Sul trava batalha do carvão para criar novo polo de gás

Empresa busca licença para abrir maior mina a céu aberto do minério no país

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São Paulo

No momento em que a atenção se volta para as queimadas e a exploração mineral no Norte do país, ganha corpo um plano para criar ao Sul um polo de geração de gás a partir da exploração da maior mina de carvão mineral a céu aberto do Brasil.

O projeto estimula empresas do setor, gera polêmicas em audiências públicas e protestos de ambientalistas no Rio Grande do Sul.

A Copelmi, maior mineradora privada de carvão do Brasil, tenta obter licenciamento ambiental para instalar a Mina Guaíba, projeto que prevê a extração de uma reserva mineral estimada de 166 milhões de toneladas de carvão bruto, a menos de 20 quilômetros do centro de Porto Alegre. O pedido solicita a exploração por 23 anos. 

O investimento pode chegar a mais de US$ 4 bilhões e inclui a instalação de polo carboquímico na área. Aberta a mina, termelétricas e indústrias de gaseificação poderiam se estabelecer no local para gerar energia e gás natural a partir do carvão.

O uso do gás mobiliza o ministro da Economia, Paulo Guedes, e tende a receber apoio de políticas federais. Para o Rio Grande do Sul, o projeto reduziria a dependência do gás da Bolívia e atrairia investimentos. Focada no polo, a Copelmi já assinou protocolo de intenção com a americana Air Products. Outras empresas já demonstraram interesse nos recursos do estado.

Pelo projeto, a extração terá dois processos: lavra a céu aberto do carvão, em até 90 metros de profundidade (operada por escavadeiras hidráulicas e caminhões de peso) e beneficiamento do minério. A atividade não inclui trabalho subterrâneo. 

A Copelmi diz que não haverá barragens de rejeitos, que serão jogados na cava.

Descolado da tendência do momento, em que projetos focam na geração de energias limpas, como eólica e solar, o empreendimento se encaixa na política estadual do carvão definida em lei em 2017, durante a gestão do governador de José Ivo Sartori. 

A proposta é reduzir a dependência do estado por insumos energéticos externos e promover o desenvolvimento “econômico sustentável” a partir dos recursos minerais locais. O Rio Grande do Sul tem quase 90% das reservas de carvão do Brasil.

A política mira a criação de um polo carboquímico com dois complexos, um deles no Baixo Jacuí, onde a Copelmi pleiteia a mina. A localização fica entre os municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas.

Defensores da Mina Guaíba argumentam que o polo pode alavancar a economia e gerar mais de 5.000 empregos. A justificativa ganha força no contexto da crise do estado, entre os mais endividados. Nesse ambiente, discute-se ainda a privatização da estatal CRM (Companhia Riograndense de Mineração), deficitária há quatro anos.

Em 2018, o governo do estado assinou um protocolo de intenção com a Copelmi. A atual Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura evita, no entanto, defender o plano abertamente por este estar sob análise da Fepam, órgão vinculado à pasta e responsável pelo licenciamento. 

 


“É um tema que nos preocupa, especialmente por uma possível associação com o que está acontecendo na Amazônia”, diz o secretário Arthur Lemos. “É preciso avaliar malefícios e benefícios.”

“O carvão continuará sendo muito necessário, conforme as projeções da Agência Internacional de Energia. Entre fontes térmicas, é a mais barata. Se precisamos do carvão para a segurança energética e para o gás natural, que a gente busque as fontes [fósseis] mais limpas”, afirma Cristiano Weber, gerente de sustentabilidade da Copelmi.

Presença de metais pesados gera temor e alimenta debates

O plano de criar um polo de geração de gás a partir do carvão gaúcho tem encontrado resistência de ambientalistas, ativistas e acadêmicos. A extensa lista de críticas levou à criação de um comitê de 50 entidades contrárias a projetos de “megamineração”. 

 “Vamos partir da premissa um: na experiência mundial, não existe exemplo de mineração limpa. Além disso, nenhuma cidade daqui enriquece mais com o carvão. Elas estão estacionadas”, diz Rualdo Menegat, doutor e professor do Instituto de Geociências da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). 

Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre, onde a Copelmi pleiteia área para uma mina - Fernando Cunha Krum/Folhapress


Os principais argumentos contrários são os riscos de contaminação hídrica e do ar. 

Além disso, a mina fica próxima a áreas de preservação, e sua instalação exigiria a realocação de comunidades locais de pescadores, indígenas e produtores de arroz.

“É importante destacar o tamanho da mina. A produção anual, de oito milhões de toneladas, seria equivalente à quase toda produção das 12 principais minas da região carbonífera de Santa Catarina. É uma área de quase 5.000 hectares”, diz Paulo Brack, doutor em ecologia e recursos naturais pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

O carvão mineral (não confundir com o carvão vegetal usado em churrasco) inclui em sua composição metais pesados, cujo índice pode variar de acordo com a reserva.

Segundo Menegat, os minerais do carvão têm até 1% de elementos tóxicos, como mercúrio, chumbo e manganês.

“São quantidades pequenas, mas se considerarmos um milhão de toneladas de carvão e quatro toneladas de chumbo, por exemplo, multiplicamos isso pela extração total nos 23 anos e são 500 toneladas”, diz.

Para Aldo Meneguzzi, presidente da CRM, os carvões de Charqueadas são conhecidos e estudados há muito tempo. “Os alegados danos ao ambiente que seriam causados pela futura mineração devem estar devidamente levantados nos estudos. As licenças ambientais somente serão liberadas se houver pleno atendimento da legislação”, afirma.

Segundo Cristiano Weber, gerente de sustentabilidade da Copelmi, a companhia sofre críticas injustas. “Tem desenho de gangorra com bebê de um lado e pedra de carvão do outro. Gente que nos chama de ‘novo Brumadinho’. Essa não é nossa postura”, diz.

A Copelmi rebate qualquer possibilidade de inundação do rio Jacuí (próximo ao local) invadir sua estação de tratamento e diz que acertou um plano de reassentamento de rizicultores. Sobre indígenas, afirma que a Funai informou que não há demarcação num raio de oito quilômetros.

A Fepam afirma que analisará nova documentação da  empresa e que a concentração de metais pesados no carvão da área é “muito baixa”.

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