Com arrecadação estagnada, prefeitos cobram IPTU de aeroporto privatizado

Guarulhos quer R$ 400 milhões em impostos atrasados da concessionária; para empresas, exigência é ilegal

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Amparadas por decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) em um cenário de déficit fiscal e arrecadação estagnada, prefeituras de cidades com aeroportos administrados pela iniciativa privada passaram a exigir das concessionárias o pagamento de IPTU. As empresas contestam a cobrança, que, de forma retroativa, já chega à casa de centenas de milhões de reais.

O país tem hoje 44 aeroportos sob concessão ou em estudo para repasse. Desses, 22 já foram concedidos, e os contratos não citam cobrança de IPTU.

Levantamento feito pela Folha mostra que as prefeituras das cidades de dez aeroportos em que as concessões já estão em operação plena fazem a cobrança ou planejam fazê-la. As concessionárias questionam a exigência em oito deles.

Apenas a Fraport, que opera os aeroportos de Fortaleza e Porto Alegre, fez o pagamento do tributo, relativo ao da capital cearense. A empresa diz que “essa medida irá aumentar os custos dos serviços para os passageiros” e que está surpresa com a decisão das prefeituras de cobrar o tributo.

Entre os que já cobram o imposto, o maior caso até o momento é o de Guarulhos, onde está o aeroporto mais movimentado do país. A prefeitura quer que a GRU Airport pague cerca de R$ 400 milhões referentes à dívida com o imposto.

A concessionária assumiu a operação em 2012, mas só passou a ser cobrada pela atual gestão do município no ano passado. A prefeitura quer receber, com juros e correção monetária, valor devido em cinco anos, período de prescrição do tributo.

Pelo cálculo da prefeitura, a GRU Airport, que tem entre seus acionistas a Invepar, a sul-africana Airports Company e a Infraero, deve pagar R$ 48,3 milhões ao ano de IPTU.

“Seguimos a jurisprudência do Supremo, que, em 2017, permitiu que a cobrança fosse feita quando houvesse exploração comercial da área”, afirma o secretário de Finanças, Ibrahim El Kadi.

Kadi faz referência a duas decisões proferidas pelo Supremo sobre cobrança de tributos em áreas públicas. Uma delas dizia respeito à cobrança de IPTU de terminais portuários arrendados, e outra, à possibilidade de exigir IPTU de uma concessionária de veículos localizada no aeroporto de Jacarepaguá, no Rio.

Em ambos os processos, o entendimento da corte foi o de que a imunidade recíproca de impostos entre entes federativos pode ser relativizada quando há exploração comercial de determinado espaço. 

A conta da Prefeitura de Guarulhos, portanto, não leva em consideração toda a área do aeroporto, só os segmentos em que há algum tipo de exploração comercial, como estacionamento, lojas de conveniência e outros negócios. 

De acordo com a metodologia adotada, o aeroporto foi fatiado em 65 imóveis diferentes, dos quais 2 foram declarados isentos, e o restante, tributável. Segundo a prefeitura, a concessionária não fez o pagamento porque “protocolou questionamentos administrativos sobre os lançamentos”.

“É mais uma medida para procrastinar o pagamento. Na época da administração da Infraero, a cobrança não era feita porque era uma instituição pública, e havia imunidade recíproca de impostos. A concessionária é privada, então existe legitimidade para cobrança”, afirma Kadi.

Segundo ele, o déficit da prefeitura, que chegou a R$ 7,4 bilhões em 2017, tem sido equacionado e deverá chegar a R$ 2 bilhões em 2020. A conta não inclui o eventual pagamento da GRU Airport, que entraria no caixa geral da prefeitura.

Para a GRU Airport, no entanto, o imóvel do aeroporto “é um bem público de propriedade da União, inscrito na Secretaria de Patrimônio da União e de natureza jurídica indivisível, nos termos da lei nº 7.565/1986”, que não estaria sujeito a pagar IPTU.

A concessionária passa por dificuldades financeiras. Teve prejuízo de R$ 324,6 milhões nos seis primeiros meses deste ano, número 12,7% maior que o registrado no mesmo período do ano passado. A GRU Airport faturou R$ 554 milhões no primeiro semestre.

Em Campinas, onde está Viracopos, a prefeitura também quer cobrar IPTU da combalida concessionária ABV, que está em recuperação judicial e corre o risco de ter a falência decretada em meio a uma disputa com a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), sua principal credora.

A prefeitura faz o lançamento do tributo desde novembro de 2018. Neste mês, cobrará o IPTU referente ao ano passado. O argumento usado para exigir o imposto também é a posição do STF.

A concessionária, porém, diz considerar “que não se enquadra na obrigatoriedade do pagamento do IPTU por entender que o aeroporto está localizado em uma área pública da União, além de exercer atividade de concessão de serviços públicos. Por esse motivo, há um recurso que tramita na esfera administrativa contra a cobrança”.

Nos casos de São Gonçalo do Amarante (RN), onde fica o aeroporto de Natal, e Brasília, a concessionária Inframérica contestou as cobranças e obteve na Justiça decisões que lhe deram o direito de não pagar o tributo.

As concessionárias dos aeroportos de Galeão, Confins, Fortaleza e Porto Alegre dizem considerar que não devem pagar o imposto, mesmo que sejam cobradas. 

A Floripa Airport, que administra o aeroporto de Florianópolis, não quis comentar o assunto, e a Vinci, que opera o de Salvador, não respondeu ao contato da reportagem.

Para advogados, cobrança é controversa

Para o advogado Fabio Falkenburger, do escritório Machado Meyer, a cobrança é controversa e pode dar às concessionárias argumentos para que peçam reequilíbrio do contrato ao governo federal, o que pode aumentar, por exemplo, o prazo de concessão ou a tarifa cobrada dos passageiros.

“Se cobrado o imposto, poderá haver pedido de reequilíbrio do contrato porque não era algo que estava na conta. Por outro lado, os contratos de concessão até agora consideram hipótese de pedido de reequilíbrio apenas a criação de tributos, o que não é o caso.”
“O Supremo pode ser provocado a decidir sobre a cobrança do imposto de maneira geral. Não me parece que as decisões usadas pelas prefeituras possam ser usadas como tese que ampara a cobrança”, afirma Renata Martins, sócia do escritório Siqueira Castro.

“A cobrança pode existir se a concessionária presta um serviço que não se enquadre [na categoria de] serviço público. No complexo aeroportuário, há áreas de exploração de atividade econômica, mas elas podem estar voltadas a atender ou complementar o serviço.”

Para a Anac, a cobrança do imposto depende da interpretação da Constituição. 

“A questão envolve a definição de limites da imunidade recíproca previstos na Constituição [...]. Em regra, é vedado aos entes da Federação (União, estados, DF e municípios) instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros [...]. Contudo, a Constituição também prevê que essa Loimunidade não se aplica na hipótese de exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados”.

O PPI (Programa de Parcerias e Investimentos), responsável pela realização dos estudos de viabilidade e pela formatação dos editais e dos contratos de concessão de aeroportos, disse à Folha que não previu até a última rodada de concessões (cujo leilão foi em março) a cobrança do IPTU.

Os contratos da última rodada, que leiloou 12 aeroportos, previram que é um risco assumido pelo governo a “alteração na legislação tributária que incida sobre receitas tarifárias ou afete os custos de obras ou de prestação de serviços associados às atividades remuneradas pelas tarifas aeroportuárias”.

Os mesmos contratos, porém, entendem como alteração legislativa “aquelas decorrentes de consolidação do entendimento jurisprudencial de tribunais superiores”, caso em que poderia se enquadrar a cobrança de IPTU.

A Folha entrou em contato com as 12 cidades que tiveram aeroportos concedidos no início do ano.

Apenas o Recife respondeu ao contato da reportagem, afirmando que vai cobrar o IPTU da concessionária Aena. Procurada, a concessionária não respondeu.

O PPI afirmou que, na próxima rodada de concessões, que vai passar 22 aeroportos à iniciativa privada em 2020, vai “deixar mais claro na matriz de riscos o que deve ser precificado pelo investidor interessado na sua proposta, como custo que terá de incorrer, tendo em vista o entendimento jurídico mais atual da incidência de IPTU”.

A Folha entrou em contato com 16 das 22 cidades que terão aeroportos concedidos. Das que responderam, Curitiba, Navegantes, Londrina e Manaus afirmaram que vão fazer a cobrança.

O governo pretende conceder, ainda, Congonhas e Santos Dumont. A Prefeitura do Rio diz que iniciou, neste ano, a cobrança de IPTU de Santos Dumont e de Jacarepaguá, com base nas decisões do STF, e que faz o cálculo para exigir do Galeão o tributo.

A Prefeitura de São Paulo disse que a eventual cobrança do imposto em Congonhas “dependerá do modelo jurídico a ser adotado [no processo de concessão] pela União”.


Concedidos em 2019

  • Recife
  • Maceió
  • Aracaju
  • João Pessoa
  • Campina Grande
  • Juazeiro do Norte
  • Vitória
  • Macaé
  • Cuiabá
  • Sinop
  • Rondonópolis
  • Alta Floresta

22 aeroportos deve, ser concedidos em 2020, entre os quais os de Curitiba, Navegantes, Londrina, Manaus, Goiânia, São Luís e Petrolina

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.