Descrição de chapéu Financial Times

Avanço do Google na computação quântica ajudará a resolver 'problemas impossíveis'

Computador pode produzir um grande passo avante na inteligência artificial

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San Francisco | Financial Times

A afirmação do Google de que a companhia atingiu "supremacia quântica", estendendo as possibilidades da computação para além de seus limites anteriores de forma decisiva, atraiu atenção e irritou algumas pessoas.

Mas isso não importa comparado ao que o gigante da internet diz que planeja fazer a seguir: construir um computador quântico plenamente funcional e em grande escala, capaz lidar com tarefas como a produção de modelos analíticos sobre a natureza em seu nível mais básico, e de produzir um grande passo avante na inteligência artificial —um campo no qual o Google já é visto por muitos como líder mundial.

A declaração de intenções surgiu na quarta-feira, quando a revista científica Nature publicou um estudo sobre o marco científico estabelecido pelo Google, a primeira ocasião em que uma máquina construída sob os princípios da mecânica quântica executou um cálculo que, para todos os fins práticos, é impossível para até mesmo o mais poderoso dos computadores "clássicos", construídos em linhas tradicionais.

Um dos computadores quanticos do Google
Um dos computadores quânticos do Google - REUTERS

O estudo publicado pela Nature, e noticiado inicialmente pelo Financial Times, se baseia em um teste essencialmente técnico conduzido pelo Google sobre sua tecnologia quântica, com pouco uso prático imediato.

Mas falando em público sobre sua realização pela primeira vez, os pesquisadores da companhia descreveram o trabalho como um ponto de partida que permitiria que saltassem à frente, daqui a uma década, para a construção de uma máquina capaz de lidar com questões de importância mundial.

Nas palavras de Erick Lucero, engenheiro de hardware no laboratório de pesquisa quântica da companhia em Santa Barbara, Califórnia, "nossa ideia é dar à humanidade uma nova ferramenta para resolver problemas que de outra forma seriam impossíveis".

As possibilidades mencionadas pelo Google incluem a solução de problemas complexos de otimização de escala imensa, por exemplo como alocar melhor recursos escassos, e participação no desenvolvimento de novos materiais e medicamentos. Uma esperança é encontrar uma maneira melhor de obter nitrogênio da atmosfera a fim de produzir fertilizante —um processo que no momento responde por cercas de 2% do consumo mundial de energia a cada ano.

A audácia da realização foi mais um momento clássico do Google. John Martinis, professor de física experimental que comandou o trabalho científico por trás dos recentes avanços da empresa em computação quântica, o comparou a outros momentos de avanço radical no passado da companhia, como o lançamento de seu serviço de buscas e a criação do Gmail. "Nós estávamos seguindo aquele modelo", ele disse, e o objetivo era causar choque ao restante do mundo da tecnologia ao desenvolver alguma coisa que salte por sobre o trabalho dos concorrentes.

A estranheza da mecânica quântica, que governa a maneira pela qual partículas subatômicas se comportam, não deixava claro, anteriormente, se seria possível dominar a tecnologia em um sistema complexo e de grande escala, de acordo com Martinis.

Mas as pesquisas por trás do estudo publicado na Nature envolviam computação em uma escala milhões de vezes maior do que qualquer coisa tentada antes, ele disse que deram "um salto realmente imenso, que acreditamos vá funcionar". Como resultado, afirmou Martinis, "não existe nada conhecido na Física que possa fazer com que isso fracasse".

Em outro grande avanço, a companhia afirma que os controles desenvolvidos como parte de suas pesquisas eram "compatíveis com futuros avanços", o que significa que podem ser aplicados a trabalhos envolvendo os sistemas quânticos ainda mais complexos que a empresa espera construir no futuro.

Isso não significa que novos avanços serão desnecessários. Martinis disse, por exemplo, que nos últimos três anos dedicou boa parte de seu trabalho ao complicado desafio de como integrar os diversos elementos de um sistema quântico —um problema que parece prosaico mas que acarreta imensas complexidades, em um sistema em larga escala.

E a companhia ainda não começou a trabalhar no desafio mais difícil de todos: o processo de correção de erros que é necessário para limpar os cálculos produzidos por sistemas que são inerentemente instáveis, um passo vital rumo à concretização de máquinas realmente resistentes a defeitos.

Determinar se o Google —e outros— extrairão muitos benefícios da tecnologia, antes que isso aconteça, é uma questão incerta, de acordo com Hartmut Neven, o gerente de produtos do Google que comanda o projeto quântico. Mas ele disse que a companhia já estava experimentando como usar a tecnologia, em seu estágio atual, a fim de ajudá-la na área de inteligência artificial. "Parece óbvio que isso deve ser um recurso muito valioso para o aprendizado por máquina", ele disse. "É algo com o que estamos mexendo".

A companhia também disse que abriria seu sistema a outras organizações que desejem começar a conduzir experiências com programação quântica, ainda que não tenha afirmado quando isso aconteceria ou quantos parceiros seriam admitidos. A empresa já anunciou parcerias com a Daimler Benz,Volkswagen e o Departamento de Energia dos Estados Unidos.

A promessa de atrair um grupo maior de seguidores para sua tecnologia quântica parece destinada a colocar o Google em concorrência mais direta com a IBM, que já montou um grande grupo de pesquisadores em torno de seus sistemas quânticos rudimentares. A Microsoft também tentou atrair desenvolvedores, por meio de ferramentas de software que permitem que eles comecem a simular programas quânticos em computadores "clássicos" existentes, embora ainda não tenha demonstrado um sistema quântico funcional usando sua versão da tecnologia.

Se o Google obtiver sucesso, enquanto isso, pode emergir dentro de uma década com controle sobre o computador mais poderoso do planeta. Os executivos da companhia preferem não falar sobre as implicações de um desdobramento como esse —especialmente em um momento no qual as grandes empresas de tecnologia vêm enfrentando reações adversas ao seu crescente poder— ainda que eles tenham tentado minimizar a escala da possível vantagem.

"Quanto a certos aspectos, tentamos ir além da competição", disse Neven. "Não se trata de uma companhia contra a outra, mas sim de humanidade contra a natureza —ou de humanidade com a natureza".

Sundar Pichai, o presidente-executivo do Google, afirmou em um post no site da companhia quarta-feira que ela aplicaria os princípios que desenvolveu para sua inteligência artificial, a fim de garantir que as crescentes capacidades de computação quântica da empresa não fossem usadas de maneira indevida.

Alguns pesquisadores da companhia também declararam que o impacto de seu trabalho provavelmente será mais benéfico por o estarem conduzindo de forma aberta, e não em um laboratório governamental secreto.

Citando comentários que ele disse terem sido feitos por Larry Page, o introvertido cofundador do Google e presidente-executivo da Alphabet, a companhia que o controla, Martinis acrescentou que "é muito mais importante ser aberto e construir um computador quântico, fazendo com que funcione, do que manter o segredo e vê-lo fracassar".

Tradução de Paulo Migliacci

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