Descrição de chapéu The New York Times

Reino Unido rejeitou apelo de Trump para excluir Huawei das redes 5G

Sem citar empresa chinesa, Boris Jhonson limita 'fornecedores de alto risco' a 35% do mercado

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The New York Times

O Reino Unido anunciou na terça-feira (28) que não proibiria o uso de equipamentos fabricados pela gigante chinesa das telecomunicações Huawei em suas novas redes 5G de alta velocidade, no mais claro sinal até o momento de que a campanha liderada pelos Estados Unidos contra a companhia de tecnologia está fracassando.

A despeito de mais de um ano de lobby intenso por parte do governo Trump, que acusou a Huawei de ter ligações com o Partido Comunista da China e afirmou que por isso ela representa ameaça à segurança nacional, o governo britânico anunciou que permitiria que a companhia fornecesse equipamentos a algumas porções da rede de telefonia móvel de próxima geração que será instalada no país nos próximos anos.

A decisão britânica foi crucial, em uma disputa mais ampla pela supremacia tecnológica entre os Estados Unidos e a China. O Reino Unido, aliado essencial dos Estados Unidos, é o país mais importante até agora a rejeitar os alertas da Casa Branca no sentido de que a Huawei serve como instrumento de Pequim. A participação britânica na rede de sistemas de inteligência “cinco olhos”, que também inclui Austrália, Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia, torna a decisão ainda mais significativa.

Loja da Huawei em Shenzhenm na China - AFP

Muitos países foram apanhados na guerra fria tecnológica entre os Estados Unidos e a China. Autoridades americanas ameaçaram suspender a transmissão de informações sigilosas a países que não excluam a Huawei, enquanto representantes chineses advertiram de que os países que o fizerem sofrerão retaliações econômicas.

“Trata-se de uma solução britânica específica para questões britânicas específicas, e a decisão lida com os desafios que encaramos no momento”, disse Nicky Morgan, secretária do departamento de assuntos digitais, cultura, mídia e esportes, a agência do governo britânico que supervisiona a decisão.

“Isso não só abre caminho para redes seguras e resilientes, com nossa soberania sobre os dados protegida, como também amplia nossa estratégia para o desenvolvimento de uma diversidade de fornecedores”, ela disse.

As regras foram anunciadas na terça depois que o primeiro-ministro Boris Johnson se reuniu com seu Conselho de Segurança Nacional. A decisão não mencionou a Huawei nominalmente, se referindo em lugar disso a “fornecedores de alto risco”, de maneira mais ampla, definindo-os como fornecedores que “representam riscos mais altos em termos de segurança e resiliência para as redes de telecomunicações britânicas”. Essas empresas ficarão limitadas a certas porções da infraestrutura de comunicação sem fio, como antenas e estações base, que não são vistas como potenciais ameaças à integridade do sistema.

Nenhum fornecedor de alto risco terá autorização para exceder 35% de participação de mercado no fornecimento de equipamentos para redes, as regras definem, em um esforço para encorajar concorrência nova, o que poderia beneficiar empresas como a Nokia e a Ericsson.

Um representante do governo Trump declarou que os Estados Unidos estavam “desapontados” com a decisão de Johnson.

“Aguardamos a oportunidade de trabalhar com o Reino Unido em uma forma de avançar que exclua fornecedores não confiáveis das redes 5G”, disse o representante. “Continuamos a instar todos os países a que avaliem cuidadosamente as considerações de segurança nacional de longo prazo e os impactos econômicos, caso permitam que fornecedores não confiáveis participem da criação de partes importantes de sua infraestrutura 5G”.

A Huawei nega há muito tempo que esteja vinculada ao governo chinês.

“A Huawei se sente reconfortada pela confirmação, da parte do governo britânico, de que podemos continuar a trabalhar com nossos clientes a fim de manter nos trilhos o cronograma de lançamento das redes 5G”, afirmou Victor Zhang, vice-presidente da Huawei, em comunicado. “Essa decisão baseada em provas resultará em uma infraestrutura de telecomunicações mais avançada, mais segura e com melhor custo/benefício, digna do futuro”.

A Huawei é a companhia mais importante do setor de tecnologia chinês, e é a maior fornecedora de equipamentos para a instalação de sistemas baseados na tecnologia de comunicação sem fio de quinta geração, conhecida como 5G. Essa tecnologia é vista como infraestrutura essencial em uma economia mundial cada vez mais digitalizada. As redes oferecerão velocidades de download dramaticamente maiores, bem como novas aplicações comerciais em setores como os transportes, a indústria e a saúde.

A proeminência da Huawei fez da companhia um alvo para os Estados Unidos. Meng Wanzhou, a vice-presidente financeira da Huawei e filha do fundador da empresa, está lutando conta uma ordem de extradição no Canadá que deriva de um indiciamento contra ela nos Estados Unidos por acusações de fraude.

O esforço mundial do governo Trump contra a Huawei obteve alguns sucessos. Em 2018, a Austrália impôs uma proibição a equipamentos Huawei, e o Japão restringiu a compra de equipamentos da Huawei para uso pelo governo.

Mas na Europa a Casa Branca encontrou mais dificuldades. Embora a União Europeia tenha alertado sobre riscos de segurança nacional na área de tecnologia 5G, não identificou nominalmente a China ou a Huawei, e tampouco recomendou uma proibição aberta. Na França, o governo disse não acreditar que uma proibição fosse necessária. A chanceler [primeira-ministra] alemã Angela Merkel expressou opiniões semelhantes, ainda que uma decisão final não tenha sido tomada até agora e alguns integrantes do governo do país defendam uma linha mais dura.

Talvez nenhum outro país tenha sido alvo de esforços de lobby tão intensos, da parte dos Estados Unidos e da China, do que o Reino Unido, o que resultou em atraso na decisão do país sobre a criação de redes 5G.

O presidente Donald Trump, o secretário de Estado Mike Pompeo e o secretário do Tesouro Steve Mnuchin fizeram alertas ao Reino Unido nas últimas semanas. No começo do mês, uma delegação americana visitou Londres a fim de apresentar argumentos de último minuto contra a Huawei. Pompeo deve visitar o Reino Unido esta semana.

A Huawei começou a trabalhar no Reino Unido 15 anos atrás, e agora emprega 1,6 mil pessoas no país, o que a ajudou a ganhar aceitação e um posto inicial para expansão a outras partes da Europa. Combinada ao Oriente Médio e África, a Europa agora representa o maior mercado da Huawei fora da China.
Steve Tsang, diretor do China Institute na SOAS University of London, disse que o anúncio britânico é “muito importante” e dá à Huawei “um nível de credibilidade que a empresa cobiça”.

As autoridades britânicas declararam que o risco que a Huawei representa pode ser administrado por meio de fiscalização e limitação de seu acesso a áreas mais críticas da rede, que lidam com dados delicados. A Huawei ficaria limitada a fornecer antenas e outros equipamentos para enviar dados diretamente aos consumidores, e ficaria de fora de áreas consideradas como o centro nervoso das redes, por exemplo os servidores que direcionam tráfego dentro do sistema.

O Reino Unido sempre impediu que a Huawei participasse das porções de suas redes de telecomunicações que lidam com dados sensíveis, para limitar sua vulnerabilidade a espionagem e escutas. Em 2010, as autoridades britânicas criaram um laboratório para teste de equipamentos da Huawei em busca de vulnerabilidades de segurança. O laboratório identificou pontos vulneráveis na segurança dos equipamentos, mas as autoridades afirmaram que os problemas não resultavam de interferência do governo chinês e que era possível administrá-los.

“Fornecedores de alto risco jamais foram —e jamais serão— parte de nossas redes mais sensíveis”, disse Ciaran Martin, presidente-executivo do Centro Nacional de Segurança Cibernética, que administra o laboratório de testes.

As autoridades americanas discordam de que os riscos podem ser limitados, porque o software desempenha papel mais importante nas redes 5G, com códigos constantemente atualizados tornando mais difícil manter vigilância constante.

“A tecnologia digital está sendo atualizada regularmente e um nível de rico que é administrável hoje, com a tecnologia atual, pode não sê-lo dentro de quatro ou cinco anos”, disse Tsang.

A decisão sobre usar ou não equipamentos da Huawei nas redes 5G britânicas usualmente seria técnica, tomada por agências que cuidam da segurança cibernética e da infraestrutura digital do país. Mas se tornou um dilema político que se estende há duas administrações – primeiro a de Theresa May, quando ela era a primeira-ministra britânica, e agora a de Johnson.

As autoridades e executivos de empresas de telecomunicações do Reino Unido afirmaram que os Estados Unidos não revelaram provas que justifiquem a exclusão da companhia chinesa. As autoridades americanas enfatizaram as vulnerabilidades que o uso dos equipamentos da empresa poderia criar em caso de um futuro confronto com a China.

Sob as regras anunciadas na terça, as empresas de alto risco ficariam excluídas de fornecer tecnologia em posições geograficamente sensíveis, como locais associados à energia e arma nucleares e bases militares.

“Existe certamente um potencial risco de segurança”, disse Alan Woodward, especialista em segurança cibernética e professor visitante na Universidade de Surrey. “Ele é administrável? Essa é a grande questão a resolver”.

O Reino Unido está em posição precária, negociando sua saída da União Europeia. O país precisa criar novos tratados comerciais autônomos, depois da separação. Assim, embora manter elos próximos com os Estados Unidos seja vital para a segurança e economia do Reino Unido, também é preciso fomentar os laços com a China, que tem investimentos significativos no país e vem comprando cada vez mais produtos britânicos.

“Depois do brexit, o Reino Unido dependerá ainda mais da China do que já dependemos”, disse Anthony Glees, professor emérito da Universidade de Buckingham, onde ele foi diretor do Centro de Estudos de Inteligência e Segurança.

Woodward disse que a Huawei oferece a melhor tecnologia ao preço mais acessível, para alguns dos componentes essenciais das novas redes. Uma exclusão, ele disse, deixaria o país dependente demais dos maiores rivais da companhia chinesa —a Nokia e a Ericsson.

Empresas de telecomunicações britânicas alertaram que excluir a Huawei seria dispendioso e causaria atrasos, porque equipamentos antigos teriam de ser substituídos.

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