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Pablo M. Bentes

Morre hoje, aos 24 anos, o Órgão de Apelação da OMC

Desde 2017, a administração Trump vem bloqueando a formação do consenso necessário para nomear os sete juízes do tribunal recursal

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Pablo M. Bentes

Este 10 de dezembro de 2019 marca um ponto de inflexão importante na história da governança global das relações econômicas. Morreu hoje, aos 24 anos, o Órgão de Apelação da OMC. Foi assassinado pelos Estados Unidos, por asfixia. 

Desde 2017, a administração Trump vem bloqueando a formação do consenso necessário para nomear os sete juízes do tribunal recursal.

Com o término do mandato de dois dos últimos três juízes remanescentes, a partir de hoje o Órgão de Apelação deixa de ter o quórum mínimo para emitir julgamentos e, portanto, deixa de ser operacional. Descanse em paz.

As razões para o homicídio são claras. Os EUA sempre foram maus perdedores e não raro resistiam em implementar decisões desfavoráveis emitidas pelo Órgão de Apelação, particularmente em disputas relativas à aplicação de medidas de defesa comercial (salvaguardas, antidumping e antissubsídios).

Para os americanos, o Órgão de Apelação não era suficientemente deferente às decisões emitidas por suas agências especializadas. Os EUA também consideram que os acordos da OMC têm natureza contratual e, portanto, cabe aos jogadores —e não ao juiz— interpretar as regras do jogo. 

Assim, sempre que o Órgão de Apelação adotava interpretações divergentes de cláusulas deliberadamente ambíguas, os americanos pediam falta e reclamavam de usurpação indevida de sua soberania. 

Apesar dessas dificuldades, nas duas primeiras décadas da OMC os americanos entenderam que a barganha ainda lhes era favorável. O relativo desconforto em matéria de defesa comercial era compensado pelos ganhos obtidos em outros temas, como direitos de propriedade intelectual e comércio de serviços. 

O fator que mudou este cálculo para os americanos foi a ascensão econômica e comercial da China desde sua acessão à OMC, em 2001. Donald Trump foi eleito com um claro mandato para combater o modelo de “economia socialista de mercado” chinês e assim reverter o processo de desindustralização em setores pouco eficientes de sua economia.

Para esses grupos, o Órgão de Apelação era um empecilho à habilidade americana de combater práticas desleais de comércio chinesas, e a barganha originalmente negociada em 1995 não valia mais a pena. Foi o princípio do fim. 

Não estou entre aqueles que consideram que o fim do Órgão de Apelação prenuncia um total esvaziamento do sistema multilateral de comércio, ou mesmo do mecanismo de solução de controvérsias da OMC. A organização continua ativa como foro negociador em temas importantes como subsídios à pesca, comércio digital e ambiente, e seu membros continuam utilizando o mecanismo de solução de controvérsias. 

No entanto, sem o Órgão de Apelação, a função de resolução de conflitos da OMC se torna menos previsível e mais assimétrica. As grandes economias terão a alavancagem necessária para resolver suas disputas comerciais dentro do sistema, ao passo que as economias menores ficarão a ver navios. Quem pode mais chorará menos.

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