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Problema fiscal é grave, e ajuste continua prioritário

Cenário benigno da dívida vem da queda dos juros, mas percepção pode mudar se não for possível cumprir o teto

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Marcos Mendes

O ano começa com dados positivos na trajetória da dívida pública. Muitos interpretam o dado como indicador de que o problema fiscal está superado. Infelizmente não.

O cenário benigno da dívida vem da queda dos juros, que em parte é resultado da redução dos juros externo, e em parte da mudança de perspectiva de equilíbrio fiscal, criada pelo teto de gastos. Quando o mercado viu o crescimento da despesa primária real cair de 6% ao ano para pouco mais de zero, acreditou na continuidade das reformas, e que o regime fiscal havia mudado: a dívida teria passado a ser sustentável. Esse é o componente interno da queda dos juros.

Contudo, essa percepção pode mudar a qualquer momento, se não for possível cumprir o teto em futuro próximo. Esse cumprimento depende da aprovação da chamada PEC Emergencial, que propõe que, por dois anos, não haja reajuste real de várias despesas primárias obrigatórias do governo federal.

Para que se tenha ideia do desafio, trata-se de fazer a despesa de pessoal mudar de um crescimento real médio de 3% ao ano na trajetória desde 2015, para 0%. Não é simples. Sem a aprovação das medidas, e apesar da reforma da Previdência (cujos efeitos demoram a aparecer nos números) o teto não se sustenta a partir de 2022.

O teto não mudou o regime fiscal brasileiro. Ele apenas mostra qual o limite aceitável para o crescimento da despesa. Até agora foi possível respeitar esse limite. Mas sem reformas adicionais, isso não será possível em futuro próximo. No fundo, continuamos com despesa obrigatória alta e crescendo rápido, pouco espaço para investimento, muito passivo contingente virando obrigação de gastos e com estados quebrados, sem outra solução a vista que não o socorro federal.

Mesmo antes que o teto seja desrespeitado, a curva de juros pode “empinar”, pela simples percepção de piora. E a dinâmica da dívida voltaria a ser a mesma agonia do passado recente.

É preocupante que as agendas do Congresso e do Executivo estejam gradualmente se afastando do ajuste.

Ganha força uma PEC de renovação do Fundeb que, além de diversos erros de diagnóstico quanto aos problemas da educação, propõe espetar uma conta de pelo menos R$ 400 bilhões em dez anos.

O já aprovado orçamento impositivo tirou bastante margem de manobra para o controle do fluxo fiscal. A necessidade de aprovar novo perdão para a Regra de Ouro abrirá barganha para novos gastos.

A propensão do Poder Executivo para contemplar pleitos militares coloca na fila o reajuste salarial da polícia do DF, a de maior salário do país, além de vitaminar os gastos com equipamentos militares.

A situação fiscal dos estados e municípios só piora, sem solução estrutural posta à mesa. Cada vez mais a conta é repassada para a União, à base de benevolentes decisões judiciais suspendendo execuções de garantias dadas pelo Tesouro.

Essa semana, por exemplo, um desembargador do 2º TRF determinou que o Tesouro fizesse transferência ao Município do Rio, para obras no Sambódromo, apesar de a cidade estar no cadastro de inadimplentes.

A justificativa, segundo a imprensa, é de que “a municipalidade não pode ficar permanentemente prejudicada em função da conduta improba do chefe do executivo”! Com tal grau de respeito a contratos, chancelado pelo judiciário, não haverá chefe de executivo que se esforce para ajustar suas contas.

O excelente relatório de riscos fiscais, recentemente publicado pelo Tesouro, mostra o potencial de desequilíbrio de decisões judiciais pouco fundamentadas, tanto em termos jurídicos quanto econômicos.

A retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, por exemplo, já está corroendo a arrecadação, e o Poder Executivo não conseguiu viabilizar uma mudança legal para estancar a sangria.

As dificuldades para avançar com o programa de privatização são evidentes. A retirada da receita da venda da Eletrobras é apenas um dos sinais. Sem privatizações, ainda teremos que, por muitos anos, injetar recursos fiscais na cobertura de déficits de estatais dependentes e independentes.

Muito cedo para comemorar. O regime fiscal que impede o crescimento ainda não mudou. A pauta de ajuste fiscal continua sendo prioritária.

 

Marcos Mebndes é pesquisador associado do Insper e colunista da Folha

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