Bancos não repassam toda queda da Selic e ganham mais com juros em 2019

Taxa básica caiu 2 pontos percentuais em 2019; diferença entre custo de captação do dinheiro e juro cobrado do cliente subiu 1,4 ponto percentual

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São Paulo

No ano em que o Brasil comemorou uma queda recorde da Selic, a taxa básica de juros, os bancos elevaram o chamado spread, a diferença entre o custo de captação do dinheiro e o juro cobrado nas operações de crédito do cliente final. Os dados constam do relatório anual sobre crédito divulgados pelo BC (Banco Central) nesta quarta-feira (29).

A Selic, que é a referência para o custo de captação de dinheiro nos bancos, caiu de 6,5% para 4,5% ao ano em 2019 –uma retração de 2 pontos percentuais.

Segundo o BC, o spread foi na contramão e cresceu. Passando de 17 pontos percentuais em dezembro de 2018 e para 18,4 pontos percentuais ao fim de 2019 –uma alta de 1,4 ponto percentual.

No mesmo período, a taxa média de juros, considerando os empréstimos a pessoas e empresas, caiu 0,2 ponto percentual, de 23,2% para 23%.

Como a queda de juro para o cliente foi menor que a redução da Selic, os bancos ampliaram ganhos no ano ao não repassarem integralmente a queda da Selic para o cliente final.

Procurada, a Febraban afirma que o spread maior é resultado da mudança no mix da carteira de crédito e que o efeito estatístico encobre a redução dos juros ao consumidor. 

"Apenas a mudança do mix da carteira, mesmo sem nenhuma alteração das taxas, levaria a uma alta do spread médio registrado pelo BC, porque há mais tomadores de crédito recorrendo a linhas de crédito com taxas e spread maiores", disse a entidade em nota.

O crescimento da margem financeira (ou seja, da receita) dos bancos aparece também em outras métricas de custo de crédito adotadas pelo Banco Central.

Os bancos elevaram o chamado spread, a diferença entre o custo de captação do dinheiro e o juro cobrado nas operações de crédito - Gabriel Cabral/Folhapress

O ICC (Indicador de Custo do Crédito), que é uma medida para detalhar como a taxa de juro cobrada do consumidor paga despesas e impostos e gera receita para o banco, ficou praticamente estável em 2019 no período (-0,1 ponto percentual). Como houve a queda no custo de captação, o spread do ICC avançou de 13,7 pontos percentuais para 14,5 pontos percentuais.

A alta no spread é registrada tanto nos empréstimos a pessoas física e jurídica.

Um dos motivos alegados pelos bancos para a manutenção dos spreads elevados é a necessidade de cobrir eventuais calotes. Porém, a inadimplência acima de 90 dias permaneceu estável em 2,9% na comparação entre dezembro de 2018 e 2019.

Segundo Luis Miguel Santacreu, da Austin Ratings, os bancos podem ter elevado o spread no ano passado para cobrir despesas administrativas. Em 2019, eles anunciaram fechamento de agência e PDVs (Programa de Demissão Voluntária), o que eleva os custos das instituições, ainda que de forma momentânea.

“Olhando o componente de inadimplência, não tem nada que justifique o aumento do spread”, afirma Santacreu.

O analista afirma ainda que os bancos seguram o repasse da queda da Selic para manter a rentabilidade, uma pressão de investidores. O ROE (medida de rentabilidade das empresas) dos grandes bancos ronda os 20%.

“Se eles cortarem rapidamente o spread para atender o que o país espera, eles abririam mão da rentabilidade atual. Eles têm que preservar as margens para manter rentabilidade. Uma forma é manter o spread enquanto eles aumentam os empréstimos”, acrescenta.

Houve em 2019 uma alta nas concessões de crédito, reflexo de um maior otimismo com a recuperação da economia brasileira.

Dados do BC mostram que o saldo total de crédito no país cresceu 6,5%, a R$ 3,5 trilhões. Só em dezembro, foram concedidos R$ 20,4 bilhões em novos empréstimos, alta de 12% na comparação com igual mês de 2018.
 
Pelos dados, os bancos ganharam mais no ano passado na taxa de juro e no volume de empréstimos.
 
Uma das explicações, segundo Santacreu, para a alta do spread médio seria o aumento nas concessões de crédito em linhas consideradas mais arriscadas, caso do cartão de crédito e crédito pessoal, na pessoa física, e de empréstimos a micro e pequenas empresas, no segmento pessoa jurídica.

Essas linhas cresceram, porém, em menor velocidade que aquelas com garantia, caso do financiamento imobiliário e do crédito consignado.

Para os bancos, a explicação é o crescimento nas linhas com recursos livres, enquanto houve queda nas concessões no crédito direcionado. Da mesma forma, o crescimento em empréstimos a pessoas também faz crescer o spread médio no agregado, ainda que as taxas, segundo os bancos caíram mais que o custo de captação.

"A alta do spread reportado pelo BC no ano é fruto quase que integralmente de uma mudança no mix da carteira, que aumentou a fatia ocupada pelo crédito livre e PF (no geral, com taxas mais altas), apesar de ter havido queda das taxas e dos spreads em praticamente todas as linhas", afirma a Febraban. 

A alta no spread bancário ocorre em um momento em que o Banco Central tenta estimular a concorrência entre instituições financeiras para reduzir as taxas de juros pagas pelos consumidores no país.
 
Uma das medidas é a implantação do cadastro positivo, que ajudaria as instituições financeiras a fazer uma melhor avaliação do risco de calote de um cliente. No entanto, o cadastro começou a funcionar apenas neste mês e ainda coleta apenas informações do sistema bancário.

O open banking, sistema pelo qual o consumidor pode compartilhar seus dados financeiros com outras instituições em busca de condições de crédito melhores, só deve começar no final deste ano.
 
O BC também impôs, no começo deste ano, um teto de 8% ao mês para os juros do cheque especial --até dezembro, eles cobravam 12,3% ao mês. Como compensação, a autarquia atendeu a uma demanda antiga dos bancos e permitiu a cobrança de tarifa de consumidores que têm a linha de crédito disponível.

A maioria das instituições financeiras, porém, abriu mão da cobrança extra. 

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