Descrição de chapéu Seminário Água e Energia

Brasil não sabe quanto custa a água, mas sabe que não está sobrando

Estudo indica caminhos para precificar água usada pelo setor elétrico em cenário de escassez

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São Paulo

Imagine-se que, em algum lugar do país, de poucas chuvas, em um ano especial de seca, seja um dia necessário decidir se vai haver água para beber ou para produzir energia.

Não é preciso imaginar, já acontece. O problema, de resto, não ocorre apenas em regiões mais áridas.

Em 2017, o volume de água do açude Castanhão, que abastece Fortaleza, entre outros usos, chegou a 5% de sua capacidade total. O reservatório fica na bacia do rio Jaguaribe, que fornece água majoritariamente para irrigação (73%), cidades, pecuária e para usinas termelétricas.

Na crise, o governo do Ceará passou a cobrar tarifa mais alta de termelétricas, que usam água para resfriamento. O objetivo, claro, era conter o consumo. Esse custo não estava previsto pelas geradoras de eletricidade. O caso foi parar na Justiça e, enfim, no bolso de todos os brasileiros, porque o preço da eletricidade subiu.

Rafael Kelman (esq.), diretor da PSR, Mário Menel, presidente do Fase (Fórum das Associações do Setor Elétrico), Solange David, vice-presidente do CCEE (Conselho da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) e Shigueo Watanabe, coordenador de pesquisas do Instituto Escolhas, em seminário no auditório da Folha, em São Paulo - Keiny Andrade/Folhapress

A solução do governo cearense parece intuitivamente razoável: não pode faltar água para beber. Mas, em geral, como decidir pelo melhor uso da água, dadas as alternativas em disputa? Qual o valor da água? A água escassa deve servir para a plantação de frutas em região árida, resfriamento de termelétricas ou para o estoque em reservatório de hidrelétricas?

Uma tentativa de responder a essa pergunta está no estudo "Setor Elétrico: Como Precificar a Água em um Cenário de Escassez", trabalho realizado pelo Instituto Escolhas, coordenado por Sergio Leitão e Shigueo Watanabe Júnior, com execução técnica da consultoria PSR.

Falta de precisão de informações atrapalha planejamento

O estudo foi debatido na quinta-feira (28), no auditório da Folha, em São Paulo. Não há resposta única. O valor da água depende de tempo e lugar. Talvez mais importante, faltam elementos para encontrar respostas precisas e instituições para lidar com a escassez. Quem arbitra o uso d'água? Um mercado? Uma comissão?

Os autores do estudo observam que o triênio de falta d'água de 2012-2014, que ameaçou de seca cidades como Fortaleza e São Paulo, nem foi o pior de que se tem registro desde 1931. Foi o 24º pior, indício sério de que, mais do que falta de chuvas, falta gestão.

O problema não para por aí. A parte mais antiga da série de dados, dos anos 1930 aos 1970, talvez não tenha precisão ou ainda seja relevante para projeções de disponibilidade de água.

Há dúvidas também sobre a precisão das medidas dos reservatórios de água. Não há medidas suficientes da retirada de água de rios, reservatórios, águas subterrâneas, muitas vezes clandestina.

Os custos não estão mapeados. Quem paga por outros efeitos de uso ou de contenção do uso da água? Por exemplo, o assoreamento de um rio, erosão de suas margens, problemas ambientais causados pelo pouco volume em um rio (como a invasão da água do mar ou a proliferação de organismos daninhos).

Rapidamente se percebe que é difícil dar valor adequado a um bem quando nem ao menos se sabe de sua escassez. Se não é possível dar valor ao bem, como saber para quem e como distribuí-lo (alocá-lo, para ser mais preciso)?

Não se trata, enfim, de uma questão abstrata. Não é possível planejar a expansão da oferta de energia elétrica se não se sabe o custo real de uma usina, pois se desconhece o valor da água. Não se sabe o custo real da produção agrícola quando o produtor, sem medida, critério ou talvez custo, usa a água que também abastece um reservatório que serve a uma usina hidrelétrica, transporte, pesca, abastecimento humano.

O que fazer? O estudo sugere que é preciso reconstituir a "série de vazões" (de água natural que entra no "sistema" a cada ano). Medir melhor a água da chuva. Medir melhor a extração de água para a agricultura e o gasto d'água de termelétricas, cada vez mais relevantes na oferta de energia do país. Segundo os autores, já se sabe que a abundância de água no Brasil é um mito. Falta agora medir a escassez e inventar um sistema para administrá-la de modo eficaz.

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