Black Friday roubou do Natal na mão grande, diz empresário

Fundador da TNG e da Ablos diz que retomada do varejo ainda é muito lenta

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São Paulo

A polêmica sobre o real crescimento das vendas no Natal colocou em lados opostos duas entidades. 

As lojas de shopping, representadas pela Alshop (Associação Brasileira de Lojistas de Shopping), anunciaram alta de 9,5%. Em reação inédita, o dado foi qualificado como inflado pela Ablos (Associação Brasileira dos Lojistas Satélites).

A divergência tem um pano de fundo maior: a crescente insatisfação dos pequenos e médios varejistas com o tratamento, considerado privilegiado, que os shoppings dão às grandes redes.

Tito Bessa Jr., presidente da Ablos e TNG.
Tito Bessa Jr., 62, é um empresário paulistano que começou a trabalhar aos 13 anos com conserto de eletrodomésticos, ajudando o pai. Mais tarde, abandonou o último semestre da faculdade de economia, no Mackenzie, para se dedicar ao seu primeiro negócio, a loja Via Lorenzo, no shopping Matarazzo, que comercializava bolsas e bijuterias. Em 1984, fundou a rede de lojas de vestuário TNG, que hoje tem 170 unidades - Gabriel Cabral/Folhapress

“Os shoppings passaram a dar benefícios crescentes para as lojas grandes, e o lojista pequeno começou a sofrer”, diz Tito Bessa Jr., que dirige a Ablos e fundou a rede de roupas TNG, a qual também preside.

Segundo Bessa, que atua há 36 anos no setor, o cenário no varejo ainda é de lenta retomada. O desemprego, diz, é muito alto, e o consumidor, apertado, gastou a maior parte do dinheiro na Black Friday, contrariando expectativas otimistas para o Natal. 

“O balão subiu com todas as lanterninhas acesas depois da Black Friday. Veio, então, a expectativa de que no Natal ia explodir. E o que aconteceu? O consumidor veio e falou: ‘Enganei vocês. Meu dinheiro era aquele’”, diz Bessa.

Em que momento vocês identificaram, como alegam, que tinha algo errado nas divulgações das vendas?
Já faz alguns anos. Não é a primeira vez. No Dia dos Pais aconteceu a mesma coisa, no Dia das Mães, também. Mas, no final do ano, quando isso saiu, realmente, as lojas satélites se revoltaram. A partir de agora, se falarem besteira, nós vamos contestar. Outro dia uma jornalista de Porto Alegre me perguntou se eu era um litigante contumaz. Olha, se defender os direitos se chama litigante, eu sou um litigante.

Como você se definiria nessa discussão toda? 
Até pode ser litigante, quando entendo que defendo um negócio. Tenho 36 anos de varejo, investi tudo que tinha e mais um pouco nesse negócio. Estou me defendendo. 

Estou buscando até agora a razão pela qual a associação vem há alguns anos [divulgando vendas maiores]. Eles não têm base legal, não têm base técnica. Agora estão dizendo que aquilo era uma expectativa. Como? 

Tenho todos os jornais aqui guardados e não falam em expectativa. Ele afirmou que o varejo teve crescimento. Agora, ele está com receio de ter que provar a todo o mundo, porque um cara que vai para a imprensa e afirma aquilo devia estar muito bem amparado. Ele não esperava que a gente fosse contestar. Ele faz isso há 20 anos e ninguém contesta.

Pela experiência de vocês, o que de fato aconteceu com as vendas, então?
Em alguns setores, queda; em alguns, crescimento; em outros, ficou a mesma coisa. Se você pegar a Cielo [empresa de maquininhas de pagamentos], que mediu a melhor época do Natal, vai ver que não teve um único segmento que cresceu 7%, 8% —só papelaria. Cielo divulgou dado oficial. Quer dado mais confiável? Para eles, a média deu 3,4%. Se você juntar o mês todo, pode dar negativo.

A Alshop argumenta que divulgou o número nominal, sem descontar a inflação. Vamos supor, então, uma inflação na casa de 3%. Pode ter havido crescimento de 6%?
É irreal julgar que o setor cresceu isso. Mas ele não fez isso. Ele foi lá e disse que o varejo cresceu 9,47%. Depois da nossa contestação, disse que não estava descontada a inflação. E aí virou “nossa expectativa”, porque não tem nada técnico. Cadê a pesquisa? Eles não apresentaram.

Vocês ainda cogitam entrar na Justiça?
Vamos ver o que pode ser feito. Acho que quem tinha que entrar é quem recebeu a informação. Todo o mundo sabe que não foi o melhor Natal da década. Ninguém gastou mais. 

O que me admira é que foi capa de jornal. O abre do Jornal Nacional falava como se a gente estivesse na parada da Disney. Quando olhei aquilo, pensei: não é possível. Todo o mundo alegre, contente, no aeroporto, indo embora para férias, com tudo certo —e era uma mentira. 

Nesses dias, um diretor lá [Alshop] disse que eu vou ter que provar. Eu? Ele mente e eu vou ter que provar a mentira dele? Ele está querendo agradar a alguém? Às vezes, dá a impressão de que está querendo agradar aos shoppings. Porque, se você pegar as ações, teve shopping que valorizou R$ 600 milhões no dia. Será que comprou ação de shopping? A verdade é que o resultado veio abaixo do que todo o mundo esperava —e o que aconteceu foi a Black Friday.

 

Qual foi o efeito dela?
Em 2018, a Black Friday foi uma semana antes do final do mês de novembro. No ano passado, foi na última semana de novembro. E foi alucinante. Teve marca com alta de 30%. Eu mesmo cresci nesse período de 15% ou 18%. O balão subiu com todas as lanterninhas acesas depois da Black Friday. Veio, então, a expectativa de que no Natal ia explodir. E o que aconteceu? O consumidor veio e falou: ‘Enganei vocês. Meu dinheiro era aquele’. Aí deu crescimento de 3%, 2%.

Muitos analistas e lojistas disseram que a Black Friday não ia roubar as vendas.
Imagina. Roubou e roubou o Natal dessa vez com a mão grande.

Pensam em criar um estudo técnico próprio?
Quando uma empresa não é listada em Bolsa, pode te falar que cresceu 5%, mas, na verdade, caiu 5%. Ela tem vergonha de falar. Isso acontece muito. Vergonha de responder a questionário feito por associação, grupo de WhatsApp.

Eu fiz o meu questionário, muita gente respondeu. Quem diz que aquilo é uma verdade? Eu quero ver as adquirentes de cartão de crédito. É por lá que passam 80% do faturamento das lojas. Outro dia, recebi de um grupo, depois da nossa contestação, uma pesquisa da ShopperTrack. Ela diz que é o maior contador de fluxo do mundo e monitora nosso varejo. Por ela, caiu 15% o fluxo em dezembro. Mas isso não quer dizer que vendeu mais ou menos. Podem estar gastando mais. O que eu quero mesmo é ver o cartão de crédito. 

A Alshop já falou que ia me contestar e colocar não sei quantos economistas numa sala para falar. Pode colocar mil economistas na sala. E daí? Economista ficou no balcão da loja recebendo ou vendendo? Economista vai falar da expectativa, de FGTS. Quero saber efetivamente o que aconteceu.

Estamos saindo de uma recessão profunda. Como está sendo a recuperação do varejo?
Lenta. Lenta. Lenta. Porque o emprego não voltou, ele voltou em partes. Temos que agradecer à Uber, ao iFood, ao Rappi, temos que agradecê-los. Eles ainda ajudam a gerar esse emprego informal. Imaginou sem eles? 

Mas o governo está indo na direção correta. Eu votei neste governo. Mas as coisas não aconteceram na velocidade que todo mundo esperava. E, talvez, vá demorar mais. Talvez, a gente tenha um 2020 a passos não tão largos quando a gente imaginava. Vamos sofrer ainda um pouquinho.

E como foram as suas vendas nestas primeiras semanas de 2020?
Foram iguais às de 2019, não mudou nada. A perspectiva era aumentar 4% ou 5%, mas estão iguais, e tenho notícia de gente que está pior. 

Não conheci ninguém que está melhor ainda. O grupo tem dito isso, caindo, empatando.

A entidade começa quando e como?
A nossa associação tem uns dez meses. Legalmente, nasceu em fevereiro de 2019. A diretoria da Ablos é composta de pessoas que têm a mesma história. SideWalk, Gregory, Siberian, Crawford, Khelf, são pessoas que começaram um pouco antes ou um pouco depois, mas que investiram tudo. Ninguém tem outro rendimento que não seja aquele, então temos que nos defender, e eu vou.

A Alshop há anos não defende loja satélite e nem lojista, há anos. Acompanho ela desde o nascimento, 25 anos atrás, junto com lojistas do shopping Matarazzo. Ficou um tempo no limbo. Aí veio o Nabil [Sahyoun, presidente da Alshop] e reiniciou a associação. O objetivo era e defender a classe. Mas, depois, percebi que o objetivo não estava bem conduzido.

Com o passar do tempo, o custo da operação no shopping começou a influenciar diretamente no resultado. Os shoppings passaram a dar benefícios crescentes para as lojas grandes, e o lojista pequeno começou a sofrer. Quando as marcas de fora começaram a vir, piorou a situação. Ensinaram o varejo local a trabalhar com algo que não existia, o chamado allowance (mesada, numa tradução livre).

O que é isso?
Vou lá, manifesto interesse de me instalar, mas desde que o shopping me pague um valor para montar minha operação. Quem começou com isso foi a Zara, no Iguatemi. Receberam instalação e o primeiro estoque. Depois vieram muitas outras. Eu presenciei isso. As marcas recebendo R$ 5 milhões, R$ 3,5 milhões. 

Forever 21 cobrava R$ 5 milhões por loja montada. Os shoppings deram R$ 75 milhões de allowance para Forever. Criaram um monstro e hoje não sabem o que fazer porque ela quebrou no mundo. 

Esse é o grande jogo hoje. Você vai no balanço de uma grande rede e o custo de ocupação dela num shopping é 4%. O nosso é 18%. Em média, o das lojas satélite, hoje, vai de 15% a 20%. Estamos lutando contra isso.

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