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Ana Paula Vescovi

Juro em queda fortalece reforma tributária

Investidores saem pelo mundo em busca de melhores lugares para investir e sistema de impostos pesa nas escolhas

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Ana Paula Vescovi
São Paulo

Tal qual na Idade Antiga, o sistema tributário brasileiro parece uma arena de gladiadores. As regras são caóticas, e leões e gladiadores se confrontam em lutas fratricidas. Sempre há perdedores, mortos e feridos. Símbolo do nosso atraso.

Grupos de interesses aprenderam como explorar fragilidades institucionais e têm provocado uma corrida por privilégios supostamente fundamentais à sua sobrevivência. Isso deprime a coleta de impostos por meio de evasão, fraudes, arbitragens e litígios protelatórios.

Regras diferenciadas reforçam a desigualdade. Há benefícios injustificáveis, e um bom exemplo é o incidente sobre o foie gras. Acredite-se ou não, a iguaria compõe a cesta básica.

Há incidências diferentes para uma mesma atividade econômica. Por exemplo, um carpinteiro pode pagar impostos diferentes a depender do regime fiscal: se empreendedor individual, se empregado de uma empresa optante do Simples, do lucro presumido ou do lucro real.

A pessoa que administre seus recursos por meio de um fundo exclusivo não paga Imposto de Renda, mas um aplicador no Tesouro Direto ou fundo de renda fixa pagará.

Sem falar na enorme falta de transparência sobre o quanto cada indivíduo ou empresa paga efetivamente de impostos.

São cinco impostos sobre consumo, com bases diferentes e sobrepostas, problemas em reconhecimento de créditos, inúmeros benefícios fiscais e regimes especiais, o que costuma gerar revisão de normas em alta frequência.

O resultado é a perda imensa de capacidade produtiva, com o fechamento de empresas, desistência de investimentos e de inovação. Os fiscos, por sua vez, têm enorme custo para arrecadar, as famílias e empresas estão no limite do que aceitam pagar, sem perceber os benefícios da política pública que financiam. Além de funcionalidade, o sistema tem perdido legitimidade.

Todas essas falhas estruturais resultam na elevada litigiosidade que alcança um terço do valor de mercado das companhias de capital aberto, em distorções na alocação de recursos e na perda de produtividade que explica 75% do diferencial de PIB per capita do Brasil em relação aos EUA.

Condena a todos ao baixo crescimento e hipertrofia artificialmente negócio de consultorias, administrações tributárias e varas de execução fiscal. Temos um ambiente de negócios deteriorado, muito em função do sistema tributário complexo, injusto e juridicamente inseguro.

Com a intensa crise recente, o aumento de impostos piorou o que já era disfuncional. Não há mais condições para remendos nem atalhos. O único caminho é o da reforma.

Por isso, vemos uma espetacular oportunidade para o Brasil. Percebemos, de um lado, o início de um longo ciclo de queda dos juros neutros em maior ou menor intensidade entre países e blocos econômicos, que implicará um ambiente de farta liquidez mundial. Por outro, a ameaça de aumento do protecionismo poderá levar à maior seletividade nas decisões de investimento.

Um importante requerimento para atrair capitais “produtivos” para financiar o crescimento é a reforma tributária. A percepção de um sistema mais simples, justo e seguro pavimentará apostas em projetos com horizonte de 20 anos ou mais.

É preciso ter neutralidade tributária para as decisões de produção e investimentos entre setores e regiões, com o estabelecimento de regras mais simples para todos, mais justas entre os grupos sociais, e com incentivos intergeracionais equilibrados para consumo, poupança e investimento.

É preciso corrigir distorções e incorporar o que já sinaliza a evidência empírica: benefícios tributários não desenvolvem regiões ou setores produtivos.

Essa não é função da tributação e, sim, da política pública. O que traz desenvolvimento é a redução de hiatos na aprendizagem, na infraestrutura, nas instituições, na inovação e na busca pela competitividade em um ambiente integrado com o resto do mundo.

Regionalmente, isso ainda passa por explorar vocações locais. O sistema tributário também não deve ser voltado aos interesses corporativistas dos fiscos, de arrecadar com mais facilidade e de serem mais remunerados por isso.

Sem modernização das regras tributárias, qualquer iniciativa para melhorar o ambiente de negócios terá baixo impacto. Basta de lutas, leões ou gladiadores. Precisamos de coesão e racionalidade para crescer.

Ana Paula Vescovi
Diretora de economia do Santander Brasil, foi secretária do Tesouro Nacional

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