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'Guichê da boa vontade' com Brasil trava diante dos interesses de Trump

Governo brasileiro amanheceu tentando entender a razão e as consequências da medida protecionista do querido aliado

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Washington

A aparente sinergia entre Jair Bolsonaro e Donald Trump é exemplo constante dos que defendem que a relação entre Brasil e EUA alcançou patamares históricos.

Parte do governo brasileiro insiste que a empatia é suficiente para destravar impasses e conceder benefícios práticos ao país, mas o que ficou claro nos últimos meses em Washington é que o guichê da boa vontade formado para atender ao Brasil não vai se sobrepor aos interesses americanos.

A decisão dos EUA de retomar as tarifas sobre o aço e o alumínio que chegam do Brasil e Argentina é a mais nova —e simbólica— alegoria desse cenário.

O anúncio de Trump desta segunda-feira (2) surpreendeu o governo brasileiro, que amanheceu tentando entender a razão e as consequências da medida protecionista do querido aliado.

O presidente dos EUA, Donald Trump, e Jair Bolsonaro durante visita à Casa Branca, em Washington - Ting Shen - 20.mar.19/Xinhua

Desde que Bolsonaro tomou posse, a Casa Branca não contratou especialistas em Brasil e o escritório responsável pelo nosso país no Departamento de Estado segue restrito a meia dúzia de diplomatas.

A boa vontade é uma facilitadora poderosa no cotidiano da diplomacia e tem seu ápice consolidado durante as visitas presidenciais. O que diz respeito à agenda permanente, porém, demanda bem mais do que isso.

Apesar do discurso de que a relação avança e de reuniões entre o primeiro escalão dos governos serem feitas com periodicidade quase mensal —foram pelo menos nove em dez meses—, o Brasil não ganhou muita coisa em troca da devoção aos americanos.

Para ficar nos exemplos mais recentes, além das novas tarifas desta semana, o país não conseguiu derrubar o veto à importação de carne in natura nos EUA e viu postergado o pleito de entrada na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) com apoio do governo Trump.

O fechamento do acordo de salvaguardas tecnológicas da Base de Alcântara (MA) foi anunciado em março, quando Bolsonaro foi a Washington, mas quando a delegação brasileira flertou com a ideia de que o amor de Trump resolveria um pleito de quase 30 anos e abriria de vez o mercado para o nosso açúcar, ouviu não.

Acabar com as cotas tarifárias faria com que o republicano perdesse votos em estados produtores importantes, como Flórida e Louisiana, às vésperas da eleição de 2020.

Agora, a guerra comercial com a China também fala mais alto do que qualquer relação de empatia com o presidente brasileiro.

Quem acompanha o fluxo da relação diz que o interesse pelo Brasil não aumentou de fato nos EUA, mas que havia uma percepção de que existia mais custo político em dizer não ao Planalto.

Os chamados watch dogs —integrantes do governo americano cuja missão é colocar barreiras em tratativas bilaterais— estavam até agora mais mansos quando o tema sobre a mesa tinha o selo verde-amarelo.

Sabem que o Trump é simpático a Bolsonaro e, por enquanto, o republicano considera importante manter o brasileiro aliado.

A boa relação entre os presidentes não é um ativo desprezível para a diplomacia brasileira, mas ainda precisa se refletir em uma agenda intensificada e de investimentos para o Brasil que vá além das visitas de Estado.

Entregar esse roteiro na boca do guichê é o grande desafio do governo Bolsonaro, que até agora não tem tido sucesso na missão. 

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