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Impacto das redes sociais no trabalho vai do sucesso à destruição de carreiras

Mídias ajudam a amplificar vozes e ganhar dinheiro, mas são cenário de agressões e motivo para demissão

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Emma Jacobs
Londres | Financial Times

A mídia social transformou a vida profissional da parteira Clemmie Hooper, conhecida no Instagram como “mãe de filhas”. E, em seguida, ajudou a destruí-la.

Hooper recebia endossos de marcas, em seu trabalho como blogueira de estilo de vida e conselhos às mães. Mas, após admitir que usou o Instagram para deixar mensagens insultuosas anônimas em contas de rivais, fechou suas contas de mídia social, e houve pressão sobre o Conselho de Enfermagem e Obstetrícia do Reino Unido para que fosse impedida de trabalhar como parteira. O colegiado disse que “transmitiu as informações a todas as equipes relevantes”.

Embora Hooper tenha semeado suas próprias dificuldades, outros influenciadores viram suas vidas profissionais prejudicadas por acidentes da vida online, bem como por assédio e esgotamento.

Michelle Phan, uma das pioneiras dos blogs em vídeo sobre beleza, decidiu reduzir sua presença na mídia social. “Se você é um criador online, há uma liberação de endorfina quando as pessoas respondem com ‘likes’ e comentários. Viver online e receber muita validação é como uma droga.” - Michelle Phan no Instagram

Jenna Drenten, professora-assistente de marketing na Escola Quinlan de Administração de Empresas, na Universidade Loyola, em Chicago, diz que, “embora plataformas como o Instagram possam não encorajar seus usuários diretamente a se engajar com os agressores, a percepção do engajamento e a capacidade de aproveitar a economia da atenção para potencial monetização encoraja essas interações de modo inato”.

Um estudo demonstrou que algumas mulheres que operam como influenciadoras em plataformas de mídia social se engajam com assediadores publicando emojis engraçados ou abreviações como “lol” [“rindo alto”, em inglês], em lugar de apagar as mensagens deles manualmente, pois mesmo os comentários negativos ou agressivos aumentam o nível de engajamento, o que, por sua vez, resulta em maior visibilidade e em possibilidades de monetização.

Mas mesmo pessoas que não são influenciadores digitais viram suas carreiras prejudicadas pela mídia social. Em 2013, Justine Sacco, executiva de relações públicas nos EUA, perdeu o emprego depois de publicar um tuíte ofensivo.

Em 2016, Angela Gibbins foi demitida do British Council por delitos de conduta graves, depois de publicar uma mensagem ofensiva no Facebook sobre o príncipe George.

A despeito de usar os controles mais rigorosos de privacidade em seu perfil, a mensagem de Gibbins vazou para a imprensa. Um tribunal do trabalho sustentou a demissão, determinando que ela havia violado a orientação de seu empregador sobre o uso da mídia social, a de que “nosso pessoal deve ser cuidadoso quanto ao que diz mesmo que acredite que o comentário em questão é privativo”.

Em um artigo acadêmico publicado neste ano e intitulado “Perdi o emprego por uma mensagem no Facebook —isso é justo?”, Virginia Mantouvalou, professora de direitos humanos e leis do trabalho no University College de Londres, escreveu que os empregadores britânicos têm bons motivos para buscar controlar as manifestações de seus empregados na mídia social, porque elas podem, por exemplo, infligir possíveis danos ao “desempenho no local de trabalho, ao relacionamento harmonioso no trabalho e à reputação da empresa”.

A mídia social também pode interferir com o trabalho. A rapper Nicki Minaj (que tem mais de 108 milhões de seguidores no Instagram) disse que deixaria de publicar material no site porque este estava testando um novo sistema para impedir que os usuários vejam o número de “likes” de uma mensagem e falou por muita gente cujas atividades sofrem interferência da mídia social, ao comentar: “Hmmmm o que devo fazer agora? Pense em quanto tempo livre vou ter em minha nova vida”.

Outros se queixaram de que se preocupam tanto com a possibilidade de causar ira nos fóruns de mídia social que terminam por se autocensurar, o que também afeta seu modo de pensar.

Lorenzo Bizzi, professor assistente de gestão na Universidade Estadual da Califórnia em Fullerton, disse que tendemos a ter uma visão pouco sofisticada da mídia social e que não distinguimos entre seu uso passivo, ou seja, usá-la para ler mensagens, e o uso ativo, que envolve publicar conteúdo. “Comportamentos diferentes na mídia social causam reações diferentes.”

Bizzi também aponta que diferentes funções profissionais podem envolver usos divergentes da mídia social. Em um emprego criativo, por exemplo em uma agência de publicidade, visitar a mídia social pode propiciar uma pausa bem-vinda de cinco minutos, ou promover um senso de bem-estar, o que beneficia o trabalho produtivo. Mas, para as pessoas cujos trabalhos são entediantes e repetitivos, a mesma atividade pode ter implicações diferentes: uma visita rápida ao Twitter pode se transformar em horas de enrolação cibernética.

Mas pode ser que a culpa seja do emprego, e não da mídia social. Se o trabalho de alguém é insatisfatório, os atrativos do Instagram podem se provar maiores que os das planilhas. Roland Paulsen, professor associado de estudos organizacionais no departamento de administração de empresas da Universidade de Lund, na Suécia, pesquisa sobre o “trabalho vazio”, que ele define como “atividades privadas no trabalho”.

Em um estudo, ele argumenta que, “a despeito da massa esmagadora de pesquisas sociológicas que demonstram de que forma a competição endurecida da globalização conduz a uma precarização e a um avanço de sociopatologias, como a síndrome de ‘burnout’ [esgotamento], diversos estudos apontam que os empregados passam de 90 minutos a três horas de seus dias de trabalho realizando atividades não relacionadas ao seu trabalho”.

Outras pessoas consideram que a mídia social é benéfica para suas carreiras; freelancers, por exemplo, recorrem a ela para combater o isolamento e obter as interações sociais e fofocas de que eles ficam desprovidos por não trabalhar em um escritório.

A mídia social também pode oferecer uma plataforma para pessoas cujas vozes foram desconsideradas. Tanusree Jain, professora-assistente de ética e responsabilidade social corporativa no Trinity College de Dublin, escreveu que, “como mulher não branca, sei o quanto as pessoas ficam expostas a ‘trolls’”.

No entanto, ela aponta que a mídia social ajuda a amplificar vozes e opiniões que, “é triste dizer, não costumam ser ouvidas nas plataformas convencionais” e que isso criou modelos de comportamento que antes não existiam.

“A mídia social se tornou parte importante da vida e pode oferecer coisas positivas, em forma de amizades, camaradagem e informação, especialmente nas forças de trabalho. Mas também pode consumir nosso bem-estar emocional e nosso tempo, o que, por sua vez, pode afetar negativamente nossos sentimentos no trabalho com relação às empresas e aos colegas”, disse ao Financial Times uma mulher que trabalha no setor de aviação.

Tradução de Paulo Migliacci

 

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