Descrição de chapéu Financial Times

Ex-militar de elite dos EUA teria ajudado Carlos Ghosn a escapar do Japão

Mike Taylor transformou sua carreira militar em um negócio de segurança privada, supervisionando resgates de alto risco

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Nova York e Istambul | Financial Times

Como membro dos Boinas Verdes, uma elite do Exército dos Estados Unidos, ele foi treinado para fazer saltos de paraquedas arriscados atrás das linhas inimigas. Como prestador de serviços de segurança, ele se gabava de profunda experiência em todo o Oriente Médio, particularmente no Líbano, e tinha supervisionado resgates de alto risco em sequestros.

Ele também cumpriu pena de prisão por um esquema de suborno envolvendo US$ 54 milhões (R$ 220 milhões) em contratos do Departamento de Defesa dos EUA.

Em outras palavras, Mike Taylor parecia ter as habilidades certas para ajudar a arrancar Carlos Ghosn, ex-executivo-chefe da Nissan do Japão, onde ele estava envolvido em processos criminais, e levá-lo ao seu país natal, o Líbano.

O suposto trabalho de Taylor como orquestrador da ousada fuga de Ghosn surgiu nos últimos dias, inspirando uma sensação de admiração em todo o mundo num episódio que pareceu um filme de James Bond.

Retrato focado no rosto de Carlos Ghosn; o executivo está com as mãos cruzadas e com expressão de preocupação
Ex-presidente da Nissan, Carlos Ghosn, em Tóquio, Japão - Issei Kato - 6.mar.19/Reuters

Tudo começou, de acordo com relatos da mídia japonesa, com uma viagem de 480 quilômetros a bordo do famoso trem-bala do país, de Tóquio a um aeroporto em Osaka, cujos procedimentos de segurança não eram muito rígidos. Ghosn foi então carregado em uma caixa normalmente usada para equipamentos musicais, para evitar o controle de passaportes.

De lá, ele partiu em um jato particular, chegando à Turquia, onde embarcou rapidamente em outro avião particular com destino a Beirute, no Líbano.

Taylor, 59, que transformou uma carreira militar em uma série de empresas de segurança privada, não respondeu a pedidos de comentários.

Mas ele teria falado publicamente pela primeira vez sobre o empresário fugitivo em uma entrevista a um site de notícias para veteranos militares dos EUA, publicada na segunda-feira (6).

O site, Connecting Vets, disse que Taylor se recusou a falar sobre a extração de Ghosn do Japão e se ele esteve ou não envolvido.

Ele teria dito o seguinte: "No fim das contas, esse cara era um maldito refém, apenas isso. Se ele saísse da Coreia do Norte ou da China, seria uma narrativa totalmente diferente".

Antes da fuga de Ghosn, Taylor trabalhava para reconstruir sua carreira em segurança após sua condenação criminal, ao mesmo tempo em que tentava conseguir dinheiro. Ele lançou uma bebida esportiva chamada Vitamin1.

Em uma campanha promocional recente, Taylor elogiou a Vitamin1 como a bebida esportiva oficial do campo de futebol americano dirigido por Rob Gronkowski, ex-astro dos New England Patriots.

Nascido em Staten Island, em Nova York, Taylor teve uma infância itinerante. Após o colégio em Massachusetts, seguiu o padrasto e entrou para o Exército, passando rapidamente para as forças especiais.

Sua especialidade na época da Guerra Fria era conhecida como "munição especial de demolição atômica". Ele e outros agentes foram treinados para saltar de aviões em grande altitude, abrindo os paraquedas apenas no último instante. Sua missão era detonar armas nucleares portáteis no corredor de Fulda, na Alemanha, no caso de uma invasão soviética.

Um momento decisivo na vida de Taylor ocorreu no início dos anos 1980. Ele foi enviado ao Líbano para ajudar as milícias cristãs após o assassinato em 1982 do presidente eleito do país, Bachir Gemayel, e a invasão israelense.

"Foi através desse trabalho que Taylor iniciou um relacionamento duradouro com a comunidade cristã do Líbano", escreveu seu advogado em um memorando que pedia uma sentença de prisão branda.

Taylor deixou o Exército no ano seguinte, mas retornou ao Líbano para trabalhar em serviços de segurança privada, ajudando a treinar forças cristãs. Ele aprendeu árabe e também namorou Lamia Abboud, com quem se casou em 1985.

O Líbano também teria sido onde ele conheceu George Zayek, que trabalhou nas empresas de segurança de Taylor no Oriente Médio e, segundo autoridades, também esteve envolvido na fuga de Ghosn.

Taylor e sua mulher voltaram para os EUA e se estabeleceram em uma casa de quatro quartos na cidade de Harvard, em Massachusetts. Segundo seus advogados, ele usou sua experiência para trabalhar como agente secreto, ajudando a Agência de Repressão às Drogas dos EUA e outros a desbaratar operações de drogas e falsificação no Líbano.

Em 1994, Taylor finalmente começou a atuar por conta própria, fundando a American International Security Corporation. Ele levou uma mistura de clientes governamentais e privados, incluindo ABC, 20th Century Fox e Signature Flight Support, um provedor de serviços para aeronaves particulares.

A New York Times Company contratou Taylor quando um de seus repórteres, David Rohde, foi preso no Afeganistão.

"Eles (...) montaram uma 'sala de emergência'. Tinham um quadro-branco. Estavam tentando negociar", disse uma pessoa que acompanhou de perto os esforços para libertar o jornalista, seu intermediário e o motorista. "Acho que o telefone nunca tocou."

"Eles não tinham um entendimento particularmente preciso desse país [Afeganistão]. Mas eram obviamente muito respeitados. Para o New York Times contratá-los, eles deviam ter pedigree."
Rohde terminou fugindo por conta própria em 2009.

Mas em outra emergência Taylor foi o herói. Uma família da Carolina do Norte o contratou em 1999, depois que um consultor de segurança rival fracassou na tentativa de retirar sua filha e os três filhos dela do Líbano. A mulher, Lucy Kolb Zantout, estava tentando fugir do marido libanês, que se tornou abusivo, segundo ela, e bloqueou seu passaporte.

O primeiro contratado conseguiu contrabandeá-los para a Síria, de acordo com um processo legal posteriormente apresentado pelos Kolb. Isso só piorou a situação, pois eles estavam no país ilegalmente e corriam o risco de ser enviados de volta ao Líbano. Ele não conseguiu avançar mais.

Aparece Taylor, que trabalhava seus contatos nos dois lados da fronteira. Ele finalmente conseguiu fazer Lucy Kolb e seus filhos serem presos na fronteira libanesa pela polícia síria, mandados de volta a Damasco para processo legal e, em seguida, enviados para um terceiro país.

Eles pagaram uma multa de US$ 4 e no dia seguinte estavam num avião para os EUA. Taylor também resgatou o outro contratado. Seus honorários: US$ 155 mil (R$ 633 mil).

As guerras no Iraque e no Afeganistão pareciam ser uma fonte especialmente rica de trabalho para Taylor. As missões da AISC variavam de treinamento de comandos à proteção de infraestrutura no sul do Iraque e até a proteção de autoridades que investigavam valas comuns por possíveis crimes de guerra. Taylor levou cristãos libaneses para ajudar, segundo um ex-colega.

Foi uma missão no Afeganistão que causou a queda de Taylor. Segundo promotores federais em Utah, ele recebeu o aviso de um velho amigo das forças especiais sobre uma licitação urgente para treinar soldados afegãos para gerenciar seus suprimentos.

Baseando-se em informações confidenciais, a AISC manipulou a inscrição e acabou ganhando um contrato relativamente pequeno que acabaria inchando para US$ 54 milhões (R$ 220 milhões) em faturas. Parte do dinheiro foi devolvida aos associados de Taylor, segundo os promotores. Quando agentes federais descobriram o esquema, Taylor tentou subornar um agente do FBI para impedir sua investigação.

A certa altura, ele enviou um e-mail a seus cúmplices: "Ganharei para vocês mais dinheiro do que podem acreditar, desde que eles não pensem que sou um bandido e me ponham na cadeia".

Taylor acabou se declarando culpado em uma acusação de violar leis de licitação e outra de fraude eletrônica. Foi condenado a 24 meses de prisão, mas foi libertado após 14 meses.

Cartas escritas ao tribunal em nome de Taylor por amigos e colegas retratam um homem de família comprometido que treinava futebol juvenil, cuidava de seu padrasto doente e limpava a neve das ruas vizinhas sem nunca ser solicitado.

Eles também dão vislumbres de seu trabalho ousado. "Em um caso específico, fomos detidos por criminosos armados que tentavam nos fazer de reféns", escreveu um ex-colega, Robert Rubin, sobre uma missão de segurança no Oriente Médio. "Nesse caso, Taylor foi inteligente, decisivo e atencioso na direção da equipe, o que fez uma situação muito perigosa terminar em segurança, sem perda de vidas."

Uma mãe atestou o compromisso de Taylor depois que ele ajudou a libertar sua filha, quatro anos e meio depois que seu pai a sequestrou e a levou para o Líbano.

Mas, em uma audiência de sentença, os promotores reagiram à narrativa de Taylor como um patriota honesto. Eles argumentaram que ele havia tentado colocar a culpa em seus cúmplices, na tentativa de se salvar. Eles zombaram —começaram a referir-se a ele como "Capitão América", observou uma promotora, Maria Lerner.

Lerner também apontou casos anteriores em Massachusetts, nos quais Taylor foi indiciado por escutas telefônicas ilegais e apresentação de um relatório policial falso —e se descobriu que ele pagou a um agente federal para evitar possíveis acusações de extorsão trabalhista.

"Em outras palavras, dar dinheiro a agentes federais não é novidade para Taylor", observou Lerner.
As finanças de Taylor foram esmagadas por seus problemas legais, com a receita da AISC caindo mais de 70% em 2012, para pouco mais de US$ 600 mil (R$ 2,4 milhões). Isso, em parte, parece tê-lo levado ao negócio de bebidas esportivas.

À medida que a fuga de Ghosn chama a atenção para suas façanhas no Japão e no Líbano, Taylor pode ter outros talentos a ser explorados —particularmente para algum executivo de alto nível apanhado em uma confusão legal.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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