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Kraft Heinz: dois gigantes dos alimentos que não combinam bem

Megafusão das empresas acabou por se transformar em uma megaconfusão

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The New York Times

A fusão entre a Kraft e a Heinz em 2015 criou uma das maiores companhias de alimentos do planeta. Sua receita anual combinada atingia os US$ 28 bilhões (R$ 116,8 bilhões), e ela controlava dezenas de marcas de comida e bebida que por gerações foram produtos de uso diário nos domicílios americanos, entre as quais o ketchup Heinz, os embutidos Oscar Meyer e as frutas secas Planters.

Mas a megafusão acabou por se transformar em uma megaconfusão.

As vendas e lucros despencaram. Depois de contabilizar uma depreciação de US$ 15,4 bilhões (R$ 64, 2 bilhões) em fevereiro e reduzir seus dividendos em um terço, a companhia diminuiu o valor de seus ativos em mais US$ 1,22 bilhão (R$ 5 bilhões) no mês passado.

As autoridades regulatórias das finanças estão averiguando sua contabilidade e, depois que uma investigação interna descobriu delitos por parte de empregados, a Kraft Heinz terá de corrigir suas prestações de contas financeiras referentes a 2016 e 2017.

A empresa enfrenta numerosos processos movidos por acionistas. E depois de demitir milhares de pessoas nos últimos quatro anos, anunciou novos cortes de pessoal na segunda metade de agosto.

Megafusão das empresas acabou por se transformar em uma megaconfusão - Chris Helgren/Reuters

Para o grupo de investimento brasileiro 3G Capital e para a Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, a fusão foi um raro —e dispendioso— passo em falso. Enquanto suas aquisições anteriores produziram grandes retornos, a transação que criou a Kraft Heinz criou bilhões de dólares em prejuízos contábeis.

As ações da empresa despencaram em 51% nos últimos 12 meses. Na semana passada, a 3G vendeu mais de 25 milhões de suas ações da Kraft Heinz, reduzindo em quase 10% sua participação na companhia.

Alguns analistas e antigos empregados da Kraft Heinz atribuem boa parte da culpa à 3G e ao seu uso de muito alardeada estratégia de formação de orçamento "de base zero", que os críticos dizem se concentrar mais em cortar custos do que em criar produtos que as pessoas desejem comprar.

Outros analistas apontam que as margens de lucro da empresa são muito mais elevadas do que as de rivais como General Mills e Kellogg. Argumentam que a Kraft Heinz está enfrentando os mesmos ventos adversos que outros grandes fabricantes de alimentos industrializados, e enfrentando dificuldades para se adaptar à virada na preferência dos consumidores rumo a alimentos mais saudáveis, em muitos casos orgânicos.

Também há a competição de grupos de varejo como o Walmart e o Kroger, que oferecem marcas próprias. Em agosto, a Target anunciou planos para criar sua marca de produtos de alimentação, que ela antecipa venha a incluir mais de dois mil itens e se tornar uma linha multibilionária pelo final do ano que vem.

"Os problemas da Kraft estão no mercado", disse Jim Peterson, ex-executivo da Kraft que deixou a companhia antes da fusão e agora é vice-presidente financeiro da Price Chopper Supermarkets. "Seus produtos continuam a ter os mesmos atrativos que tinham no passado? Como eles promoverão o crescimento de receitas? Esse é o dilema que enfrentam, e não é fácil responder".

A pessoa que terá de tentar encontrar a resposta é Miguel Patricio, que assumiu como presidente-executivo da Kraft Heinz em junho.

"Para mudar de verdade a direção de um negócio como o nosso, precisamos compreender o futuro, saber em que direção as necessidades dos consumidores e o mercado se encaminham —e em seguida investir rápida e coerentemente de forma a garantir que nossas marcas básicas atendam a essas necessidades melhor que as de nossos concorrentes", afirmou Patricio em comunicado.

Patricio se recusou a responder perguntas sobre coisas acontecidas antes de sua chegada à empresa, afirmando que seu foco era "a próxima fase de crescimento".

Ele chegou à Kraft Heinz vindo da Anheuser-Busch InBev, que a 3G criou em 2008 ao orquestrar a tomada de controle da gigante americana da cerveja Anheuser Bush por sua companhia AmBev.

Mais aquisições se seguiram. Em 2010, a 3G adquiriu a Burger King e fechou seu capital. Em 2013, formou uma parceria com a Berkshire Hathaway de Buffett para a tomada de controle da H.J. Heinz, por US$ 23 bilhões (R$ 95,3 bilhões). Em 2014, os parceiros tomaram o controle da cadeia de cafés canadense Tim Horton e a fundiram com a Burger King, dando à nova companhia o nome de Restaurant Brands International.

Em quase todas as suas transações, a estratégia da 3G é bastante simples: reduzir as despesas, melhorar a lucratividade e, tipicamente, expandir a receita por meio da aquisição de novas companhias. E aí repetir.

O orçamento base zero da companhia requer que os executivos justifiquem cada despesa em base anual, e não simplesmente tomem por base o orçamento do ano anterior. A 3G não respondeu a um pedido de comentário, e a Berkshire Hathaway se recusou a comentar.

Quando a Kraft e a Heinz se fundiram, Bernardo Hees, o economista brasileiro que comandava a Burger King, se tornou presidente-executivo da empresa combinada. Disse a analistas que a fusão renderia US$ 1,5 bilhão (R$ 6,2 bilhões) em redução de custos ao ano.

Os maiores cortes vieram na área de pessoal. Em agosto de 2015, pouco mais de um mês depois da conclusão do negócio, a Kraft Heinz demitiu por volta de 2,5 mil empregados, cerca de 5% de sua força mundial de trabalho. Entre eles havia 700 pessoas, ou cerca de um terço do pessoal, na sede da Kraft em Northfield, Illinois. Em novembro, a Kraft Heinz anunciou planos para fechar sete fábricas nos Estados Unidos e Canadá, cortando mais 2,6 mil empregados.

De Londres a Chicago, importantes responsabilidades antes divididas entre diversos empregados, como análise de mercado e negociações com supermercados, foram consolidadas nas mãos de uma só pessoa ou pequeno grupo. A cada rodada de demissões, as pessoas que permaneciam pareciam cada vez mais desanimadas, de acordo com antigos funcionários.

O pessoal da Kraft, que incluía profissionais com décadas de experiência, foi substituído por líderes da 3G, alguns dos quais virtualmente sem experiência no setor de bens industrializados de consumo, disse Robert Moskow, analista do banco Credit Suisse que cobre a Kraft Heinz.

"Em outras empresas da 3G, essa estratégia injetou energia nova e uma nova maneira de pensar, o que ajudou a eliminar algumas vacas sagradas", ele disse. "Mas é uma estratégia de alto risco."

Pelos primeiros 12 meses ou pouco mais, parecia que a estratégia estava dando resultado. O preço das ações da Kraft Heinz subiu, e no começo de 2017 a companhia fez uma oferta de aquisição ao conglomerado europeu Unilever, no valor de US$ 143 bilhões (R$ 596 bilhões). Depois de ser rejeitada, a Kraft Heinz retirou a oferta alguns dias mais tarde.

Logo começaram a surgir problemas. As vendas entraram em queda, e embora os esforços de corte de custos da 3G resultassem em margens de lucro robustas, as ações entraram em queda devido ao nervosismo dos investidores.

Este ano, a Kraft Heinz reconheceu que seus problemas eram graves. A companhia revelou ter recebido uma intimação da Securities and Exchange Commission (SEC), agência federal que regulamenta os mercados de valores mobiliários dos Estados Unidos, relacionada a uma investigação de sua contabilidade.

Em fevereiro, ela contabilizou uma depreciação de US$ 15,4 bilhões (R$ 64,2 bilhões) no valor de seus ativos, sinalizando que suas amadas marcas tinham perdido valor ante a estimativa que tinham quando da fusão quatro anos atrás.

Parte da questão, dizem analistas, foi que a 3G fez cortes quando a Kraft Heinz deveria ter ampliado seus esforços de pesquisa e desenvolvimento a fim de concorrer com as startups que cada vez mais roubam o espaço dos produtos das gigantes dos alimentos nas prateleiras do varejo.

Em 2014, antes da fusão, a Kraft gastou US$ 149 milhões (R$ 621,5 milhões) com pesquisa e desenvolvimento. Em 2017, a Kraft Heinz combinada gastou US$ 93 milhões (R$ 378,9 milhões), de acordo com documentos encaminhados às autoridades regulatórias.

Outros grandes fabricantes de alimentos estão aprendendo com os erros da Kraft Heinz. A General Mills conseguiu melhorar suas margens e introduzir novos produtos, como novas receitas de "mac and cheese" e uma linha de iogurtes em estilo francês. A Mondelez, gigante dos confeitos e salgadinhos, investiu em startups de alimentação de menor porte.

"Na verdade estamos em um ambiente no qual o custo de crescimento é mais alto, e no qual constante reinvestimento é necessário", disse Moskow, do Credit Suisse. "Não se pode chegar à prosperidade por meio de cortes de custos".
 
The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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