Reforma administrativa prevê fim da estabilidade de servidor

Pacote propõe ainda redução do número de carreiras e redesenho de salários

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Brasília

Em fase de ajustes finais no Ministério da Economia, a reforma administrativa que será apresentada pelo governo Jair Bolsonaro deve prever o fim da estabilidade para a maioria dos servidores públicos, uma drástica redução no número de carreiras, salários mais alinhados com o setor privado, rigorosa avaliação de desempenho e travas para as promoções.

Em entrevista à Folha, o secretário especial adjunto de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Gleisson Rubin, apresentou as diretrizes que o governo pretende incluir no pacote que será enviado ao Congresso neste semestre.

A reforma criará uma linha de corte para um modelo de serviço público totalmente novo. Com isso, as principais mudanças valerão apenas para aqueles que se tornarem servidores após a aprovação pelo Congresso. Os que já atuam no Executivo manterão a maior parte das prerrogativas, mas também serão afetados por mudanças pontuais.

“O modelo que nós temos hoje não se sustenta. Não teremos condições de continuar rodando com gastos com folha de pagamento nessa magnitude”, disse o secretário.

A despesa com pessoal é o segundo maior custo do governo federal, perdendo apenas para a Previdência.

Neste ano, segundo a última avaliação do governo, R$ 325 bilhões sairão dos cofres públicos para bancar salários, benefícios e encargos sociais de servidores. Em 2003, esse gasto era de R$ 187 bilhões, valor já atualizado pela inflação.

De acordo com o secretário, o novo serviço público, que virá a partir da linha de corte, deverá restringir a estabilidade de servidores. Para isso, seria criado um novo formato de contratação por tempo indeterminado sem essa proteção que dificulta que o governo demita.

A ideia é que essa prerrogativa seja concedida apenas a carreiras consideradas sensíveis ou sujeitas a pressões, como auditores fiscais, auditores do trabalho e diplomatas. Funções de caráter instrumental e administrativo perderiam esse direito.

“Você precisa assegurar que o efetivo que está a serviço do Estado consiga dar essa contribuição a despeito das desejadas e salutares mudanças de governo. Mas tem uma série de funções às quais não necessariamente essa proteção precisa estar associada”, afirmou.

Entre as mudanças, está o corte do total de carreiras para algo entre 20 e 30, número que ainda passa por avaliação. Hoje, são 117 carreiras que abrigam mais de 2.000 cargos. Embora muitos sejam semelhantes, o governo enfrenta dificuldades para movimentar esses servidores sem ser alvo de questionamentos na Justiça.

Outro pilar da reforma, segundo Rubin, trará uma reestruturação completa do sistema de remuneração e promoções no serviço público.

Os salários de entrada devem ser reduzidos e as tabelas remuneratórias, reorganizadas. O objetivo é fazer com que os rendimentos dos servidores fiquem mais próximos aos praticados pelo setor privado.

O que muda para quem entrar no serviço público após a aprovação:

  1. Criação de contrato por tempo indeterminado sem previsão de estabilidade no cargo. Prerrogativa da estabilidade será mantida apenas para cargos considerados sensíveis, como auditores e diplomatas

  2. Redução do número de carreiras do Executivo de 117 para no máximo 30

  3. Redesenho das tabelas salariais para que se aproximem do setor privado

  4. Redução dos salários de entrada

  5. Reestruturação das progressões para que o servidor só atinja o teto salarial no fim da carreira

  6. Extinção da progressão automática por tempo de serviço

  7. Maior rigor na fase de estágio probatório

Considerada uma distorção do sistema, a progressão automática de carreira por tempo de serviço deve ser extinta.

“Progressões automáticas são outra disfunção. Hoje, a progressão é por critério de antiguidade, e isso não pode ser critério. O critério tem de ser mérito”, disse o secretário.

No sistema atual, muitos servidores conseguem atingir o topo da carreira em menos de um terço da expectativa de tempo que ele ficará no serviço público. Com a reforma, serão criadas travas para essas promoções.

“Você pode ter uma quantidade maior de padrões e ter progressões anuais, ou uma quantidade menor de padrões com progressões a cada dois ou três anos. Mas é importante que o servidor estará, durante toda sua vida laboral, em busca de galgar posições superiores dentro de sua carreira”, ressaltou.

Definidos os pontos que valerão apenas para os novos servidores, o governo também proporá mudanças que atingem quem já está na ativa. Mudanças na avaliação de desempenho, por exemplo, valerão para todos.

Atualmente, a legislação já permite esse tipo de apuração, mas o instrumento não tem uso prático na administração pública. De acordo com Rubin, o governo deve tentar replicar o modelo usado hoje na CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Desse modo, seria criado um sistema de pontos para avaliação. Cada gestor teria uma quantidade limitada de pontos a distribuir entre sua equipe, sendo que o total não permitiria que ele desse nota máxima a todos os servidores. Com isso, seria forçado a fazer uma avaliação criteriosa.

O que valerá para todos, inclusive os atuais servidores:

  1. Avaliação de desempenho mais rigorosa. Deve ser criado sistema de pontos no qual o gestor não consegue dar nota máxima a todos os servidores e é forçado a fazer avaliação criteriosa

  2. Novos programas de capacitação

  3. Revisão de benefícios como auxílio-moradia e auxílio-funeral

  4. Marcação obrigatória de ponto eletrônico

O resultado das avaliações servirá para balizar as progressões de carreira. Ao mesmo tempo, os resultados negativos levarão a novos programas de capacitação.

Dentro da esfera das avaliações, o governo ainda pretende fazer ajustes na fase de estágio probatório. A etapa, que atualmente dura três anos e é similar a um período de experiência, poderá ser alongada. A avaliação mais rigorosa, por sua vez, deve levar a desligamentos, o que não ocorre na prática hoje.

Entre as mudanças, o governo também quer revisar os chamados penduricalhos do serviço público, como bônus de eficiência que são pagos de forma linear independente do desempenho, auxílio-moradia e auxílio-funeral. O novo modelo ainda está em debate.

Segundo Rubin, simultaneamente à reforma, o governo trabalha na implementação de ponto eletrônico na administração federal. O sistema integrado, que já começou a ser instalado em órgãos de Brasília e algumas outras cidades, será expandido.

Na terça-feira (3), técnicos responsáveis pela formulação da reforma apresentaram as linhas gerais dos projetos ao ministro da Economia, Paulo Guedes. No encontro, Guedes deu sinal verde para as ideias propostas.

 

Como as alterações envolvem um complexo conjunto de regras de diferentes hierarquias, a reforma exigirá a apresentação de um grupo de projetos, incluindo emenda à Constituição, lei complementar e lei ordinária.

Uma das propostas pretende estender mudanças aos servidores estaduais e municipais. A ideia é que todos os textos sejam apresentados simultaneamente ao Congresso.

O governo também discute com o Legislativo a possibilidade de criar gatilhos para reduzir a carga horária e o salário de servidores em caso de aperto fiscal.

Na avaliação do secretário, todo o conjunto de medidas poderá trazer alívio às contas públicas, mas a longo prazo.

O governo também conta com a economia que será gerada com a redução natural do número de servidores. Nos próximos cinco anos, 127 mil dos 705 mil servidores estarão aptos a se aposentar.

Apenas posições essenciais serão repostas e reajustes ficarão travados.

“A força de trabalho já está caindo, vai continuar caindo nos próximos anos e é desejável que caia”, afirmou.


Raio-X do serviço público federal

705 mil é o número de servidores ativos no serviço público federal

28% foi o crescimento do número de servidores entre 2001 e 2017, oito pontos percentuais a mais que o crescimento da população brasileira no mesmo período

127 mil é o total de servidores devem se aposentar nos próximos cinco anos. Apenas posições essenciais serão repostas

R$ 11.842 é o rendimento médio do servidor do Executivo federal, uma alta de 32% acima da inflação em 15 anos

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