ANP avalia autorizar delivery de gasolina; postos se opõem

Fase de testes pode começar em 2020; estabelecimentos veem risco à segurança

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Rio de Janeiro

A ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) avalia autorizar ainda neste ano a oferta, em fase de testes, de serviço de entrega de gasolina em domicílio, atividade que vem gerando polêmica no mercado brasileiro de combustíveis.

Para distribuidoras e postos, as operações podem trazer risco ao abastecimento, caso não respeitem regras de segurança. Os defensores alegam que o serviço já é prestado em outros países e que a competição é boa para o consumidor.

A primeira empresa a pedir autorização para fazer delivery de combustíveis foi a GOfit, do Rio. A companhia começou a prestar o serviço em 2019, oferecendo gasolina e etanol, mas vem sendo questionada por concorrentes na Justiça.

Até agora, quatro entidades já obtiveram liminares contra a GOfit: a Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes), o sindicato dos TRRs (Transportadores e Revendedores Retalhistas, empresas que operam na venda de diesel a grandes clientes) e sindicatos de postos do Rio e Minas.

Ainda assim, o setor reclama que a GOfit continuou fazendo abastecimentos.

GOfit empresa que faz delivery de combustível
Camionete da GOfit, que começou a prestar serviço no RJ, mas é questionada na Justiça - Divulgação

A ANP já autuou o posto Vânia, parceira do projeto, por vender combustíveis fora do estabelecimento, o que é vedado pela legislação. Os outros parceiros são a distribuidora de combustíveis 76 Oil e o desenvolvedor de software Delft.

A GOfit funciona via aplicativo para celulares, seguindo o exemplo de serviços de entrega de comida, como Rappi e Uber Eats: após se cadastrar, um veículo adaptado leva o combustível do posto Vânia ao endereço solicitado. Por enquanto, a companhia só prevê operações em alguns bairros da zona oeste do Rio.

A entrega é feita por camionetes com dois tanques, um para gasolina e outro para etanol, com capacidade para transportar até mil litros de combustível. 

Fontes do setor dizem que outras empresas estão de olho no mercado. Embora a iniciativa seja vista com bons olhos, a ANP ainda não emitiu autorização, alegando que é preciso estabelecer regras para a prestação do serviço sem riscos.

Distribuidores e revendedores citam entre os riscos a possibilidade de abastecimento em ambientes fechados ou em cima de bueiros, já que a atividade emite gases e está sujeita a vazamentos –nos postos, canaletas contêm o produto que vaza durante no processo.

"Eu sou obrigada a ter caixa separadora nos postos para armazenar o resíduo de chuva, sou obrigada a ter piso impermeável...", diz a presidente do Sindcomb (que representa os postos do Rio), Maria Aparecida Siuffo Schneider. "É possível imaginar que a ANP tenha fiscais suficientes para andar atrás de carrinhos e garantir que as regras sejam cumpridas?"

Eles reclamam ainda da possibilidade de aumento nas fraudes no setor, que já convive com esquemas para sonegar impostos e roubo de combustíveis em dutos da Petrobras. E de dificuldades na fiscalização de problemas de quantidade e qualidade do produto.

Na decisão que concedeu liminar ao SindiTRR, o juiz Márcio Alexandre Pacheco Silva alegou que os veículos podem, "em última análise, ser considerados verdadeiras 'bombas ambulantes', expostos ao calor, à criminalidade e às substâncias sociais e àquelas imprevisíveis", como celulares ou guimbas de cigarro.

"Toda mudança gera ruído, é normal. Quando a Uber apareceu, gerou um ruído danado", diz o superintendente-adjunto de fiscalização da ANP, Marcelo da Silva. Segundo ele, a agência ainda não bateu o martelo sobre a liberação do serviço, mas vem "avaliando quais as condições para permitir que a empresa atue".

O órgão regulador do setor de petróleo já discutiu o tema em reunião com o Inea (Instituto Estadual do Meio Ambiente), a Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Rio, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e o Ipem (Instituto de Pesos e Medidas).

Na reunião, o representante da GOfit defendeu que o modelo traz como benefícios maior comodidade, facilidade de comparar preços e segurança no abastecimento. Para o revendedor, afirmou, a principal vantagem seria a abertura de um novo canal de vendas.

Segundo a empresa, os motoristas são treinados para prestar o serviço e as camionetes são equipadas com equipamentos de segurança, como cones, cabos de aterramento e medidores da presença de gás, além de câmeras. A localização dos veículos é monitorada em tempo real.

Em nota, o Inea disse que ainda não recebeu pedido de licenciamento ambiental para a venda de combustíveis na modalidade delivery. 

Procurada, a ANTT não respondeu ao pedido de comentários sobre o assunto.

O superintendente-adjunto da ANP diz que, caso o teste seja aprovado, será com tempo e área geográfica determinados. E que os abastecimentos serão acompanhados por técnicos. Ele ressalta que o próprio aplicativo impõe algumas restrições, como a áreas fechadas.

"A ANP está invertendo o processo", afirma o presidente da Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes), Paulo Miranda. "Como vai fazer testes com uma coisa que é inflamável?"

A Folha tentou falar com os parceiros do projeto, mas não obteve respostas. No posto Vânia, a reportagem foi informada de que não havia representantes para comentar o assunto e que não havia autorização para informar número de telefones celulares.

Procurada por redes sociais e pelo formulário de contato do aplicativo, a GOfit não respondeu ao pedido de entrevista. A distribuidora 76 Oil também não se pronunciou.

As empresas do setor questionam ainda a propriedade da empresa. Na reunião com a ANP, segundo a ata à qual a Folha teve acesso, o representante da GOfit teria dito que credenciará apenas compradores da Refit (antiga Refinaria de Manguinhos), que nega ter relação com o aplicativo.

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