Concessionárias de rodovias têm R$ 20 bi em investimentos parados

Pendências, apontadas pelo TCU, referem-se a 36 obras sob responsabilidade de 12 empresas

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Brasília

Concessionárias de rodovias deixaram de fazer, em dez anos, R$ 19,7 bilhões em investimentos pactuados com o governo federal. 

O cálculo, atualizado, consta de documento do TCU (Tribunal de Contas da União) obtido pela Folha.

As pendências se referem a 36 obras de duplicação, construção de contornos rodoviários e de terceiras faixas, sob responsabilidade de 12 empresas que assinaram contratos para gerir estradas nos governos Lula (entre 2008 e 2009) e Dilma (entre 2013 e 2015). 

Elas alegaram principalmente frustração de receitas e pediram recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos negócios, com aumento do valor dos pedágios, para levar os projetos adiante.

Auditoria do TCU julgada em setembro diz que as intervenções empacaram apesar de o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) ter autorizado, a juros subsidiados, R$ 17,2 bilhões em financiamentos para o setor entre 2004 e 2017 —o valor se aplica às operadoras como um todo. 

Embora a concessão seja, essencialmente, uma forma de o poder público transferir obrigações à iniciativa privada, o governo continuou como mantenedor indireto dessas estradas. Em 2014, por exemplo, os recursos liberados pelo banco foram 53% do total arrecadado pelas empresas.

Ao fechar acordo para administrar uma rodovia, as concessionárias se comprometem a fazer melhorias nas pistas, além de manutenção e conservação, como contrapartida à cobrança de tarifas.

Pelas regras dos contratos, afirma o TCU, essas obrigações cabem ao contratado e independem de aportes do governo ou da ajuda de bancos oficiais. As concessionárias, no entanto, sustentam que o Executivo prometeu, na época dos leilões, apoio com financiamentos. 

O TCU elenca uma série de fatores para a paralisia dos investimentos. 

Para ganhar as licitações dos governos petistas, as empresas ofereceram descontos muito altos nos pedágios e, logo no início da operação, já pediram revisões dos valores.

As concessões da gestão Dilma obrigavam as empresas a entregar 10% das obras de duplicação para começarem a receber tarifas. O tribunal constatou que, em cinco de oito casos, foi feito só o necessário —ou um pouco mais– para a cobrança ser iniciada.

Há casos em que as empresas se fiavam em empréstimos do BNDES e de outros bancos oficiais, mas eles não saíram.

Outro problema é que a situação de caixa das empresas se agravou a partir de 2014. A recessão diminuiu a quantidade de veículos nas pistas e, em consequência, a arrecadação.

Além disso, com a descoberta de esquemas de corrupção pela Lava Jato, as companhias do setor mergulharam em aguda crise financeira.

Segundo o TCU, a inércia da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) também contribuiu para que os investimentos não saíssem. Cabe ao órgão punir as companhias por descumprimento de contratos, o que não teria ocorrido a contento.

Auditoria do tribunal, noticiada pela Folha em fevereiro, afirma que as concessionárias arrecadaram irregularmente R$ 1,2 bilhão porque a agência deixou de fazer abatimentos obrigatórios nas tarifas, autorizou reajustes sem previsão contratual e permitiu a ampliação injustificada de custos com equipamentos. 

Entre os investimentos que emperraram, o mais alto, de R$ 3,8 bilhões, é a duplicação de 636 quilômetros da BR-163 (MS), a cargo da MS Via, do grupo CCR. A empresa alegou necessidade de revisão do contrato. 

A Concebra ainda não duplicou 583 quilômetros das BRs 153 e 262, em Goiás e Minas, ao custo de R$ 3,5 bilhões. Seu controlador, o grupo Triunfo, envolvido na Lava Jato, não conseguiu financiamento do BNDES no valor pleiteado.

A Via 240, que opera a BR-040 entre Brasília (DF) e Juiz de Fora (MG), aderiu ao decreto da relicitação, lançado recentemente pelo governo como forma de resolver o problema das obras.

A norma regulamenta lei que prevê a devolução amigável da rodovia, mediante o cumprimento de obrigações, até a realização de novo leilão.

A concessionária tem cinco projetos paralisados, entre eles a duplicação de 501 quilômetros da BR, por R$ 3 bilhões. É controlada pela Invepar, da OAS, que pediu recuperação judicial após ser envolvida no escândalo da Lava Jato.

A ANTT informou que prestará esclarecimentos ao TCU. Em nota, sustentou que, ao constatar inexecuções que são de responsabilidade da concessionária, “aplica as penalidades previstas em contrato e os fatores de redução tarifária, no momento das revisões/reajustes anuais”.

A agência afirmou que sete concessionárias respondem a processos de apuração de inadimplência, que podem levar à caducidade do contrato. Nos demais casos, acrescentou, as inexecuções “têm causas diversas e complexas, como licenças ambientais, problemas com desapropriações e divergências nas soluções de engenharia das obras”.

A MSVia informou que tem operado a BR-163 (MS) apesar dos “pesados desequilíbrios contratuais” que entende não lhe serem imputáveis e que “foram reconhecidos pelo governo”.

“A concessionária ajuizou, no ano passado, ação de reequilíbrio do seu contrato de concessão solicitando sua revisão ou, alternativamente, a sua rescisão por culpa do poder concedente”, afirmou, em nota.

A Triunfo disse que suas operadoras “sempre perseguiram o cumprimento dos contratos de concessão e que algumas obras não foram executadas por razões alheias à vontade das mesmas”. 

A empresa alegou que a Concebra foi prejudicada “com a quebra de confiança contratual pelo não financiamento do BNDES (uma promessa governamental na ocasião do leilão)”. E reclama que um reajuste de 10% no pedágio, devido à redução do número de mortes na rodovia, não foi aplicado em 2017 pela ANTT. 

A Via 040 reiterou que fará “devolução amigável” de sua concessão. “O pedido está em análise pela ANTT e deverá ser celebrado um aditivo contratual com novas obrigações da concessionária até que seja realizado um novo leilão.” 

A ECO101 disse que “enfrentou problemas conjunturais, como todas as demais concessões” do governo Dilma, como a crise econômica, que alterou, por exemplo, “a matriz do tráfego estimado para essas rodovias e a forma de financiamento anunciada antes dos leilões pelo BNDES”. 

Segundo a empresa, dos fatores que comprometeram o cronograma das obras na BR-101, foi mais significativo o atraso na liberação de licenças ambientais. 

A Arteris, responsável pela Autopista Litoral Sul, pontuou “que todas as obras de seus contratos ou estão em andamento ou estão devidamente reprogramadas”. 

A Rota do Oeste informou que os serviços de duplicação (e obras contíguas) foram paralisados ao se esgotarem as tentativas de reequilíbrio do contrato de concessão, “diante de diversos eventos, inclusive a não obtenção do financiamento de longo prazo, contrariando compromisso firmado à época do leilão da concessão por parte do governo”.

A ViaBahia alegou que o governo está descumprindo o contrato, pois “deveria ter revisado a obrigação de duplicação condicionada [ao tráfego], que já reconheceu como inexequível, há 5 anos.”

A Eco-050 (ex-MGO) sustenta estar em dia com as suas obrigações e que, conforme aditivo celebrado com o governo, a duplicação da BR-050 “deverá ocorrer até 30 de junho de 2020”.

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