Não sou mais refém de um sistema judicial tendencioso, diz Ghosn

Ex-chefe da Nissan afirmou estar no Líbano não fugindo da justiça, mas de perseguições políticas

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São Paulo, Beirute e Tóquio

O ex-presidente da Renault-Nissan Carlos Ghosn disse em nota enviada à imprensa nesta terça-feira (31) que escapou de perseguições políticas, ao se pronunciar sobre sua ida ao Líbano.

"Não sou mais refém de um sistema judicial japonês tendencioso, onde prevalece a presunção de culpa, a discriminação é generalizada e os direitos humanos são violados, em total desrespeito às leis e tratados internacionais.“

Ghosn, que cumpria prisão domiciliar após o pagamento de fiança no Japão desde abril, afirmou ainda não estar fugindo da justiça.

“Eu me libertei da injustiça e da perseguição política. Agora posso finalmente me comunicar livremente com a mídia e estou ansioso para começar na próxima semana”, disse.

Por ter nacionalidade libanesa, o ex-chefe da Renault-Nissan tem proteções legais no país contra a possibilidade de extradição. Ghosn é nascido no Brasil e também tem a nacionalidade francesa.

principal advogado do ex-chefe das montadoras disse nesta terça-feira ter ficado perplexo com a notícia de que seu cliente fugiu para Líbano.

“Fomos pegos completamente de surpresa. Estou chocado”, disse Junichiro Hironaka a repórteres, acrescentando que ele não tinha contato com Ghosn e que soube pela televisão que seu cliente havia fugido do Japão. 

“É claro que é indesculpável, já que é uma violação das condições de sua fiança, é ilegal pela lei japonesa. Mas dizer que não entendo seus sentimentos é outra história”, afirmou Hironaka.

Segundo a rede pública de televisão NHK, a agência de imigração indicou que não tem registro algum de Ghosn saindo do país.

Além disso, seus três passaportes oficiais estão em mãos de seus advogados japoneses como uma das garantias que deveriam ser respeitadas como parte do acordo de fiança.

Hironaka, o advogado do executivo, explicou que ainda tem os documentos em sua posse, sugerindo que Ghosn fugiu com outra certidão ou escapou dos controles do país.

Segundo uma rede de TV libanesa, Ghosn teria escapado com a ajuda de uma agência de serviços de segurança privada sob o disfarce de uma banda. O grupo entrou na casa de Ghson para um jantar gregoriano e ao sair do local o executivo teria se escondido em uma caixa destinada à transferência de instrumentos musicais.

O Ministério de Relações Exteriores do Líbano informou que a entrada de Ghosn no país ocorreu de forma legal, com um passaporte francês.

A Direção Geral de Segurança do país também confirmou a entrada de Ghosn, afirmando que nenhuma medida impunha “a adoção de procedimentos contra ele” e que nada “o expõe a uma ação legal”. 

O jornal francês Les Echos diz que ele teria usado um passaporte falso para passar pelos controles de imigração no território japonês. Segundo a rádio francesa RFI, a secretária de Estado do Ministério da Economia e das Finanças da França, Agnès Pannier Runacher, declarou que Ghosn não está acima da lei, mas “tem o apoio consular da França”.

Segundo a defesa de Ghosn, a fiança provavelmente será anulada e o dinheiro pago (R$ 54,2 milhões) retido pela Justiça. 

Na ausência de um tratado de extradição entre Beirute e Tóquio, porém, é improvável que Ghosn seja devolvido ao Japão. O ex-presidente da Renault-Nissan aterrissou no aeroporto internacional Rafic al Hariri entre o fim de domingo (29) e começo de segunda-feira (30) em um jato particular, de acordo com agências e jornais estrangeiros.

No Líbano, Ghosn é sócio de diversos negócios, como uma vinícola. O governo do país chegou a interceder em seu favor depois de sua detenção em 2018.

Ghosn, no passado celebrado por ter revertido a situação de montadoras de automóveis problemáticas, caiu em desgraça em um dos casos corporativos mais dramáticos dos últimos 10 anos, depois de ser detido no aeroporto em novembro de 2018, no Japão, sob quatro acusações de delitos financeiros de conduta.

No país, mais de 99% dos indiciados são condenados. Mesmo que seja absolvido, os promotores podem recorrer à Suprema Corte, arrastando o caso por mais alguns anos.

Ghosn nega qualquer irregularidade, e a família dele afirma que ele recebeu tratamento desumano enquanto estava preso no Japão.

A mulher do presidente deposto da Nissan chegou a recorrer aos líderes mundiais, que se reuniram no Japão para a cúpula do G20, em junho, para tentar dar visibilidade ao caso do marido.

 

A Nissan diz que Ghosn declarou remuneração pessoal inferior à real, e dois relatórios financeiros identificam que ele deixou de declarar mais de US$ 80 milhões em remuneração postergada.

Os procuradores públicos japoneses montaram seu caso em parte com dados encontrados em um computador obtido no Líbano de um dos auxiliares de Ghosn.

Em julho deste ano, a polícia francesa fez uma operação de busca na sede corporativa da Renault em Boulogne-Billancourt, perto de Paris. Segundo informações, a polícia investigava o uso do Palácio de Versalhes para festa de casamento de Ghosn em 2016.

Meses antes, a Renault disse ter encontrado evidências de que a empresa havia pago parte dos custos do casamento do executivo. A festa atraiu a atenção da imprensa na época pela imponência e pelas vestimentas inspiradas em Maria Antonieta.


Leia declaração de Carlos Ghosn na íntegra:
 
Eu me encontro no Líbano neste momento. Não sou mais refém de um sistema judicial japonês tendencioso, onde prevalece a presunção de culpa, a discriminação é generalizada e os direitos humanos são violados, em total desrespeito às leis e tratados internacionais que o Japão tem ratificado e que é obrigado a respeitar. Não fugi da justiça –eu me libertei da injustiça e da perseguição política. Agora posso finalmente me comunicar livremente com a mídia e estou ansioso para começar na próxima semana.


1996 - Carlos Ghosn deixa a Michelin após 18 anos e assume o cargo de vice-presidente da área de compras na Renault

1999 - Renault compra participação majoritária na Nissan e Carlos Ghosn é designado chefe de operações da montadora japonesa. Surge a Aliança Renault Nissan

2001 - Ghosn acumula os cargos de CEO e presidente do conselho da Nissan

2005 - o executivo se torna também o CEO da Renault

2010 - Aliança Renault Nissan assina acordo de cooperação com a alemã Daimler, dona da Mercedes-Benz, para o desenvolvimento de motores e veículos

2016 - Nissan obtém o controle acionário da japonesa Mitsubishi, que também passa a ser presidida por Carlos Ghosn

2017 - Ghosn deixa a presidência da Nissan e passa a cuidar mais de assuntos de governo, com o objetivo de expandir a Aliança

2018 -  Presidente do conselho da Nissan, Carlos Ghosn é preso em 19 de novembro por supostas violações financeiras no Japão

2019 - Em março, Carlos Ghosn tem pedido de fiança aceito pela Justiça japonesa, que fixa pagamento no valor de cerca de R$ 34 milhões e exige monitoramento do executivo por câmeras.

Executivo é preso novamente, mas volta a ser solto sob fiança de outros R$ 18 milhões. Ele ficou sujeito, porém, a condições restritas como prisão domiciliar, proibição de deixar o Japão e outras condições para evitar a destruição de provas e a fuga.

Com agências de notícias

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