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Marcos Mendes expõe em livro as dificuldades do país em fazer reformas

Economista investiga casos no mundo e aponta caminhos que facilitam a aprovação de propostas que alteram rumos econômicos

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São Paulo

Desde a publicação de “O Capital no Século 21”, obra de 2013 do francês Thomas Piketty, a questão da desigualdade está no centro do debate econômico. Também naquele ano, o Brasil e vários outros países entraram em um período de desconforto social que se reflete em manifestações populares e resultados eleitorais que puseram em xeque os regimes democráticos capitalistas do Ocidente.

O livro “Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil?”, do economista e colunista da Folha Marcos Mendes, coloca a revisão de uma série de direitos (ou privilégios) como necessária para promover a transformação econômica e social e reduzir as desigualdades no país.

O colunista Marcos Mendes
O colunista Marcos Mendes - Pedro Ladeira/Folhapress

“Realizar reformas econômicas é condição necessária para que o Brasil aspire entrar no grupo dos países de renda alta, baixa pobreza e baixa desigualdade”, diz o escritor, autor de “Por que o Brasil cresce pouco?”, de 2014, quando o país entrou em uma das maiores recessões de sua história.

Doutor em economia, consultor do Senado e ex-funcionário de carreira do Banco Central e do Tesouro Nacional, o autor foi um dos responsáveis pela elaboração da proposta do Teto de Gastos e do Regime de Recuperação Fiscal dos Estados, ambas aprovadas pelo Congresso, quando trabalhou no Ministério da Fazenda durante o governo Michel Temer (2016-2018).

Em geral, reformas econômicas tendem a ser associadas à retirada de direitos estabelecidos pelo contrato social firmado após a redemocratização no Brasil.

Um dos desafios para o autor, e para quem defende essas reformas, é mostrar que muitos desses direitos são privilégios concedidos a grupos organizados e compostos, em sua maioria, por quem está na metade superior da distribuição de renda no Brasil.

Em seu livro, Mendes cita as críticas de que as reformas propostas seriam prejudiciais aos mais pobres e aumentariam a desigualdade, e apresenta números que mostram que as políticas públicas entregam aos 10% mais pobres praticamente o mesmo que é distribuído para os 10% mais ricos.

É o que o autor chama de “distribuir para todos”, modelo baseado no inchaço do Estado e que tem perdido apelo entre a população desde a recessão iniciada em 2014.

Entre as políticas concentradoras de renda estão o abono salarial e o Benefício de Prestação Continuada (mais de 70% dos beneficiários não estão entre os 40% mais pobres), benefícios fiscais a profissionais de alta renda, crédito subsidiado para grandes empresas, privilégios a servidores públicos e a tributação concentrada no consumo. “No Brasil, é grande o potencial das reformas para reduzir a desigualdade e a pobreza, pois elas tendem a remover mecanismos geradores de privilégios a grupos de alta renda”, diz Mendes.

Um destaque levantado pelo autor é ter como fator facilitador de reformas a coesão social. Ou seja, o grau de confiança do indivíduo nos demais.

Nos países em que a sociedade é mais coesa, diz Mendes, as pessoas estão dispostas a fazer sacrifícios em nome de benefícios no futuro. Para isso, todos atuam de forma cooperativa, fazendo a sua parte de esforço e sacrifício.

O autor destaca o efeito da desigualdade e da questão da segurança sobre o nível de coesão social no país. “O Brasil é um dos países mais desiguais e violentos do mundo, onde as pessoas não confiam umas nas outras”, diz Mendes.

Mendes destaca, porém, que fazer reformas é difícil em todo o mundo, pois, mesmo que elas representem melhora para a coletividade, sempre haverá perdedores e ganhadores.

Em seu estudo, o autor discute casos de Austrália, Índia e México. E lista nove características que facilitam mudanças —e conclui que o Brasil não preenche nenhum quesito, como ter regimes políticos e partidários que facilitem a união em torno de propostas.

Mendes ainda trata da questão democracia versus reformas. Historicamente, tem sido mais fácil aprovar reformas em ambientes autoritários ou em democracias consolidadas —o Brasil não se encaixa em nenhuma das condições.

O autor diz, porém, que governos autoritários não são necessariamente reformadores e que, nesse caso, são maiores os riscos de que tenhamos perda da democracia e captura do estado por grupos de elite não reformistas.

Escrito antes da aprovação final da reforma da Previdência, o livro cita casos de êxito no Brasil, mas ressalta que os planos de estabilização da economia da segunda metade do século 20 foram derrotados por grupos de pressão, como empresários, funcionários públicos e empresas estatais.

Mendes cita contrarreformas representadas na Constituição de 1988 e no período 2005-2015, em que mudanças feitas foram revistas, resultando em “recessão sem precedentes”. No sentido contrário, o autor lista épocas de crise aguda que viabilizaram ajustes, como o Plano Real de 1994, a abertura comercial e as privatizações iniciadas no governo Fernando Collor, a instituição da Lei de Responsabilidade Fiscal e as alterações na Previdência nos governos de PT e PSDB.

A partir de Michel Temer (2016-2018), a agenda reformista voltou ao Congresso, adotada também por Jair Bolsonaro.

Em comum, esses momentos reformistas se caracterizam por graves crises econômicas ou por “lua de mel” entre parlamentares, sociedade e presidentes recém-empossados, que são janelas de oportunidade para mudanças.

No último capítulo, o livro traz 20 sugestões para facilitar a aprovação de reformas. Três delas tratam de questões bem atuais: o presidente deve liderar o processo, formar governos de coalização (o que não é crime) e repartir o protagonismo com os parlamentares.

Para o autor, a janela para reformas continua aberta para o atual governo. Basta avançar de forma persistente nas reformas econômicas e no aperfeiçoamento da democracia.

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