Descrição de chapéu The New York Times

737 MAX foi projetado por palhaços e supervisionado por macacos, dizem funcionários da Boeing

Mensagens trocadas por empregados mostram negligência da empresa na fabricação do modelo

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The New York Times

​Os funcionários da Boeing zombaram dos regulamentos federais, falaram sobre enganar os reguladores e brincaram sobre possíveis falhas no 737 MAX enquanto estava sendo desenvolvido, de acordo com mais de cem páginas de mensagens internas entregues na quinta (8) a investigadores do Congresso.

"Ainda não fui perdoado por Deus pela ocultação que fiz no ano passado", disse um dos funcionários em mensagens de 2018, aparentemente referindo-se a interações com a Administração Federal de Aviação (FAA na sigla em inglês).

As mensagens mais perturbadoras incluem conversas entre pilotos e outros funcionários da Boeing sobre problemas de software e outros nos simuladores de voo do avião 737 MAX, que posteriormente teve duas quedas, no final de 2018 e início de 2019, matando 346 pessoas e jogando a empresa no caos.

Aviões enfileirados em pátio
Impedidos de serem entregues às companhias aéreas, aviões 737 Max são estocados em pátio da Boeing em Seattle, no oeste dos EUA - Gary He/Reuters

Os funcionários parecem discutir casos em que a empresa ocultou esses problemas da FAA durante a certificação pelo órgão regulador dos simuladores, que foram usados no desenvolvimento do MAX, bem como no treinamento de pilotos que ainda não haviam comandado um 737.

"Você colocaria sua família em uma aeronave treinada no simulador MAX? Eu não", disse um funcionário a um colega em outra conversa de 2018, antes do primeiro acidente. "Não", respondeu o colega.

Em outro conjunto de mensagens, os funcionários questionaram o projeto do MAX e até criticaram seus próprios colegas. "Este avião é projetado por palhaços, que por sua vez são supervisionados por macacos", escreveu um funcionário em uma conversa em 2017.

A divulgação das comunicações —e-mails e mensagens— é o mais recente episódio embaraçoso da Boeing em uma crise que custou bilhões de dólares à empresa e provocou o caos na indústria da aviação em todo o mundo.

O MAX está suspenso há quase dez meses depois dos dois acidentes mortais. Um sistema de software desenvolvido para o avião teve participação nos acidentes, e desde então a empresa trabalha para atualizar o sistema.

Ainda não há indicação de quando o MAX poderá ser liberado para voar novamente, pois a empresa e os reguladores continuam descobrindo novas falhas potenciais no avião.

As mensagens ameaçam complicar o já tenso relacionamento da Boeing com a FAA. Tanto a empresa quanto a agência indicaram na quinta que as mensagens não levantam novas preocupações de segurança, mas ecoam comunicações internas preocupantes entre os funcionários da Boeing que foram divulgadas anteriormente.

Em vários casos, funcionários da companhia insultaram os membros da FAA que revisaram o avião. Em uma conversa de 2015, um empregado da Boeing disse que uma apresentação feita pela empresa à FAA foi tão complexa que os funcionários da agência e até ele próprio "pareciam cachorros assistindo TV".

Vários funcionários pareciam preocupados com o treinamento limitado das tripulações das companhias aéreas para pilotar o avião, uma vitória significativa para a Boeing que beneficiou a empresa financeiramente. No desenvolvimento do MAX, a Boeing prometeu oferecer à Southwest um desconto de US$ 1 milhão (R$ 4 milhões) por avião caso os reguladores exigissem treinamento em simulador.

Em um e-mail de agosto de 2016, um funcionário de marketing da empresa comemorou a notícia de que os reguladores haviam aprovado um breve treinamento em computador para pilotos que já tinham voado no 737 NG, o antecessor do MAX, em vez de exigir treinamento em simulador.

"Você pode estar longe de um NG há 30 anos e ainda conseguir saltar para um MAX? ADOREI!", diz o funcionário num e-mail, e posteriormente comentando: "Essa é uma grande parte da estrutura de custos operacionais em nossas plataformas de marketing".

A exigência de treinamento em simulador pode custar caro para as companhias aéreas, e mesmo após os acidentes a Boeing disse à FAA que não era necessário. Somente na terça-feira (7) a Boeing afirmou que recomendaria treinamento em simulador para pilotos do MAX.

A Boeing lamentou as mensagens na quinta. "Essas comunicações contêm linguagem provocativa e, em certos casos, levantam questões sobre as interações da Boeing com a FAA em conexão com o processo de qualificação do simulador", disse a empresa em declaração ao Congresso. "Depois de analisar cuidadosamente o problema, estamos confiantes em que todos os simuladores do Boeing MAX funcionam de maneira eficaz."

"Lamentamos o conteúdo dessas comunicações e pedimos desculpas por elas à FAA, ao Congresso, a nossos clientes de companhias aéreas e ao público", acrescentou a Boeing. "A linguagem usada nessas comunicações, e alguns dos sentimentos que elas expressam, são inconsistentes com os valores da Boeing, e a empresa está tomando as medidas apropriadas em reação. Isso acabará por incluir ações disciplinares ou outras contra funcionários, uma vez que as revisões necessárias sejam concluídas."

As mensagens causaram indignação em vários parlamentares, que viram um desrespeito à segurança e problemas mais amplos na cultura da empresa.

O senador democrata Richard Blumenthal, de Connecticut, disse em uma entrevista que pediria novas audiências no Congresso para questionar a direção da Boeing sobre as mensagens "surpreendentes e assustadoras".

A companhia disse que notificou a FAA sobre os documentos em dezembro e que "não encontrou nenhum caso de falsas declarações à FAA sobre suas atividades de qualificação do simulador", apesar do comentário do funcionário sobre "ocultar" problemas do simulador.

Lynn Lunsford, porta-voz da FAA, disse em comunicado que as mensagens não revelam novos riscos à segurança.

"Ao revisar os registros do simulador específico mencionado nos documentos, a agência determinou que o equipamento foi avaliado e qualificado três vezes nos últimos seis meses", disse Lunsford. "Quaisquer possíveis deficiências de segurança identificadas nos documentos foram resolvidas."

Lunsford acrescentou que "embora o tom e o conteúdo de algumas frases contidas nos documentos sejam decepcionantes, a FAA continua enfocada em seguir um processo completo para devolver o Boeing 737 MAX ao serviço de passageiros".

O relacionamento entre a Boeing e a FAA tem sido um fator complicador para a empresa, que trabalha para convencer os reguladores internacionais de que o MAX está pronto para voar. No mês passado, a Boeing demitiu seu presidente-executivo, Dennis A. Muilenburg, cujas projeções otimistas sobre o retorno da aeronave ao serviço criaram uma contenda com o regulador.

Stephen Dickson, novo chefe da FAA, adotou um tom mais assertivo nos comentários públicos sobre o MAX, instando seus funcionários a ignorar a pressão externa para acabar rapidamente com a suspensão do avião e dizendo à Boeing que não há um prazo definido para o retorno do MAX.

Em uma reunião com Muilenburg no mês passado, Dickson disse à empresa para não fazer nenhum pedido ao regulador e concentrar-se em concluir a documentação necessária para que os reguladores avaliem a atualização.

No ano passado, a Boeing divulgou mensagens internas de 2016, nas quais um dos principais pilotos que trabalhavam no avião dizia a um colega que teve problemas para controlar o MAX em um simulador de voo e acreditava que havia enganado a FAA.

"Eu basicamente menti para os reguladores (sem saber)", disse o piloto Mark Forkner a seu colega Patrik Gustavsson.

A Boeing não informou à FAA sobre as mensagens quando a empresa as descobriu, esperando até duas semanas antes que Muilenburg depusesse ao Congresso para enviá-las aos parlamentares. A conversa, que ocorreu antes da aprovação do MAX, irritou os principais funcionários da FAA, que se sentiram enganados pela empresa, segundo três pessoas familiarizadas com o assunto.

Após as audiências no Congresso, a Boeing retirou Gustavsson de sua função na certificação de novos aviões.

Na quinta, o deputado democrata Peter DeFazio, do Oregon, que lidera a investigação na Câmara sobre o desenvolvimento do 737 MAX, chamou as mensagens recém-divulgadas de "incrivelmente condenatórias".

"Elas pintam uma imagem profundamente perturbadora de como a Boeing estava disposta a fazer tudo para evitar o escrutínio dos reguladores, das tripulações e do público", acrescentou, "mesmo quando seus funcionários estavam dando alarmes internamente."

Presidente demitido da Boeing vai receber US$ 62 milhões

Dennis A. Muilenburg, que deixou a Boeing no mês passado em meio à maior crise da história da fabricante de aeronaves, receberá US$ 62,2 milhões entre ações, prêmios e recursos de fundo de pensão.

A empresa informou que ele não receberá nenhum outro valor como indenização por sua demissão. David Calhoun, seu substituto como presidente-executivo, ganhará um bônus de US$ 7 milhões se conseguir tornar seguro para voar novamente o 737 MAX, cujas operações estão suspensas desde março.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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