Fala de Guedes cria instabilidade de curto e longo prazo entre investidores

Dólar tem dia instável, e analistas já não projetam novos cortes na taxa de juros no ano que vem

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São Paulo

A fala do ministro Paulo Guedes (Economia) nesta segunda (25) sobre os novos patamares de juros e câmbio no Brasil e o risco de represálias do governo a eventuais protestos contra as reformas, na avaliação de economistas, geraram instabilidade no curto prazo e criaram um cenário de risco institucional para investidores de longo prazo.

A reação imediata veio do câmbio. A cotação do dólar subiu 0,6%, a R$ 4,2410, nesta terça (26), novo recorde nominal do dólar desde o Plano Real.

O mercado avalia que a alta de 5% do dólar no mês pode impactar a inflação e já projeta que não haverá novos cortes na taxa básica Selic em 2020.

A declaração, de que “é bom se acostumar” com juros mais baixos e câmbio mais alto por um bom tempo, dividiu opiniões no mercado financeiro. Alguns acreditam que ela foi proposital, outros creem que foi apenas uma fala infeliz.

Segundo o ministro, a alta do dólar não é um problema e a principal consequência será o aumento das exportações e a queda das importações.

Com a fala, durante viagem a Washington (EUA), investidores interpretaram que o governo está confortável com o dólar acima de R$ 4,20 e veem espaço para a cotação subir mais, apostando na alta, o que eleva o valor da moeda.

Ministro da Economia do Brasil Paulo Guedes
"É bom se acostumar com juros mais baixos e câmbio mais alto", declarou Guedes na segunda (25) - REUTERS/Amanda Perobelli

Por volta das 11h, quando o dólar beirava os R$ 4,27, o Banco Central interveio e ofertou dólares à vista. Depois de uma queda temporária, às 14h54, chegou a R$ 4,277, o que levou o BC a fazer novo leilão.

Dentre emergentes, o real foi a quarta moeda que mais se desvalorizou na sessão, atrás dos pesos colombiano, chileno e argentino. O movimento cambial se refletiu na Bolsa brasileira, que recuou 1,25%, a 107.059 pontos. No exterior, o viés foi misto, com índices da Bolsa de Nova York em leve alta, Bolsas europeias estáveis e da América Latina em queda.​

“Foi péssima a fala do Guedes. O dólar já estava alto ontem e hoje, com a fala dele, subiu mais. Pode ser que ele queria dizer que a moeda ficará em R$ 4,20, mas ele não deveria ter falado o que disse, parece que está jogando contra o país”, conta Mauriciano Cavalcante, gerente de câmbio da Ourominas.

 

“Guedes não falou nada de absurdo sobe juros e dólar, ele retratou a realidade. Com o diferencial de taxa de juros de Brasil e EUA baixa, é normal que o dólar suba. Com a fala, o mercado interpreta que ele está contente com o dólar nesse patamar”, diz Alan Ghani, professor de economia na escola de negócios St. Paul.

Para Fabrizio Velloni, chefe da mesa de câmbio e sócio da Frente Corretora, a fala de Guedes foi proposital, tendo em vista a divulgação, na segunda, do déficit em transações correntes de US$ 7,9 bilhões em outubro, pior resultado desde 2014.

“Ele não é inexperiente para falar algo assim sem saber que vai impactar o mercado. Ontem o anúncio de déficit corrente sinalizou um risco às contas, que pode ser revertido com real desvalorizado e mais exportações”, diz Velolloni.

“Não acho que tenha sido proposital. Ele foi infeliz na fala dele. Queria dizer que estava tudo bem, mas causou stress no mercado e piorou a situação. A fala sobre o AI-5 também pesou, gerando instabilidade política”, afirma Fernanda Consorte, economista-chefe do Banco Ourinvest.

Além de comentar sobre juros e dólar, o ministro disse que o AI-5 poderia voltar em resposta a possíveis protestos da oposição nas ruas.

Economistas que preferiram falar na condição de anonimato, além de considerarem a citação do AI-5 infeliz e desastrada, dizem que Guedes cria crise onde ela não existe.

Afirmam que, ao mencionar o risco de protestos no Brasil, similares aos que estão ocorrendo nos vizinhos, o ministro atrai uma desconfiança sobre a estabilidade institucional local, o que pode retrair ainda mais investidores de longo prazo, em especial os que miram infraestrutura.

Analistas do mercado pontuam que a recente alta também é fruto da saída de dólares do país. Neste ano, o saldo do câmbio está negativo em US$ 22,6 bilhões, recorde nominal da série do BC. Na Bolsa de valores: há saída de R$ 35,5 bilhões de investimentos estrangeiros no ano.

O economista Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências, afirma que a divulgação dos dados das contas externas e a fala do ministro sobre dólar e câmbio estão entre os fatores que se somaram ao ambiente de volatilidade no mercado visto nos últimos dias.

“Por mais que as declarações de cunho econômico estejam dentro do contexto, num momento de incerteza, isso gera mais volatilidade.”

O economista diz que a divulgação dos dados das contas externas também não passou despercebida no mercado. Afirma ainda que a diferença entre as taxas de juros no Brasil e no exterior não contribuem para a entrada de dólares para operações em que se busca ganhar com essa diferença.

A Selic está em 5% ao ano e deve cair para 4,5% em dezembro. O mercado previa novos cortes em 2020, mas, depois da disparada do dólar, os 4,5% se tornaram o novo piso dos juros futuros.

“O BC ainda vai reduzir mais uma vez os juros e parar por aí. Nunca o Brasil conviveu com taxas tão baixas e é normal uma pausa para avaliar os impactos. Até fevereiro, a gente espera sinais mais consolidados de melhora da atividade, levando o BC a avaliar que não há necessidade de maiores estímulos. Conforme a economia for retomando o fôlego, lá na frente, o BC vai reposicionar esse juro.”

Nesta terça, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, reafirmou que as expectativas para a inflação devem permitir o corte da taxa básica para 4,5% ao ano na reunião do Copom de dezembro. Também repetiu que os próximos passos da política monetária vão depender da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação.

Para Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, instituição que recebeu Guedes nesta terça-feira, o ministro perdeu a oportunidade de aumentar sua credibilidade junto à comunidade internacional na viagem aos EUA. No evento de segunda, errou ao falar sobre o AI-5.

No de terça, em um ambiente acadêmico, Guedes faz uma palestra com foco em investidores. “O ministro perdeu a oportunidade de apresentar números e falar com clareza sobre os problemas do país. Passou a impressão de que não tem uma agenda clara.”​


O que pressiona o dólar nos últimos meses, levando a cotação a recordes nominais:

Guerra comercial entre China e Estados Unidos

O conflito começou em março de 2018, mas ficou mais acirrado neste ano, com imposição de novas tarifas de importação entre os países em julho, agosto e setembro de 2019. No momento, chineses e americanos negociam um acordo para remoção de algumas destas taxas, que pode ser assinado antes de 2020.

A tensão entre as maiores economias do mundo preocupa investidores, que temem os efeitos do conflito na economia global, que vive desaceleração. Para proteger os investimentos neste cenário, estrangeiros tiram capital de países emergentes e os investem em ativos mais seguros, como o dólar, ou o tesouro americano.

Tensão na América Latina

O primeiro choque na economia brasileira com relação aos países vizinhos veio em agosto, com a inesperada vitória do peronista Alberto Fernández nas primárias da Argentina. Em seguida, os protestos no Chile, que culminaram na elaboração de uma nova Constituição.  Fora as eleições na Bolívia e Uruguai e uma crise institucional no Peru, onde um conflito entre a base de Fujimori e a oposição causou o fechamento do Congresso no final de setembro. Além da crise institucional na Venezuela.

Aos olhos do investidor estrangeiro, a América latina é um pacote e o Brasil está no meio deste furacão.

Leilão do pré-sal

A cessão onerosa dos volumes excedentes do pré-sal era vista por investidores domésticos como a grande entrada de capital estrangeiro no país neste ano. A expectativa, no entanto, foi frustrada, com um leilão sem concorrência e com lances mínimos, no qual apenas a Petrobras, em parceria com estatais chinesas, arrematou algumas áreas. Na ocasião, 6 de novembro, o dólar  subiu mais de 2% e foi a R$ 4,08.

Instabilidade doméstica

A saída do presidente Jair Bolsonaro do PSL e de Lula da prisão em Curitiba deixam investidores apreensivos quanto a articulação política para a aprovação das reformas tributária e administrativa.   

Queda de juros

Com a Selic na mínima histórica, em 5% ao ano, e a indicação de mais um corte para 4,5% em dezembro deixam a renda fixa brasileira menos atrativa a estrangeiros, que investem sob a estratégia de carry trade. Nela, o ganho está na diferença do câmbio e do juros, pois o investidor toma dinheiro a uma taxa de juros menor em um país, no caso, os EUA, para aplicá-lo em outro, com outra moeda, onde o juro é maior, o Brasil.

Em 2016, com a Selic a 14,25%, o diferencial entre a taxa brasileira e a americana ficou ao redor de 13,75% ao ano. Hoje, com a Selic a 5% e o juro americano a 1,5%, esse diferencial fica ao redor de 3,5%.

Economia fraca

Segundo previsões do mercado, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro deve ficar abaixo de 1% neste ano --0,99% de acordo com o Focus desta segunda (25)--, pior que 2017 e 2018, que tiveram crescimento de 1,3% e 1,1%, respectivamente.

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