Equipe econômica vê defesa por fim do DPVAT fortalecida com revelações sobre repasses

Seguradora Líder atendia pedidos e fazias doações a políticos ou pessoas ligadas a eles

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Brasília

A equipe econômica acredita que as revelações sobre repasses de recursos do DPVAT (seguro obrigatório de danos pessoais devido anualmente pelos proprietários de veículos) a políticos ou pessoas ligadas a eles reforçam os argumentos do governo pelo fim do instrumento.

Conforme mostrou a Folha, emails e notas fiscais analisadas pela empresa de auditoria KPMG mostraram que a Seguradora Líder (responsável pela administração do DPVAT) atendia pedidos e fazias doações a políticos de diferentes partidos ou pessoas ligadas a eles. 

Tem destaque, em especial, o detalhamento de uma cadeia de relacionamentos que ligava a Líder ao diretório nacional do PSL no período analisado. A auditoria foi contratada para avaliar gestões anteriores, de 2008 a 2017. O PSL foi a sigla com a qual o presidente Jair Bolsonaro se elegeu (ele foi filiado ao partido de março de 2018 a novembro de 2019). O filho e deputado Eduardo Bolsonaro continua filiado à legenda.

Na foto, o ministro Paulo Guedes aparece sentado em uma mesa, atrás de um pequeno microfone acoplado, falando algo e gesticulando com as mãos como se tivesse contando algo nos dedos
Equipe econômica de Paulo Guedes, ministro da Economia, acredita que revelações do DPVAT fortalecem o argumento pelo fim do instrumento - Lucio Tavora - 18.dez.2019/Xinhua

Entre os integrantes da equipe econômica, a visão é que as reportagens reforçam que a decisão do governo para acabar com o DPVAT é correta. O seguro obrigatório é visto na equipe econômica como um instrumento com problemas de transparência. Além disso, é considerado ineficiente para o que se propõe.

O entendimento reforça uma nota técnica de seis páginas em defesa do fim do DPVAT divulgada em dezembro pelo Ministério da Economia, após a edição da MP (medida provisória) que eliminava o DPVAT. 

O diagnóstico afirmou que um seguro obrigatório teria como função corrigir uma falha de mercado, tendo em vista que a decisão de um motorista de dirigir seu veículo nas vias públicas impõe aos demais um risco. Porém, segundo o ministério, o DPVAT não é direcionado para terceiros que não deram causa ao acidente porque o seguro destina a maior parte dos pagamentos de indenizações ao próprio motorista (58%).

O ministério ainda afirma que, historicamente, apenas 30% do valor arrecadado pelo DPVAT é destinado ao pagamento de indenizações. “Os outros 70% são consumidos como tributos indiretos e custeio de um enorme aparato operacional caro, ineficiente e permanentemente vulnerável a fraudes”, diz a nota técnica.

Na visão dos técnicos, a seguradora tem um lucro maior quanto mais despesas administrativas e indenizações forem apresentadas. “Dessa forma, não tem qualquer incentivo para diminuir suas despesas administrativas nem a combater fraudes no pagamento das indenizações”, afirma o texto.

Além disso, afirma o ministério, o DPVAT tem sido alvo de fraudes constatadas ao longo dos anos. Em 2015, a Polícia Federal deflagrou uma operação para combater fraudes nas esferas administrativa e judicial e a estimativa é que os esquemas possam ter chegado a R$ 1 bilhão por ano.

“Ainda que se discuta alguma forma de proteção às vítimas de trânsito, é preciso considerar como
fazer. Um seguro obrigatório com características de tributação regressiva que devolve para a sociedade apenas 15 a 30 centavos de cada R$ 1 pago pelos cidadãos, sem diferenciar a renda desses cidadãos, é uma forma ineficiente de atingir esse objetivo”, conclui a nota do ministério.

Procurada, a Líder afirmou que o seguro propicia “uma importante reparação social, já que protege os mais de 210 milhões de brasileiros em casos de acidentes de trânsito, especialmente os de renda mais baixa”. Segundo a empresa, dos 42% de beneficiários que informaram a renda em todos os pedidos de indenização já computados, cerca de 80% possuem até um salário mínimo. 

Além disso, diz a empresa, de cada dez veículos na rua, menos de três possuem seguro facultativo. “O Seguro DPVAT devolve aos cidadãos brasileiros quase 90% de sua arrecadação anual total. A parcela destinada à margem de resultado e às despesas gerais do Consórcio DPVAT soma cerca de 12% do valor total pago pelo cidadão”, afirma a companhia. 

A empresa ainda afirma que faz um trabalho eficiente “que se reflete nos resultados de combate às fraudes”. “Nos últimos dois anos, o volume de fraudes identificadas foi reduzido em torno de 80%”, afirma a Líder.

O DPVAT ganhou os holofotes no fim do ano passado após o governo editar a MP para extinguir o seguro em 11 de novembro. Em dezembro, o STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu a eficácia da MP. Por maioria de votos, os ministros concederam liminar em ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) ajuizada pela Rede Sustentabilidade, com o entendimento de que alterações no seguro só podem ser efetivadas por meio de lei complementar.

Em outra frente, o presidente do STF, Dias Toffoli, reconsiderou em 9 de janeiro uma liminar concedida por ele mesmo em dezembro, quando havia suspendido os efeitos de uma resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) que baixava os valores pagos pelos usuários. 

No pedido de reconsideração, a União afirmou a Toffoli que não é verdade que a redução tornaria inviável o DPVAT, como alegara a seguradora Líder. Segundo a União, a Líder omitiu “a informação de que há disponível no fundo administrado pelo consórcio, atualmente, o valor total de R$ 8,9 bilhões, razão pela qual, mesmo que o excedente fosse extinto de imediato, ainda haveria recursos suficientes para cobrir as obrigações do Seguro DPVAT”.

Com a reconsideração de Toffoli, o valor do seguro voltou a baixar para R$ 5,21 para carros de passeio e táxis e R$ 12,25 para motos. Os valores representam uma queda de 68% e 86%, respectivamente, em relação a 2019.

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