O destaque mundial dado à fuga de Carlos Ghosn, ex-presidente das montadoras Renault e Nissan, dá a dimensão do personagem.
Seu protagonismo é um caso raro, principalmente pelas nacionalidades das empresas envolvidas, francesa e japonesa.
Elevar um executivo ao status de herói é algo mais identificado com a cultura da indústria automotiva norte-americana.
Um dos exemplos é Lee Iacocca (1924-2019), que se tornou uma estrela devido aos resultados de suas decisões à frente da Ford e, posteriormente, da Chrysler, ambas com sedes nos EUA.
O ítalo-canadense Sergio Marchionne (1952-2018) também se tornou um pop star do setor ao conduzir a fusão da Fiat com a Chrysler, em 2009. Sua ascensão se deve muito a esse culto à imagem que faz parte do mundo corporativo nos Estados Unidos.
No caso de Carlos Ghosn, o protagonismo foi convertido em incômodo para empresas que, até o início dos anos 2000, prezavam pela discrição.
O modo como foram conduzidas as denúncias que envolvem enriquecimento ilícito revelam o desejo não só de punir o executivo e tirá-lo do poder, mas também de desacreditá-lo.
Há a impressão de que desejam minimizar seu papel nos últimos anos ao lançar luzes sobre possíveis crimes cometidos ao longo da gestão.
Há 20 anos, Ghosn foi o escolhido da Renault para comandar a Nissan, época em que a marca francesa surgia como salvadora de uma montadora à beira da falência. Os resultados obtidos a seguir disfarçaram o mal-estar dos japoneses, que sempre assumiram os principais postos em suas empresas.
Ao virar suspeito por má conduta financeira, o ex-executivo se viu diante da insatisfação que parecia sufocada pela sua própria imagem.
Ghosn havia se tornado mais popular e mais poderoso do que a cultura empresarial do Japão poderia admitir.
As escolhas feitas pelas montadoras envolvidas ao longo de 2019 mostram que não se deseja mais atribuir tanto poder e visibilidade a seus comandantes. Ao mesmo tempo, ações discretas revelam que as relações estão sendo pacificadas e contrariam a imagem de ruptura iminente passada há um ano.
Em novembro, no Salão do Automóvel de Los Angeles, carros da Nissan traziam plaquetas que identificavam a divisão esportiva da Renault como responsável pela calibração dos motores.
A escolha de Makoto Uchida como novo presidente da Nissan também indica o fortalecimento da aliança global. Executivo com passagem pela China, está na montadora japonesa desde 2003 e tem se mostrado favorável à parceria com a fabricante francesa.
Na semana passada, as empresas divulgaram parte de seus planos futuros. Um dos projetos em andamento envolve uma nova plataforma para carros compactos e de perfil familiar que será compartilhada por Nissan, Mitsubishi e Renault.
Ao mesmo tempo, foi apresentado o novo secretário-geral da aliança, Hadi Zablit, que, assim como Carlos Ghosn, tem cidadania libanesa e francesa.
É possível haver mudanças na forma como as empresas são conduzidas. Ghosn defendia a fusão completa com a Renault, ideia rejeitada pela Nissan. Contudo, não se fala mais em separação, algo impensável nos dias de hoje.
Parcerias entre montadoras são fundamentais para reduzir custos de desenvolvimento e preservar a rentabilidade diante dos gastos pesados com eletrificação para reduzir as emissões de poluentes e CO2.
Em vez de se desmembrar, é mais provável que a Aliança Renault-Nissan-Mitsubishi ganhe novos associados.
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