascensão de populistas como Donald Trump e Jair Bolsonaro, com auxiliares que até negam o aquecimento global ou defendem o terraplanismo, pode ser um freio na economia? 

Uma das minhas mensagens é que verdade e honestidade são muito importantes, coisas nas quais precisamos investir. Mas, se a comunidade científica descobre que as pessoas não confiam nela, é parcialmente nosso trabalho reconstruir essa confiança. Em vez de apenas ficar com raiva ou criticar quem nos critica, precisamos nos perguntar: o que devemos fazer para ganhar de volta o apreço dessa gente? Porque, se você parar para pensar, há muitas pessoas que  não confiam nos cientistas quando dizemos que as vacinas protegem suas crianças. Essa desconfiança não é algo que podemos simplesmente pôr na conta de alguns líderes. Precisamos trabalhar mais para persuadir as pessoas.

E por que tantos perderam a confiança na ciência?

Não acho que sabemos. Às vezes as pessoas sentiram como se não estivéssemos contando a verdade, mas algo que as faria fazer algo que gostaríamos que elas fizessem. Preocupavam-se que estivéssemos tentando as manipular para atingir alguma meta.

O sr. mencionou na palestra os interesses da indústria do cigarro, por exemplo.

Isso [deturpações criadas pelo meio para vender mais] obviamente não veio da ciência. Mas essas empresas pagaram, de fato, para alguns cientistas, que acabaram sendo úteis a elas. Alguns cientistas… Por exemplo, pegue os direito animais.As pessoas podem temer que dizemos algo sobre biologia pois queremos convencê-las que elas deveriam tratar animais de forma diferente. Essas duas coisas precisam ser tratadas separadamente. Precisamos assegurar que, se falamos "isso é o que sabemos sobre a experiência da dor num animal", as pessoas não achem que estamos tentando enganando-as para chegar a um resultado político. Temos que dizer: isso é o que sabemos, e vocês têm que decidir o que fazer com isso. O mais importante é entender que a ciência não deveria fazer com que ninguém se sentisse que estamos olhando de cima para baixo, tratando-os como criança. Eles são os eleitores, eles tomam as decisões. Nossa missão é lhes dar informação.

Há uma visão parecida com a mídia, vista com ceticismo por muita gente.

É interessante. Alguns dos novos veículos de mídia no mundo digital não estão ajudando. Quero proteger minha reputação. Se alguém puder dizer algo online, e eu não sei quem é, essa pessoa é livre para inventar, não tem uma reputação, é apenas anônima. Esse mundo do anonimato não é bom.  

Nesse sentido, as redes sociais são heróis ou vilões para a economia?

Elas são boas ao conectar o mundo. Há, contudo, razões para se preocupar com o papel que têm tido nas nossas vidas. A forma como a mídia social têm encorajado o anonimato é danosa. Não é meu trabalho, mas outros pesquisadores concordam que crianças pequenas não estão aprendendo a interagir umas com as outras como humanos. Como ter empatia, como lutar, como se reconciliar depois de uma briga. É tudo voltado a apresentar uma imagem numa tela. Se a interação digital reduz a interação cara a cara, isso pode não ser saudável.

O sr. critica quem defende que, para proteger o meio ambiente, é preciso parar de crescer economicamente. Qual a receita?

Crescimento pode significar expandir em valores, não quer dizer ter mais energia, material, objetos. Seu celular pode tocar música agora com muito menos eletricidade do que o amplificador que meu pai usava. Como crescer sem machucar a natureza? Economistas têm alguns palpites. Precisamos taxar o que a prejudica. Criar incentivos para usar tecnologias limpas. Dá para não destruir o meio ambiente e ter vidas mais satisfatórias.

Em 2008, o sr. veio com uma ideia polêmica: cidades que poderiam ser governadas por outros países que não o seu, até mesmo empresas. Ainda lhe parecem uma boa ideia?

Bem, comecemos com fatos. Segundo o [instituto de pesquisa] Gallup, 750 milhões de pessoas no mundo afirmam que gostariam de deixar o país onde vivem. É o tamanho do problema que estamos enfrentando. Minha motivação: não temos uma resposta boa para apontar onde esse contingente poderia ir. Estava argumentando que precisamos idealizar lugares que comportariam essa gente. Muitas nações dizem, "ok, podemos aceitá-los como refugiados ou migrantes", mas a escala é grande demais. Esse fluxo começa a perturbar sociedades, e eleitores não querem isso, milhares ou milhões de migrantes. Não gosto dessa ideia, nenhum lado gostou da ideia, mas há uma percepção crescente de que ninguém tem uma proposta melhor, e deveríamos considerar algo assim mais seriamente. Há pessoas em países onde suas vidas são perigosas e miseráveis. Pense na Colômbia. Há um limite de venezuelanos que o país pode abrigar. Só que o mundo não pode deixar milhões morrerem de fome na Venezuela. Se encontrarmos algum lugar para eles, seria algo muito valioso.

Temos algo próximo dessas cidades hoje?

Hong Kong sob controle dos britânicos era um exemplo [voltou a ficar sob guarda chinesa em 1997]. Não temos muitos exemplos desde então, mas podemos replicar essa experiência. Só não vale usar a força: não podemos tirar uma terra à força de outra nação. Mas dá para negociar um aluguel voluntário para criar lugares como Hong Kong que aceitariam novos residentes. 

Há quem defenda que a região amazônica seja administrada por algo como uma coalização de países que garantisse sua preservação, por exemplo. Isso lhe soa bem?

É complicado. Você precisa pensar no lado ambiental. A floresta é valiosa [para todos]. 

O sr. é um entusiasta da inteligência artificial. Não é otimista afirmar que haverá emprego para todos no futuro, na medida em que a automação avança?

Depende de nós. Agora falando como um eleitor. Temos que decidir se queremos criar empregos para todos, em vez de tratar o assunto como algo fora do nosso controle.

E a humanidade tem essa disposição?

Talvez não, mas deveríamos ter. E poderíamos ter. Na Grande Depressão, teve um programa voluntário nos EUA para ajudar desempregados a achar trabalho. Havia campos onde jovens podiam adquirir alguma disciplina. Acordar cedo, fazer a cama, tomar café e ir trabalhar nas florestas. Ajudou muita gente a voltar aos trilhos após tantos ficarem perdidos naquele período. Podemos de novo usar dinheiro do governo ou esquemas de subsídio para criar novas oportunidades de trabalho.

O sr. defendeu na sua fala no prêmio que deveria ser mais fácil demitir pessoas que, por exemplo, chegam sempre atrasadas no trabalho.

Não defendi... Disse é que, se alguém está num mercado de trabalho no qual pode ser dispensado se chegar tarde, essa pode ser uma maneira melhor de aprender a ser pontual. E isso pode ser melhor para o trabalhador, pois ele ganha responsabilidade. Às vezes a demissão ou a disciplina é um jeito de aprender.

É verdade que o sr. casou no mesmo dia em que ganhou o Nobel?

Me disseram que fui o único [risos].

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