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Trégua é bem-vinda, mas contraria livre-comércio e pode prejudicar o Brasil

Acordo bilateral traz risco de discriminação e distorções nos fluxos comerciais

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Rabih A. Nasser
São Paulo

A assinatura do acordo comercial “fase 1” entre EUA e China representa uma bem-vinda trégua na guerra comercial iniciada há mais de um ano e meio, quando os EUA começaram a elevar as tarifas de importação sobre diversos produtos chineses, levando a China a fazer o mesmo.

Essa espiral protecionista teve efeitos no resto do mundo, criando instabilidade e prejudicando os fluxos comerciais.

No entanto, ao mesmo tempo que traz alívio, o acordo embute riscos para o comércio internacional e para os interesses brasileiros.

Primeiro, sendo limitado no seu escopo, não é suficiente para colocar fim à guerra comercial. A essência do conflito, que é a disputa pela hegemonia econômica e tecnológica no século 21, continua inalterada, e seus efeitos continuarão a afetar a economia global. 

Na foto, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump e o vice-primeiro ministro chinês, Liu He, apertam as mãos
Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump e o vice-primeiro ministro chinês, Liu He - Kevin Lamarque/Reuters

Entre os temas tratados estão medidas para lidar com preocupações dos EUA em relação à proteção da propriedade intelectual, exigências de transferência forçada de tecnologia pela China, maior acesso de produtos agrícolas dos EUA ao mercado chinês, redução das barreiras a empresas do setor financeiro, compromisso de evitar manipulação cambial e regras sobre solução de disputas.

Temas sensíveis, como a política industrial da China, incluindo a concessão de subsídios que distorcem os preços no mercado internacional e atuação das empresas estatais chinesas, aparentemente não foram contemplados e ficaram para a “fase 2”, cujas perspectivas são incertas.

Outra preocupação é que, sendo esse um acordo bilateral, realizado fora do âmbito da OMC, há um risco significativo de que cause discriminação e distorções nos fluxos comerciais, em detrimento dos demais países como o Brasil. 

Ao prever, por exemplo, compromisso da China de adquirir US$ 200 bilhões adicionais dos EUA ao longo dos próximos dois anos, o acordo contraria os princípios do livre-comércio próprios da ordem econômica liberal que foi construída ao longo dos últimos 70 anos, sob a liderança dos próprios EUA.

 

Contribui, assim, para enfraquecer o multilateralismo, que é mais conveniente para países de menor poder relativo, como o Brasil.

Essas importações forçadas podem também fazer com que a China compre menos de países como o Brasil, que é um competidor dos EUA no mercado internacional em vários produtos agrícolas, como soja e carnes. Ou seja, poderá haver uma reversão no benefício que o Brasil teve nos últimos dois anos, ao aumentar suas vendas para a China.

Portanto, ao mesmo tempo que representa um avanço, ao demonstrar a capacidade das duas maiores potências econômicas de se entenderem e aliviarem as tensões, o acordo pode marcar um retrocesso na regulação do comércio internacional, ao prever medidas de caráter mercantilista e próprias de um comércio administrado (e não livre).

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