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Sob risco de irrelevância, presidente Microsoft comanda período de riqueza

Eleito pessoa do ano pelo Financial Times, Satya Nadella conquista lugar único entre os barões da tecnologia

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Richard Waters
Financial Times

Satya Nadella, o presidente-executivo da Microsoft, conquistou um lugar único entre os barões da tecnologia que comandam o cenário digital atual.

A crescente riqueza e poder adquiridos pelas grandes empresas de tecnologia nos dez últimos anos se tornou um dos traços definitivos do capitalismo moderno. Mas Nadella se destaca, mesmo entre seus colegas.

Pelo final de novembro, o retorno total gerado para os acionistas da Microsoft nos seus quase seis anos como presidente-executivo ultrapassou a marca do US$ 1 trilhão (R$ 4 trilhões). Contraste esse fato com o momento em que ele assumiu o comando como terceiro presidente-executivo na história da companhia, quando esta parecia estar a caminho da irrelevância tecnológica, e rápido.

Esse exercício espantoso de criação de riqueza ocorreu em um momento no qual o proposito e o poder das grandes companhias vêm sofrendo mais escrutínio do que em qualquer outro momento dos últimos 100 anos. A busca obsessiva de valor para os acionistas está em questão, e políticos e autoridades regulatórias começam a demonstrar apetite por desafiar as companhias dominantes da era —especialmente no setor de tecnologia.

O presidente-executivo da Microsoft Satya Nadella - Stephen Brashear - 2.dez.15//AFP

Por isso, é notável que Nadella tenha reconduzido a Microsoft ao pináculo da tecnologia sem atrair os ressentimentos e ansiedades provocados por alguns outros líderes da tecnologia —ou, aliás, pela Microsoft mesma no passado. A companhia de software um dia foi vista como protótipo da intimidação, e usava seu monopólio sobre o software para computadores pessoais a fim de exercer domínio sobre o mundo da tecnologia.

A equanimidade que acompanhou a ascensão recente da companhia é prova do novo propósito central da Microsoft, bem como de uma cultura empresarial que reflete as qualidades pessoais de um presidente-executivo mais dado à humildade do que à arrogância intelectual pela qual a empresa foi conhecida um dia.

Ainda é cedo para julgar o impacto da nova Microsoft que Nadella vem construindo. Com o controle de uma das poucas plataformas de computação em nuvem que devem dominar a próxima fase da tecnologia, é provável que a empresa exerça influência significativa sobre o futuro dos negócios e da sociedade, para o bem ou para o mal.

Nadella mesmo está bem ciente dos riscos, e afirma ter estabelecido parâmetros para a empresa que garantirão que seu impacto no mundo seja benigno. Em um momento no qual a reputação do setor de tecnologia está em proporção inversa ao poder que ele adquiriu, o executivo também está ansioso por se distanciar da concorrência.

“Hoje não se pode dizer que haja um grupo fechado de grandes empresas de tecnologia”, ele declara, em referência ao que vê como diferenças chave de modelos de negócios entre as maiores companhias de tecnologia, que as colocam em percursos diferentes. Provar que a Microsoft mudou mesmo seu comportamento e se tornou uma nova espécie de gigante da tecnologia será o teste definitivo dessa afirmação.

Um marco do sucesso de Nadella em 2019 é a ausência da empresa das manchetes. Com foco de vender tecnologia mais a empresas que a consumidores, ela opera principalmente por trás das cenas, ainda que atinja os consumidores por meio do serviço de buscas Bing e de seu serviço de email, do console de videogame Xbox e de versões personalizadas de seu software para computadores.

Continua a haver muitas controvérsias a superar, das disputas entre a empresa e o governo dos Estados Unidos sobre o acesso a dados pessoais hospedados em seus servidores à escassez de moradias e outros problemas de crescimento causados por sua expansão na região da Grande Seattle.

No começo do ano, a Microsoft reservou US$ 500 milhões (R$ 2 bilhões) para apoiar a construção de moradias de preço mais acessível em sua cidade-sede, esvaziando anúncios semelhantes feitos por outras das grandes empresas de tecnologia mais tarde em 2019.

A crescente confiança de Wall Street na retomada do crescimento da Microsoft sob o comando de Nadella levou a uma alta de 50% no preço das ações da empresa ao longo de 2019, quase duas vezes superior à alta registrada pelo restante do mercado. Isso elevou sua capitalização de mercado para mais de US$ 1 trilhão (R$ 4 trilhões) pela primeira vez, e ela já está a um quinto do caminho do segundo trilhão.

Na metade de dezembro o avanço do valor da empresa na gestão de Nadella já se estendia a US$ 850 bilhões (R$ 3,4 trilhões). Se adicionarmos US$ 150 bilhões (R$ 609 bilhões) em recompra de ações e dividendos pagos no período, o retorno total para os acionistas gerado durante seu mandato já chega aos 13 dígitos.

O total ainda não se equipara ao de Tim Cook, colega de Nadella na Apple e pessoa do ano do Financial Times em 2014, que criou US$ 1,27 trilhão (R$ 5,1 trilhões) em valor para os acionistas em oito anos no comando da empresa (considerando o avanço de US$ 870 bilhões [R$ 3,5 trilhões], na capitalização da empresa no período e quase US$ 400 bilhões [R$ 1,6 trilhão] em recompras de ações e pagamento de dividendos).

Mas embora Cook tenha se provado um gênio operacional que realizou o potencial da companhia criada por Steve Jobs, o histórico de Nadella dependeu de comandar uma retomada corporativa muito mais fundamental.

“Ele trouxe uma nova cultura, um novo entusiasmo”, diz Michael Cusumano, professor de gestão no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). “A Microsoft voltou a ser um lugar empolgante em que trabalhar”.

Quando Nadella assumiu, a Microsoft estava em perigo por ter perdido quase todas as tendências importantes da tecnologia no novo século. Uma dispendiosa perseguição ao Google no mercado de buscas havia fracassado, e a companhia nem tentou ingressar no ramo de redes sociais.

Tentativas de acompanhar a Apple e o Google nos smartphones fracassaram completamente: uma das primeiras decisões de Nadella no comando da empresa foi fechar a divisão de celulares Nokia que a Microsoft havia comprado em um esforço final para ganhar mercado. E na computação em nuvem, um começo tardio a deixou muito atrasada com relação à Amazon.

A raiz do problema era o vício da Microsoft nos lucros monopolistas gerados pelo seu sistema operacional para computadores. O esforço de manter o Windows no centro do universo da computação atrapalhava os engenheiros da empresa, prejudicando seus esforços para levar a companhia aos ramos da computação móvel e computação em nuvem.

Nadella reagiu reconduzindo a Microsoft às suas raízes, procurando por um período anterior ao Windows, no qual as ferramentas de software da empresa eram usadas por outras companhias para desenvolver suas tecnologias. “Essa ideia fundamental de que construímos ferramentas, construímos plataformas para que outros possam construir mais tecnologia, é mais relevante e mais necessária em 2019 do que era em 1975”, diz o presidente-executivo.

Nadella tinha 46 anos ao assumir o comando da empresa, e é apenas 11 anos mais novo do que Bill Gates, um dos fundadores da Microsoft. De acordo com Cusumano, porém, essa diferença bastava para libertá-lo dos velhos dogmas da companhia. “Ele é a próxima geração – é parte da geração internet”.

Na perseguição à Amazon na computação em nuvem, a Microsoft conquistou recentemente um contrato histórico com o Departamento da Defesa dos Estados Unidos, em valor de até US$ 10 bilhões. A Amazon, favorita para obter o contrato, processou o Pentágono, afirmando que havia sido derrotada em função de favoritismos políticos.

Mas o fato de que a Microsoft tenha parecido capaz de realizar a tarefa, ainda que por enquanto não conte com todas as licenças de segurança necessárias, é um sinal das capacidades técnicas e da imensa infraestrutura de computação em nuvem que a companhia montou na gestão de Nadella.

O conselho da Microsoft não se voltou imediatamente a Nadella, quando chegou a hora de procurar um substituto para Steve Ballmer, e em lugar disso considerou diversos candidato externos para ocupar o posto. Mas a promoção nada dramática de Nadella ao cargo, no começo de 2014, aconteceu da maneira que caracterizou uma ascensão marcada pela visão técnica e por uma discreta confiança.

Criado em Hydebarad, o futuro líder da Microsoft foi reprovado no exame de admissão para o prestigioso Instituto de Tecnologia da Índia, mas obteve um diploma em engenharia elétrica pela Universidade de Mangalore antes de se transferir aos Estados Unidos, para estudar na Universidade do Wisconsin.

Sua primeira missão, ao ser contratado pela Microsot em 1992, foi trabalhar no Windows. Mas sua ascensão na empresa foi definida pela era da nova tecnologia. Ele ganhou reputação comandando o serviço de buscas Bing —sempre derrotado pelo Google mas ainda assim uma lição para a Microsoft sobre como construir e administrar serviços que atingem vastas audiências online. Nadella mais tarde assumiu o comando da Azure, a plataforma de computação em nuvem que a companhia estava começando a desenvolver.

Em uma empresa definida por intensas rivalidades, exibições escancaradas de ambição e competição feroz, o estilo despretensioso e colaborativo de Nadella se destacava, e tem posição central na nova cultura que ele tentou trazer à companhia.

Empatia é uma qualidade que ele preza muito, e tenta instilar na equipe da Microsoft. Ele atribuiu sua empatia à experiência de ter um filho que nasceu com paralisia cerebral. Isso resultou em anos de frustração pessoal, disse Nadella, até que aprendeu a encarar essa dificuldade com menos egoísmo.

Nadella promoveu uma nova mentalidade entre os trabalhadores da Microsoft, baseada em uma “perspectiva de crescimento” que envolveria estar constantemente aberto a novas ideias e ao aprendizado, em substituição à “mentalidade fixa” do passado. São conceitos que ele tomou de empréstimo à psicóloga Carol Dweck. E ele trabalhou para derrubar as barreiras internas, promovendo uma abordagem de “Microsoft unida” para integrar a companhia.

“No passado, essa era a cultura interna mais competitiva que já vi —todo mundo lutando pela vida”, diz Margaret Heffernan, empresária do setor de software que trabalhou nos problemas de gestão da Microsoft. “A cultura mudou radicalmente”.

Heffernan diz que a maneira pela qual Nadella usa a linguagem foi essencial. Para pessoas de fora do setor de tecnologia, seu uso de jargões pode parecer forçado. Mas para as pessoas da empresa, mensagens simples e repetidas frequentemente ajudaram a fomentar novos comportamentos.

Os resultados nem sempre são elegantes. “Nós deixamos de lado nosso comportamento sabe tudo, para pelo menos começar a jornada, culturalmente, e para dizer que o melhor é que nos tornemos aprende-tudos”, diz o chefe da Microsoft. Nadella afirma que esse ajuste é “difícil”, tenho em vista a cultura anterior da companhia.

Peggy Johnson, uma das primeiras contratadas para o grupo de gestão de Nadella, atribui crédito a ele por sua “consistência de mensagem” incomum. Isso transformou algo que poderia ser apenas um recurso retórico, no caso de outra empresa, em um verdadeiro propulsor de mudanças de cultura.

Depois de passar toda uma reunião de diretoria discutindo diversidade e inclusão, ela diz, Nadella passou a repetir exaustivamente os mesmos temas. “Não paramos de falar sobre isso. Não era só um assunto a tirar do caminho na pauta”.

De certa forma, a nova Microsoft, mais amena e gentil, reflete uma nova era na tecnologia, na qual a companhia já não pode agir sozinha e alianças, em áreas como a computação em nuvem, se tornaram mais importantes. “Satya compreendeu que, se não formássemos parcerias, não cresceríamos”, diz Johnson.

Nadella evita cuidadosamente declarar vitória em seus esforços para mudar a cultura da empresa. Afinal —como ele admite— fazê-lo demonstraria que a Microsoft voltou à mentalidade fixa. Em lugar disso, ele diz, “da Grécia antiga ao Vale do Silício moderno, a única coisa que atrapalha o sucesso e relevância continuados é a arrogância”.

A maneira pela qual a Microsoft exerce seu poder ressurgido no mundo da tecnologia ajudará a determinar a forma pela qual Nadella será julgado. Isso faz da batalha entre a companhia e a startup Slack um teste de o quanto a Microsoft —no passado conhecida por táticas altamente agressivas— realmente mudou.

A Slack realizou uma abertura de capital com sucesso este ano, mas suas ações caíram em 50%, devido a preocupações dos investidores com a possibilidade de um ataque aberto pela Microsoft, que vem promovendo um serviço concorrente chamado Teams.

Stewart Butterfield, presidente-executivo da Slack, se queixa da maneira pela qual a Microsoft exerce sua influência, acusando-a de “falta de espirito esportivo”. O Teams foi incluído gratuitamente no serviço Office 365 da Microsoft —uma técnica de “venda em pacote” que no passado causou problemas para a companhia quando as autoridades regulatórias a vetaram para uso com o Windows; Butterfield diz que a

Microsoft continua a oferecer o Teams aos usuários do Office mesmo que estes não o queiram. “Se a pessoa desativa o programa, eles o reativam. Se a pessoa desinstala o programa, eles reinstalam”, diz.

Mas Butterfield admite, relutantemente, sobre as táticas da Microsoft, que “eu provavelmente faria a mesma coisa”. E também aplaude a transformação da companhia sob o comando de Nadella. “Acho que ele fez muitas escolhas estratégicas boas”.

O presidente-executivo da Microsoft descarta as queixas de Butterfield. “A questão que ele deveria se perguntar é se a Slack existiria, sem o Windows, e recordar que continua capaz de distribuir seu produto para o Windows sem que a Microsoft interfira”, diz o executivo. Só porque a Microsoft concorre em dado serviço, ele acrescenta, isso não significa que ela feche o acesso às suas plataformas de software. “Não significa que vamos trancar uma camada para prejudicá-lo de alguma forma”.

Nadella diz que isso ilumina uma grande diferença entre a Microsoft e as demais empresas de tecnologia de grande porte. Ela não age como guardiã de seu território, e em lugar disso permite que desenvolvedores como a Slack cheguem à audiência do Windows “sem recolher impostos”.

Ele acrescenta que os rivais da empresa se beneficiam por terem acesso livre aos seus clientes por meio das plataformas da Microsoft. “O Google talvez ganhe mais dinheiro com o Windows do que a Microsoft. Diga-me outra plataforma sobre a qual isso seja verdade: nenhuma”.

Ele prossegue contrastando o papel de empresas como a Microsoft ao dos agregadores, que dominam mercados ao acumular mais conteúdo que os rivais —como o Google e o Facebook, na mídia online, ou a Amazon, no comercio eletrônico.

Referindo-se à maneira pela qual essas empresas operam, ele diz: “Elas transformar toda oferta em mercadoria genérica. Transformam até a demanda em mercadoria genérica, de certa forma. É uma dinâmica muito diferente”.

Os esforços de Nadella para retratar a Microsoft como a face responsável da tecnologia já duram alguns anos. Ele percebeu mais cedo que alguns rivais no Vale do Silício os potenciais percalços da inteligência artificial —e também foi um dos primeiros a codificar respostas. Sob Brad Smith, o presidente da Microsoft, a empresa defendeu a ideia de uma “convenção de Genebra digital”, estabelecendo termos para administrar futuros conflitos cibernéticos.

“Eles adotaram uma atitude muito mais ponderada sobre a tecnologia”, disse Heffernan. “Há uma grande oportunidade para que alguém tome essas questões e se retrate como o bom sujeito da tecnologia”.

Em última análise, será o sucesso da Microsoft como plataforma que apoie uma gama mais ampla de atividades digitais que determinará seu valor —para os acionistas da empresa e para a sociedade como um todo. De acordo com Nadella, as autoridades regulatórias do planeta não interferirão, por mais que a companhia cresça, desde que ela gere mais riqueza para aqueles que dependem de seus serviços do que gera para si mesma.

“Temos de criar um superávit local em cada país”, ele diz. “Ser grande não um problema, em si, desde que o superávit em torno seja amplo. Sinto que estamos do lado certo da história”.
 

Tradução de Paulo Migliacci

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