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Atraso da entrada do Brasil na OCDE não tem relação com visita de grupo sobre suborno ao país

Decisão sobre o envio de missão ao Brasil por grupo ligado à OCDE é posterior à carta do governo Trump

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São Paulo

Uma publicação no Facebook que viralizou afirma que “o real motivo do adiamento da entrada do Brasil na OCDE” seria a decisão da Comissão Antissuborno da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) de enviar uma missão ao Brasil para acompanhar "retrocessos na área de combate à corrupção".

Na foto da publicação está o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, com a frase “Parabéns, Toffoli! Brasil pode ficar de fora da OCDE por retrocessos no combate à corrupção”.

Os dois fatos, no entanto, não estão relacionados. A carta em que o governo dos Estados Unidos apoia apenas o ingresso de Argentina e Romênia no grupo —que motivou o entendimento de que a entrada no Brasil na OCDE não ocorrerá tão cedo —é do dia 28 agosto (mas veio a público em 10 de outubro).

Na foto da publicação está o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, com a frase “Parabéns, Toffoli! Brasil pode ficar de fora da OCDE por retrocessos no combate à corrupção”.
Para atacar Toffoli, publicação relaciona erroneamente envio de missão de grupo da OCDE ao Brasil com carta do governo dos EUA à OCDE. - Reprodução/Projeto Comprova

O encontro do Grupo de Trabalho sobre Suborno em Transações Comerciais Internacionais da OCDE, em que a decisão teria sido tomada, ocorreu entre os dias 8 e 10 de outubro, em Paris. Compete ao grupo monitorar a Convenção Antissuborno, da qual o Brasil é um dos países signatários.

A publicação enganosa utiliza um texto do jornalista Guilherme Amado, da revista Época, publicado na última quinta (10), que divulga decisão da “Comissão Antissuborno da OCDE”.

No entanto, ela ignora o trecho em que o jornalista afirma que a medida “não tem relação com a decisão dos Estados Unidos de não apoiarem a entrada do Brasil na OCDE”.

A publicação viralizada utiliza o seguinte trecho, do texto da Época, para imputar a Toffolli o adiamento da entrada do Brasil do grupo.

“Entre os fatores que levaram o Brasil a receber a advertência está o inquérito das fake news do STF, a decisão de Dias Toffoli que, ao beneficiar Flávio Bolsonaro, limitou as atividades do Coaf e da Receita Federal, a Lei de Abuso de Autoridade e a intervenção política no combate à corrupção”, diz o texto.

Textos da Folha e do site O Antagonista também noticiaram a decisão, que ainda não foi divulgada oficialmente pelo grupo de trabalho da OCDE. Procurado pelo Comprova, o grupo de trabalho não respondeu.

Pela própria cronologia dos fatos, não seria possível que o não endosso dos EUA à adesão do Brasil este ano tivesse sido motivado pela decisão do grupo de trabalho, visto que a carta dos EUA é de agosto e a decisão do grupo de trabalho teria sido tomada em outubro.

O Comprova verificou uma postagem na página Juntos pelo Brasil no Facebook. Enganoso para o Comprova é o conteúdo que confunde ou que seja divulgado para confundir.

O grupo da OCDE sobre suborno

O Grupo de Trabalho sobre Suborno de Transações Comerciais Internacionais foi criado em 1994 e tem a responsabilidade de monitorar a implementação da Convenção Antissuborno da OCDE.

O texto de Guilherme Amado na Época, que é mencionado pela publicação que viralizou, faz referência ao grupo como “Comissão Antissuborno da OCDE” (OECD Working Group on Bribery, em inglês).

Desde 2000, o Brasil é signatário da Convenção Antissuborno. Além dele, assinam a convenção os 36 países membros da OCDE e outros 7 não-membros.

Em julho de 2019, o grupo divulgou nota afirmando que via risco na lei de abuso de autoridade aprovada pelo Senado.

Na programação do encontro, já constava na agenda do dia 10 de outubro o item “Ad-hoc report by Brazil”. A expressão significa relatório para uma finalidade específica, não é informado qual o tema do relatório.

Segundo apuração da Folha, o grupo vai averiguar se o Brasil tem cumprido as regras previstas na Convenção Antissuborno feita pela OCDE. O grupo é composto por representantes dos Estados participantes da convenção e se encontra quatro vezes ao ano em Paris.

Os integrantes analisam como cada país está cumprindo os critérios da Convenção Antissuborno e publicam relatórios sobre os avanços de cada nação no tema. Os relatórios também são divulgados publicamente.

A Controladoria-Geral da União (CGU) é o órgão responsável por coordenar internamente a participação do Brasil no grupo de trabalho sobre Suborno da OCDE. O Comprova questionou o órgão se o Brasil havia sido notificado de alguma decisão da organização, mas não obteve resposta.

O monitoramento de países é feito por fases. O Brasil já passou por três delas, que geraram cinco relatórios. A última fase de avaliação começou em 2014 e se debruçou sobre questões como a lavagem de dinheiro, a extradição e a cooperação internacional.

Durante essa análise, os integrantes do grupo de trabalho visitam o país e se reúnem com representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e do Ministério Público, além de representantes da sociedade civil e de entidades privadas.

O processo para adesão do Brasil à OCDE

A solicitação formal do Brasil para se juntar à OCDE foi feita em maio de 2017, no governo Michel Temer (MDB), representando um esforço para fortalecer os laços com as nações desenvolvidas do Ocidente, depois que governos anteriores priorizaram as relações com países em desenvolvimento.

Após oficializada a candidatura, demora em média de dois a cinco anos para se concretizar a entrada na OCDE.

Entre as razões, está a necessidade de acordo entre todos os 36 membros do bloco sobre a entrada de um novo membro. Além disso, o postulante tem que se adequar aos requisitos da organização, o que envolve mudanças legislativas.

Visita de Bolsonaro à Casa Branca

Em março deste ano, durante visita do presidente Jair Bolsonaro (PSL) à Casa Branca, o presidente Trump afirmou publicamente que endossaria a campanha brasileira para o ingresso na OCDE.

O apoio à entrada na OCDE seria o principal trunfo obtido pelo governo Bolsonaro na viagem. Ser membro da organização funciona como uma espécie de selo de qualidade de políticas macroeconômicas, e estimularia investimentos no país.

Apoio de Trump a Argentina e Romênia

A informação de que a entrada do Brasil na OCDE teria sido adiada partiu de uma carta do governo dos Estados Unidos, datada de 28 de agosto à OCDE, e que veio a público em outubro, após ser divulgada pela agência Bloomberg.

Na carta, o país declara apoio, no momento, apenas à entrada de Argentina e Romênia na organização. O Brasil não é mencionado no documento.

Por que o apoio de Trump é importante?

Para que um país tenha seu pedido de adesão à OCDE aprovado, é preciso que todos os 36 países membros da organização concordem, por consenso, tanto com o calendário quanto com a ordem dos convites. Só então tem início o processo de adesão à entidade.

O Estados Unidos vêm se opondo à ampliação da OCDE, em contraposição à União Europeia que defende uma ampliação mais acelerada da organização.

Segundo o secretário-geral adjunto da OCDE, Ludger Schuknecht, o Brasil está avançado em 82 dos 253 requisitos exigidos para se juntar à organização.

O que o governo Trump alega?

Integrantes do governo americano afirmaram nesta quinta-feira (10) que os EUA se comprometeram a apoiar Argentina e Romênia antes das conversas com o Brasil e que por isso estão seguindo esse cronograma.

Em maio, o diretor-geral da OCDE, Ángel Gurría, já havia sinalizado que Argentina e Romênia iniciariam com o plano de adesão até setembro, antes do Brasil, e os EUA também haviam deixado claro que são contrários à maior ampliação da OCDE.


Também participou desta apuração o Estado de S. Paulo.

Projeto Comprova

O Comprova é uma coalizão de veículos jornalísticos que visa identificar, checar e combater rumores, manipulações e notícias falsas sobre políticas públicas. É possível sugerir checagens pelo WhatsApp da iniciativa, no número (11) 97795-0022.

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